UE tem respondido de forma “totalmente unida” à guerra na Ucrânia, diz novo embaixador português na UE
A resposta europeia à invasão russa da Ucrânia não surpreende o novo embaixador de Portugal junto da UE, atendendo à “evolução nos últimos anos” no sentido de decisões conjuntas dos Estados-membros.
O novo embaixador de Portugal junto da União Europeia (UE), Pedro Lourtie, considera que o bloco europeu “tem respondido de forma notável e totalmente unida” à “agressão brutal” da Rússia na Ucrânia, algo que diz não o surpreender.
Numa entrevista à Lusa, em Bruxelas, no dia em que assumiu funções como representante permanente de Portugal junto da UE, Pedro Lourtie, comentando o contexto atual de “uma crise como a Europa não vivia desde a II Guerra Mundial”, saúda o que classifica como “uma resposta totalmente unida, de rejeição perante uma agressão considerada por todos totalmente injustificada, uma agressão brutal”.
Esta resposta europeia, que “tem sido uma resposta de apoio à Ucrânia e ao povo ucraniano em várias dimensões”, não surpreendeu o diplomata, atendendo à “evolução nos últimos anos” que se tem verificado na União Europeia, no sentido de decisões conjuntas mesmo em domínios que, de acordo com os Tratados, são de competência nacional.
“Não fiquei muito surpreendido. Foi uma boa notícia, mas não fiquei muito surpreendido. Julgo que temos vindo a verificar nos últimos anos que a União Europeia habituou-se a debater no seu seio e a tomar decisões sobre um número cada vez maior de matérias”, diz.
Segundo o diplomata, “talvez o exemplo mais evidente, nos tempos mais recentes, foi durante a crise da Covid-19, quando, numa área onde as competências são nacionais, a União Europeia conseguiu tomar decisões importantíssimas e conseguiu enfrentar uma crise gravíssima, uma pandemia com consequências graves, de forma unida, coordenada, e num combate que foi – e está a ser ainda – um combate conjunto, desde a compra conjunta de vacinas até ao certificado digital para facilitar a livre circulação de pessoas, e uma série de outras decisões ligadas ao combate à pandemia”.
“Outro exemplo também ligado à Covid, mas que é também um exemplo notável, foi a aprovação do ‘NextGenerationEU’, com a decisão inédita de a União Europeia ir, enquanto União Europeia, aos mercados financeiros contrair dívida para financiar esse pacote de recuperação e resiliência para os Estados-membros”, prossegue.
“Por isso, há de facto uma evolução nos últimos anos”, no sentido em que “várias matérias que eram matérias que normalmente eram tratadas a nível nacional, hoje em dia tomam uma decisão europeia, são tratadas a nível europeu, e têm-no sido com sucesso”, destaca.
Segundo o embaixador, “nesta crise na Ucrânia, a UE voltou a demonstrar de forma imediata essa unidade, que é fundamental, nomeadamente numa matéria como esta”. “Não diria que é uma surpresa, mas evidentemente é algo que saudamos, que eu saúdo”, reforça.
Questionado sobre se acredita que essa unidade se vai manter, Pedro Lourtie diz acreditar “que é para continuar”, pois “não há dúvidas nenhumas” de que “todos os Estados-membros estão empenhados em continuar com uma atitude unida, e que essa atitude de união é absolutamente indispensável”.
Novo embaixador quer manter voz de Portugal “influente” nas decisões
Pedro Lourtie assume como grande prioridade no início de funções trabalhar para que a voz do país continue a ser “ouvida e influente no processo de decisão europeia”.
Após cinco anos e meio como representante permanente adjunto, Lourtie diz pretender “desde logo prosseguir o trabalho notável” do seu antecessor, o embaixador Nuno Brito, dos seus “antecessores em geral, e o trabalho notável que a REPER tem feito”.
“E o que significa prosseguir esse trabalho? Significa dar o nosso contributo, o da REPER enquanto instrumento que está na linha da frente, para que Portugal continue a estar no centro das decisões europeias, continue a estar plenamente envolvido no processo de decisão europeia, continue a ter uma voz que seja ouvida e influente no processo de decisão europeia, porque desse modo conseguimos desde logo defender melhor os interesses nacionais e conseguimos também contribuir melhor para a construção do interesse europeu”, sublinha.
