Ninguém quer petróleo russo “em saldos”, mas mercado já vê Brent nos 150 dólares

Analistas veem barril do Brent a disparar até aos 150 dólares com a guerra na Ucrânia. Por outro lado, o petróleo russo tornou-se uma matéria-prima "tóxica" que ninguém quer tocar.

A guerra na Ucrânia deixou o mercado do petróleo “de pernas para o ar”. Há já analistas que acreditam que o preço do Brent, negociado em Londres e que serve de referência para as importações nacionais, poderá atingir os 150 dólares se o conflito no leste da Europa continuar a escalar, mas a Rússia está com dificuldades em arranjar compradores para o seu petróleo, mesmo com o barril a preço de “saldo”.

O atual momento parece desafiar a racionalidade do mercado, mas reflete sobretudo o impacto das sanções impostas pelo Ocidente pela invasão militar russa no país vizinho, ainda que as medidas não visem diretamente as exportações de energia russa, segundo os analistas.

A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, produzindo em média 10,5 milhões de barris por dia, apenas atrás dos EUA e Arábia Saudita, mas é o segundo maior exportador mundial (cerca de metade do que extrai), de acordo com os dados oficiais de 2021.

Por sua vez, a Europa é o maior consumidor do petróleo russo, comprando mais de metade do que a Rússia exporta, ou seja, importando 2,5 milhões de barris por dia.

Portanto, não é de um dia para o outro que se substitui um fornecedor com o peso da Rússia, mas o mundo — pelo menos, a avaliar para a reação da indústria global — parece estar disposto a pagar o preço do ataque militar à Ucrânia. A Agência Internacional de Energia diz que a segurança energética mundial está ameaçada.

Petróleo russo tornou-se “tóxico”

Nos últimos dias, o petróleo russo parece ter-se tornado “tóxico” para a maioria dos compradores regulares da Rússia. BP, Shell e Equinor são exemplos de petrolíferas que já anunciaram o fim das ligações à Rússia, pressionando outras companhias como a Total a seguir os mesmos passos. A Galp também acabou de declarar que vai deixar de comprar produtos petrolíferos de origem russa.

Os traders deixaram simplesmente de comparecer aos concursos realizados pelas petrolíferas russas como a Surgutneftegas, que esta quarta-feira não conseguiu encontrar comprador para o crude “Urals” pela terceira vez seguida, ainda que tenha oferecido um desconto recorde para despachar os barris.

Os donos dos petroleiros também estão a revelar-se muito relutantes em oferecer as suas embarcações para carregar petróleo da Rússia, com medo de que futuras cargas violem novas sanções que venham a ser aplicadas pelo Ocidente, de acordo com a Bloomberg.

Por outro lado, há quem tenha dúvidas sobre o impacto da exclusão da Rússia do sistema SWIFT, aliás, a agência Reuters relatava que algumas companhias petrolíferas russas trocaram os sancionados VTB e Sberbank por bancos que escaparam às sanções para não ter problemas em exportar a sua produção.

Outros compradores estão a afastar-se do petróleo russo para evitar danos na reputação.

“É bastante claro que, embora as sanções não tenham como alvo as exportações de energia russas, o risco de sanções, juntamente com a possível pressão pública, está a deixar os agentes relutantes em comprar petróleo russo”, explicam os analistas do ING.

“Parece que os fluxos russos reduzidos ocorrerão com ou sem sanções visando as exportações de petróleo”, acrescentam.

Petróleo russo a desconto

Não é de se estranhar, por isso, que o preço do Brent esteja a disparar e o preço do Urals em queda. Os habituais clientes do Urals não desapareceram. Deixaram apenas de comprar o petróleo russo tendo em conta todas estas circunstâncias, mas continuam a ter de satisfazer as suas necessidades num mercado que já estava “apertado” na sequência de uma pandemia que reduziu uma capacidade de produção mundial. Os produtores estão agora a aumentar a produção, mas a um ritmo mais lento do que a procura está a exigir.

Por exemplo, a finlandesa Neste disse na terça-feira que “devido à atual situação e à incerteza no mercado, praticamente substituiu o petróleo russo por outros petróleos, como o petróleo do Mar do Norte”. Também a BP, Equinor, Shell e Galp terão de encontrar alternativas.

Esta quarta-feira, o Brent superou a fasquia dos 112 dólares por barril, num claro sinal de que há mais compradores neste mercado a dar suporte aos preços.

Petróleo em alta

Em sentido contrário, o diferencial do Urals face ao Brent caiu para o mínimo de sempre esta semana, apresentando um desconto inédito de 18,3 dólares por barril, de acordo com a plataforma Platts. Antes da invasão, o desconto estava nos 7/8 dólares por barril em relação ao Brent. Mesmo estando quase 20 dólares mais barato, algo que não se via desde em décadas, ninguém quer o petróleo russo.

“Os diferenciais estão em queda livre, dado o risco de que as sanções se tornem progressivamente mais restritivas. Além disso, os bancos estão cada vez menos dispostos a financiar o comércio de commodities russas, enquanto os armadores também estão relutantes em carregar em alguns portos do Mar Negro”, diz o ING.

“Ainda pode ficar pior”

Filipe Aires Lopes, analista da área de Research do Bankinter, acredita que “o preço do ouro negro continuará a subir e manter-se-á durante algum tempo em níveis superiores aos 100 dólares por barril”.

A análise de Aires Lopes tem em conta não só o conflito militar na Ucrânia e o facto de a Rússia ser um dos maiores produtores, mas também porque a OPEP e aliados ainda não compensaram “forte aumento da procura no atual contexto de crescimento económico”, após baixos níveis de investimento no setor, sobretudo durante a pandemia.

A OPEP+ comprometeu-se a aumentar a oferta de petróleo em 400.000 barris por dia em cada mês e é o que vai fazer novamente em março. Porém, se já antes da guerra na Ucrânia os investidores viam este plano como “curto” para responder à rápida recuperação da economia após a pandemia, agora era ainda mais importante acelerar a produção face aos desequilíbrios no mercado.

Para dar algum alívio no mercado, os EUA e aliados comprometeram a libertar 60 milhões de barris das suas reservas, com o anúncio a desiludir os investidores, que estavam à espera de mais.

Os analistas do ING dizem a situação “ainda pode ficar muito pior”, pois ainda há muita incerteza em relação ao rumo que o conflito na Ucrânia poderá tomar.

“Se virmos um cenário em que as exportações de energia russas sejam totalmente sancionadas, isso poderia levar a uma situação em que vemos o Brent a ser negociado nos 150 dólares por barril este ano”.

É improvável que as exportações russas afundem para zero na sequência das sanções. Se isso acontecesse, o mercado “estaria em deficit no futuro próximo”. Há sempre compradores mais oportunistas e que não se importariam de comprar petróleo à Rússia em saldos, como a China ou a Índia, segundo o banco neerlandês.

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