1,28 biliões de fundos comunitários. Saiba quem ganha e quem perde
- Mónica Silvares
- 19 Maio 2018
A Comissão Europeia apresentou a sua proposta de Orçamento para 2021 a 2027. Política de Coesão vai ter um corte de 7% e a Política Agrícola de 5%. Mas há mais mudanças. Leia este Descodificador.
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- Mónica Silvares
- 19 Maio 2018
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Qual é a proposta da Comissão Europeia?
A Comissão Europeia apresentou, a 2 de maio, uma proposta de Orçamento de 1.279 mil milhões de euros para o período entre 2021 e 2027. Um valor que compara com 1.129 do atual quadro. Sim, os 1.279 mil milhões de euros é um valor diferente dos 1.135 biliões que também são muitas vezes referidos. Ambos estão corretos. O primeiro é o Orçamento a preços correntes — que tem em conta a inflação e que permite fazer melhor a ligação entre o período atual e o próximo ciclo — e o segundo é o Orçamento a preços constantes — que desconta o efeito da inflação e que deve ser usado para fazer comparações entre ciclos. De qualquer forma este novo quadro plurianual não vai permitir comparações fáceis já que o Fundo Europeu de Desenvolvimento, o principal instrumento da UE para financiar a cooperação para o desenvolvimento com países de África, das Caraíbas e do Pacífico, passou a ser integrado no Orçamento europeu.
Em termos globais o orçamento é o mesmo, ainda que não tenha o contributo do Reino Unido, que provoca um buraco de 15 mil milhões de euros no Orçamento. Mas há ainda que que ter em conta que há novas prioridades que são assumidas no Orçamento, nomeadamente a defesa, migrações, etc, que também consomem verbas do orçamento. Isto significa que para as políticas tradicionais — Política Agrícola Comum e Política de Coesão há menos dinheiro — os cortes sugeridos são de 5% e 7%, respetivamente.
Proxima Pergunta: De onde vem o dinheiro?
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De onde vem o dinheiro?
Das contribuições dos Estados membros. A proposta da Comissão é que os Estados-membros aumentem as suas contribuições para 1,114% do Rendimento Nacional Bruto, contra os atuais 1,03%, com o objetivo de compensar um pouco a saída do Reino Unido da União Europeia. Segundo o comissário responsável pelo Orçamento e pelos Recursos Humanos, Günther H. Oettinger “não é algo de gigantesco, sobretudo numa conjuntura em que a Europa tem de lidar com o Brexit”. A saída do Reino Unido da União Europeia vai provocar um rombo de 15 mil milhões de euros no Orçamento da União, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que ironicamente frisou que o aumento proposto “não é nenhum massacre”. Para compensar na totalidade a saída do Reino Unido, os Estados teriam de aumentar a sua contribuição para 2% do RNB, uma ‘não opção’ para muitos países e também para o próprio Parlamento Europeu, disse Juncker. Recorde-se que o Parlamento Europeu propôs que as contribuições dos Estado membros subissem para 1,3% do RNB. Portugal defende um aumento para 1,2%. A decisão final estará nas mãos do Conselho e do Parlamento Europeu.
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O Orçamento tem receitas próprias?
Sim. A Comissão Europeia considera que “para financiar prioridades novas e urgentes, os atuais níveis de financiamento terão de ser reforçados”. E esse reforço surge não só através de novos recursos (à volta de 80%), mas também de reafetações e poupanças (cerca de 20%). As novas fontes de financiamento — taxas e não impostos europeus — vão representar cerca de 12% do orçamento total da UE, contribuindo com cerca 22 mil milhões de euros por ano para o financiamento das novas prioridades. Estas novas fontes traduzem-se em:
- 20% das receitas do regime de comércio de licenças de emissão;
- Uma taxa de mobilização de 3% aplicada à nova matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (a introduzir progressivamente à medida que for adotada a legislação necessária);
- Uma contribuição nacional calculada sobre a quantidade de resíduos de embalagens de plástico não recicladas em cada Estado-membro (0,80 euros por quilo).
Por outro lado, a Comissão sugere ainda simplificar um dos atuais recursos próprios — o IVA. As taxas alfandegárias continuam a ser outra das fontes de receita da União.
Ficam assim de fora as propostas para tributar as plataformas eletrónicas como a Google ou tributar as transações financeiras. Propostas que foram avançadas pelo Parlamento Europeu e com as quais Portugal concorda.
Proxima Pergunta: O traz de novo a proposta de Orçamento da Comissão?
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O traz de novo a proposta de Orçamento da Comissão?
Várias coisas. Desde logo, as propostas de cortes: cerca de 5% na Política Agrícola Comum e de 7% na Política de Coesão e os aumentos de dotação para o Horizonte 2020, que muda de nome, e para o Erasmus. Sugere ainda alterações nas formas de financiamento do Orçamento, seja ao nível das contribuições dos Estados membros, seja das receitas próprias. Mas como a Comissão quer que o Orçamento seja mais “flexível” e “vá ao encontro de imprevistos”, sugere a criação de dois novos instrumentos que “aliam solidariedade e responsabilidades”.
