Tecnostress. Mais de metade dos profissionais sente a vida pessoal “tecno-invadida”
Os níveis de tecnostress estão a aumentar, com destaque para a tecno-invasão. Mais de metade dos inquiridos admite que a sua vida pessoal é invadida devido às tecnologias móveis.
Chegou a hora de saída. Já nem devia estar com o computador ligado a responder a emails e a terminar tarefas que nem sequer são urgentes. Custa-lhe desligar e sente uma certa ansiedade caso não esteja on? Mais de metade dos profissionais responderia “sim”. Os níveis de tecnostress estão a aumentar, com destaque para a tecno-invasão, ou seja, a sensação de estar “sempre exposto” e contactável em qualquer momento e em qualquer lugar. Mais de metade sente que a sua vida pessoal é invadida devido às tecnologias móveis, revela o estudo “Tecnostress – Uso da Tecnologia e Bem Estar no Contexto do Trabalho”, desenvolvido pelos investigadores Filipa Castanheira, Pedro Neves e Inês Dias da Silva, do Observatório de Liderança e Bem Estar da Nova SBE, e divulgado esta quarta-feira.
“No atual contexto pandémico e na hipótese de se manterem soluções de teletrabalho sustentadas pelo uso de ferramentas tecnológicas, é urgente perceber melhor como o stress ligado à tecnologia móvel, em contexto laboral, impacta a saúde e o bem-estar dos trabalhadores”, pode ler-se no estudo.
“O papel das TIC na manutenção das relações e capacidade de execução do trabalho durante os períodos de confinamento e trabalho remoto é visível. No entanto, vieram simultaneamente agravar a vulnerabilidade dos trabalhadores face ao stress ocupacional”, alertam os investigadores.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o stress ocupacional é reconhecido globalmente como um dos grandes desafios à saúde e bem estar dos indivíduos, bem como das organizações. O tecnostress, diferente do tradicional, é causado por uma incapacidade de adaptação e mau uso da tecnologia, e advém dos grandes desafios que são colocados aos utilizadores no contexto laboral, cada vez mais tecnológico e digital.
Já em 2013, o INE reportava que a quase totalidade dos indivíduos empregados utilizam telemóvel para o trabalho. Esta tendência tem visto uma consolidação acelerada, particularmente nos últimos anos em que os trabalhadores em todo o mundo se viram obrigados a adotar novas ferramentas tecnológicas para fazer face aos mandatos de confinamento e trabalho remoto.
“O uso destas múltiplas ferramentas e diferentes fontes de informação podem levar a uma sobrecarga de informação e de trabalho. Por outro lado, a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar e em qualquer hora graças aos dispositivos móveis permite a invasão do trabalho no espaço pessoal e vice-versa”, lê-se no estudo.
Tecno-invasão e tecno-sobrecarga são os problemas mais comuns
Uma das dimensões do tecnostress é a tecno-invasão, isto é, a sensação de estar “sempre exposto” e contactável em qualquer momento e em qualquer lugar. “Esta é uma dimensão invasiva das TIC avalia o esbatimento das fronteiras entre a vida profissional, pessoal e familiar. Quando esta invasão do trabalho na vida pessoal é elevada, põe em risco o bem-estar dos trabalhadores quanto à exaustão”, alerta o Observatório.
Enquanto 52% dos inquiridos admitem que a sua vida pessoal está a ser invadida por causa das tecnologias móveis, 48% afirma que tem contacto com o seu trabalho durante as férias devido a estes dispositivos, e 42% diz mesmo que acaba por passar menos tempo com a família.
Os investigadores avaliaram igualmente se existiam diferenças ao nível do género e das diferentes gerações. Entre os vários grupos geracionais não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Contudo, na comparação realizada entre homens e mulheres, os resultados mostram diferenças apenas nos indicadores relativos à utilização das TIC para trabalho em férias e/ou fins de semana.
Nestes casos, os homens reportam maiores níveis de tecno-invasão, com 50% a concordar com a necessidade de manter o contacto com o trabalho durante as férias e 26% a concordar com a necessidade de sacrificar o tempo de férias para se manter a par com as tecnologias móveis.