O diplomata e antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus observa que “Portugal é um país, desde a sua adesão, profundamente europeísta, que tem estado sempre no núcleo duro do processo de integração europeia, mas para que isso seja eficaz é necessário ter uma voz eficaz, uma voz que seja ouvida, que seja respeitada, é isso que acontece hoje em dia”.
“Por isso, aqui o nosso contributo é para manter essa capacidade de influência de Portugal no processo de decisão europeu”, assume, acrescentando que o novo cargo representa “um grande desafio”, para o qual está “extremamente motivado”, sublinhando que “a política europeia é absolutamente central na governação dos vários Estados-membros”.
O embaixador nota que a política europeia é “um nível de governação próprio”, pois “não é inteiramente política externa e não é também política interna, tem características próprias”.
“Usa muito dos instrumentos da política externa, diplomáticos desde logo, mas tem também um impacto muito significativo sobre as áreas internas. E a REPER tem aqui um papel fundamental, instrumental, na defesa dos interesses portugueses, no cumprimento das orientações governamentais”, observa.
“Por isso, poder chefiar a REPER, numa altura ainda por cima tão desafiante para o mundo e para a Europa em particular […] e para alguém como eu que tem de facto feito uma boa parte, para não dizer a maior parte da sua carreira, na área europeia, é um desafio que me motiva muitíssimo e para o qual vou dar obviamente o meu melhor. E espero que os resultados possam corresponder”, diz.
Depois de cinco anos e meio nas funções de representante permanente adjunto, durante os quais representou Portugal no comité de representantes permanentes que lida com políticas setoriais de seis configurações do Conselho da UE (como Competitividade, Educação, Emprego, Ambiente, Transportes, Telecomunicações e Energia) – o chamado COREPER I -, Lourtie, ao passar a chefiar a REPER, passa também a liderar o corpo diplomático nas reuniões do COREPER II, que trata de política externa, assuntos económicos e financeiros, Justiça e Assuntos internos, mas conta já estar muito em breve em “velocidade de cruzeiro”, apoiando-se na máquina já bem ‘oleada’ da REPER portuguesa.
“A REPER tem uma equipa muito competente em todas as áreas, que dá o seu melhor todos os dias. São áreas [as do COREPER II] que também não me são desconhecidas. Não vou esconder que não vou ter agora de fazer um esforço adicional para me dedicar mais a essas áreas, mas espero daqui a alguns dias já estar em velocidade de cruzeiro”, diz.
Entrando em funções praticamente em simultâneo com o XXIII Governo Constitucional, no qual o primeiro-ministro, António Costa, tem sob a sua alçada direta a pasta dos Assuntos Europeus, o embaixador Pedro Lourtie escusa-se a “comentar a orgânica do Governo”, dado não ser esse o seu papel, mas constata que um pouco por todos os Estados-membros há uma “adaptação” à relevância cada vez maior da política europeia.
“Se olharmos para todos os países europeus, há um facto que é relativamente comum: todos eles reconhecem a política europeia como um nível próprio de governação […] e é natural que os governos adaptem as suas estruturas a esse nível”, aponta.
O início de funções de Pedro Lourtie coincide também com o contexto do regresso da guerra à Europa, que, admite, “obviamente, concentra as atenções” em Bruxelas, “porque foca desde logo a atenção política, e foca uma boa parte do trabalho que tem sido feito, nomeadamente no comité de representantes permanentes”, o que não invalida que prossiga o trabalho nos dossiês legislativos de todas as restantes áreas.
“Mas há todas as outras matérias que vão avançando. O Conselho e as várias instituições da UE hoje em dia exercem um número alargado de competências e, por isso, as outras matérias vão continuando a avançar, e é assim que deve ser, independentemente da atenção política estar obviamente mais dedicada à guerra na Ucrânia, que é uma crise como a Europa não vivia desde a II Guerra Mundial”, diz.
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