Era uma vez um bastonário que queria ser “ministro-sombra” da Justiça

  • Jorge Bacelar Gouveia
  • 25 Março 2022

É lamentável que a OA não tenha conseguido lograr a defesa dos mais elementares interesses dos seus associados, nem sequer lhes valendo quando se apresentava no que era essencial, baixar as quotas.

Acaba de ser anunciada a nova composição do XXIII Governo Constitucional, sendo a Profª Doutora Catarina Sarmento e Castro a Ministra da Justiça.

Pelas suas qualidades pessoais e académicas, cumpre desejar-lhe as maiores venturas em prol da Justiça de Portugal, tarefa árdua dados os inúmeros problemas que se acumularam em razão de algumas inépcias bem conhecidas.

No panorama da Justiça Portuguesa, uma enorme responsabilidade cabe à Advocacia porque é à profissão forense com o maior número de praticantes, cerca de 34 000 advogados no ativo, sem contar com muitos outros que, sendo advogados, têm a sua cédula suspensa.

Trata-se de uma responsabilidade que os Advogados e as Advogadas têm visto com espírito de missão, na diversidade dos seus modos de trabalhar, profissão que tem tanto de apaixonante quanto de poliédrico na configuração concreta do exercício da mesma.

Todavia, há algo de que nenhum colega alguma vez prescindiu: a dignidade que deve ser apanágio de uma profissão que está no coração do Estado de Direito, sendo hoje o primeiro dia – 17.500 dias – em que o tempo de Democracia superou o tempo em que Portugal sofreu a sombra da ditadura do Estado Novo.

Tantos são os exemplos, dos mais variados campos políticos, dos Colegas que tudo deram por essa causa e que, na sequência disso, muito sofreram, devendo-se-lhes uma homenagem sincera, do mais conhecido ao mais ignoto de todos.

Mas a Advocacia é também o patrocínio forense noutros ângulos, bem como a consulta jurídica, num edifício normativo que se adensa na confusão das leis e na incerteza crescente da sua hermenêutica.

Isto sem contar com a erosão da identidade de que a profissão sofre quando se permite que outros façam os atos que nos são exclusivos, quando os advogados oficiosos sejam “miseravelmente pagos” ou quando se adicionam requisitos adicionais de acesso à profissão que não se exige noutras profissões liberais, nem as mesmas se apresentam indispensáveis à sua melhor proficiência.

Pior de tudo, é o desprestígio de que socialmente a profissão é alvo, reagindo-se da pior maneira, de um modo maniqueísta, com a separação entre os bons e os maus, como se a causa estivesse sempre nos próprios advogados.

Ao contrário: na esmagadora maioria das situações, são eles meras vítimas de um sistema de justiça anquilosado e retrógrado, em que quase tudo tem de ser repensado, incluindo o enquadramento dos outros profissionais forenses, que avançam facilmente na satisfação dos seus interesses de classe…

Ora, é lamentável que a Ordem dos Advogados não tenha conseguido lograr a defesa dos mais elementares interesses dos seus associados, nem sequer lhes valendo quando se apresentava no que era essencial: baixar as quotas no tempo da pandemia, ajudando aos colegas que foram duramente atingidos por tão terríveis circunstâncias, tal como foram atingidas outras profissões, que conseguiriam apoios.

É por isso que as próximas eleições na Ordem dos Advogados prometem: será o tempo de se avaliar aquilo que se fez, melhor dizendo, avaliar aquilo que não se fez, pois que a prestação do ainda bastonário foi um “flop”.

Em vez de se concentrar naquilo que devia ter sido a sua missão, ocupou-se muito – com a ajuda de uma empresa de comunicação paga por todos nós – em encher o espaço público com intervenções erráticas, delegando as importantes decisões internas a outrem, numa ausência que só pode ser criticável porque tais decisões tinham de ter o selo da sua máxima responsabilidade.

A Ordem dos Advogados – é o que espero das próximas eleições – tem de mudar de alto a baixo, num diálogo franco com as estruturas regionais, e já agora que o bastonário não seja como um frustrado “ministro-sombra” da Justiça de um qualquer partido da oposição…

A Ordem dos Advogados não é um partido político, nem um lobby corporativo, e os seus associados têm de ser respeitados nas suas múltiplas mundividências político-ideológicas e filosóficas.

Nem a Ordem dos Advogados é uma empresa lucrativa, a qual se possa regozijar alegremente com superavits abundantes, uma vez que a sua natureza pública – com a exceção das receitas que devem ser reservadas a investimentos – implica que a respetiva despesa tenha de ser sempre virtuosa.

O próximo ato eleitoral será uma oportunidade de ouro para uma mudança de vida, que sempre é prometida, mas que nunca sucede, agravando-se um divórcio dos órgãos dirigentes com os Colegas que, no seu quotidiano, não têm o apoio a que justamente almejam.

  • Jorge Bacelar Gouveia
  • Advogado

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