Diferente da tecno-invasão, a tecno-sobrecarga refere-se às situações em que os utilizadores da tecnologia se sentem obrigados a trabalhar mais e mais rápido. A sobrecarga ocorre quando a capacidade do trabalhador de processar a informação é excedida, comprometendo o seu bem-estar quando não encontra formas de lidar com esse excesso de tarefas ou solicitações.
Neste campo, 47% dos inquiridos concordam com a afirmação “No meu trabalho, tenho que mudar os meus hábitos de trabalho para me adaptar às tecnologias móveis.”. E 38% está de acordo com a afirmação “Eu tenho uma carga de trabalho maior por causa do aumento da complexidade das tecnologias móveis.”.
Os resultados mostram ainda um padrão de resposta semelhante para a todos os indicadores no que toca ao género e gerações, exceto no que diz respeito ao aumento da velocidade de trabalho devido às tecnologias móveis.
Neste caso, as mulheres e a geração Z referem sentir menor sobrecarga, com 50% das mulheres e 63% dos membros da geração Z, aqui representados, a discordar da necessidade de trabalhar mais rápido devido à tecnologia.
Tecnostress origina queixas psicossomáticas e exaustão emocional
O aumento da dependência das tecnologias — e não da redução da motivação dos indivíduos, salienta o estudo — acaba por manifestar-se também em comportamentos tais como negligenciar atividades importantes, a incapacidade de descansar, discussões sobre o uso da tecnologia e empobrecimento da vida social.
A invasão e sobrecarga das tecnologias estão ainda associadas a exaustão emocional, uma das dimensões centrais do burnout no trabalho que se refere a sentimentos de estar esgotado pelo trabalho e não conseguir recuperar, e queixas psicossomáticas, como dificuldade em dormir, agitação, dores de cabeça e costas ou problemas digestivos, uma a duas semanas mais tarde face à exposição.
No atual contexto pandémico e na hipótese de se manterem soluções de teletrabalho sustentadas pelo uso de ferramentas tecnológicas, é urgente perceber melhor como o stress ligado à tecnologia móvel, em contexto laboral, impacta a saúde e o bem-estar dos trabalhadores.
Juntas explicam mais de 25% da variabilidade dos indicadores de saúde e bem-estar analisados, conclui o Observatório de Liderança e Bem Estar da Nova SBE. Quer isto dizer que o tecnostress explica em maior percentagem (19%) esta relação do que a motivação ou engagement (2%).
Regulamentação, formação das chefias e capacitação dos indivíduos
Com base nestes resultados, o Observatório de Liderança e Bem Estar da Nova SBE reuniu algumas recomendações ao nível sistémico, organizacional e individual, no sentido de melhorar a saúde e o bem-estar no contexto do trabalho. Eis as sugestões da equipa:
- Desenvolvimento de políticas organizacionais para gerir o papel das tecnologias na sobrecarga e invasão, através de legislação e regulamentação interna em linha com a que foi publicada em Portugal que regula o contacto do empregador fora de horas de expediente;
- Formação das chefias sobre o potencial impacto negativo das culturas sempre conectadas, através da sensibilização para as consequências nefastas na saúde e no bem estar do mau uso da tecnologia no trabalho;
- Capacitação dos indivíduos para a gestão ativa das fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal e familiar, fomentando métodos de gestão da interface trabalho e vida pessoal, contemplando o uso adequado da tecnologia móvel em trabalho e nos momentos de lazer.
O estudo “Tecnostress – Uso da Tecnologia e Bem Estar no Contexto do Trabalho” envolveu mais de 4.000 questionários online, confidenciais e anónimos, realizados entre fevereiro de 2020 e outubro de 2021. Na amostra de 4.083 indivíduos, 51% são do sexo feminino e 49% do sexo masculino, sendo que todas as gerações ativas laboralmente estão representadas (30,6% pertencem aos baby boomers, 34,8% fazem parte da geração X, 28,1% dos millenials e 6,5% correspondem à geração Z).
A grande maioria dos participantes (62,1%) são de proveniência portuguesa a desenvolver a sua atividade profissional num destes três setores: 9% da amostra está empregado na indústria, como a farmacêutica ou alimentar, 41% representa trabalhadores da prestação de serviços como consultoria, saúde ou vendas e 50% da amostra desenvolve atividades ligadas à informação, ciência e tecnologia.
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