O primeiro é um programa de apoio às reformas económicas, em especial no contexto do Semestre Europeu, que terá um orçamento de 25 mil milhões de euros, e que estará disponível também para os Estados membros que querem aderir à zona euro. Portugal está a desenvolver com a Comissão um projeto-piloto no âmbito deste novo mecanismo, ao nível da educação.
O segundo instrumento é uma solução de estabilização dos investimentos que poderá mobilizar 30 mil milhões de euros para ajudar a manter a atividade económica e absorver choques económicos. Um dos grandes propósitos do novo orçamento é reforçar a arquitetura europeia e ajudar a evitar novas crises. Esta solução “começará sob a forma de empréstimos back-to-back ao abrigo do orçamento da UE até 30 mil milhões de euros, em combinação com uma componente de subvenção para cobrir os encargos de juros. Os empréstimos constituirão um apoio financeiro adicional quando as finanças públicas estiverem excessivamente sobrecarregadas, devendo ser orientados para os investimentos prioritários”, explica o comunicado da Comissão Europeia, aquando da apresentação da proposta de Orçamento.
Outra das grandes novidades consiste em fazer depender o financiamento europeu do cumprimento do Estado de Direito. “Os novos instrumentos propostos permitiriam à União suspender, reduzir ou restringir o acesso a financiamento da UE de forma proporcionada à natureza, à gravidade e ao alcance das deficiências no que respeita ao Estado de direito. Uma tal decisão será proposta pela Comissão e adotada pelo Conselho mediante votação por maioria qualificada invertida”, explicava o comunicado da Comissão. O presidente da Comissão garantiu que a medida não visava nenhum Estado membro em particular, mas países como Hungria, República Checa, Polónia, Eslováquia, Roménia e Malta têm sido apontados como pouco respeitadores do Estado de Direito.
Novo ainda é o facto de o Produto per capita deixar de ser o único indicador determinante para o cálculo de atribuição dos fundos. Ou seja, esta medida da riqueza por pessoa deverá ter um peso de 75%. Os restantes 25% serão determinados pelas migrações, as alterações climáticas e o desemprego, tal como avançou Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. Portugal será fortemente prejudicado, com uma perda de 10 a 15% dos fundos.
A Comissão sugere ainda acabar, gradualmente, com os abatimentos ao Orçamento. A ideia é que desapareçam no espaço de cinco anos. Aproveitando a saída do Reino Unido da União Europeia, o principal beneficiário dos abatimentos, a Comissão quer “atacar o complicado sistema de abatimentos e mesmo o dos ‘abatimentos aos abatimentos'”. O abatimento é uma figura criada para equilibrar as contribuições de alguns Estados membros que excedem em muito a média do Rendimento Nacional Bruto europeu. “A Comissão propõe eliminar todos os abatimentos e reduzir de 20% para 10% o montante que os Estados-membros conservam quando cobram receitas (um dos ‘recursos próprios’) para o orçamento da UE”, explica o comunicado da UE.
Proxima Pergunta: Quem ganha com a proposta apresentada?
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Quem ganha com a proposta apresentada?
O grande vencedor é o programa sucessor do Horizonte 2020, de Carlos Moedas. Além de um reforço de dotação — passa de 77 mil milhões de euros para 100 mil milhões de euros — o programa é rebatizado de Horizon Europe para eliminar as referências temporais, num programa que a Comissão Europeia pretende que seja estrutural e que ajude a colmatar o gap de inovação que existe entre a Europa e os Estados Unidos. O novo Horizon Europe não só tem um reforço como perde o seu principal beneficiário, o Reino Unido, o que pressupõe que os restantes Estados membros vão ter acesso a mais dinheiro.
O Horizon Europe tem ainda dez milhões de euros reservados para projetos agrícolas inovadores, que apresentem uma componente tecnológica, como por exemplo sistemas de rega mecanizada, o uso de drones ou até projetos de investigação a nível agrícola ou alimentar. Uma forma que a Comissão encontrou para ajudar a mitigar os cortes da PAC (que rondam os 5%).
Outro dos programas vencedores é o Erasmus+ que duplica a sua dotação para 30 mil milhões de euros e Corpo de Solidariedade Europeia com 1,3 mil milhões. De sublinhar que os bilhetes de Interrail para jovens vão ter 700 milhões de euros dedicados.
As novas áreas nas quais a Comissão pretende apostar traduzem-se em:
- Um aumento de quase nove vezes dos investimentos em transformação digital e redes que deverá atingir os 12 mil milhões de euros — um montante que é depois complementado pelo investimento apoiado pelo Plano Juncker, agora rebatizado de Fundo InvestEU, ou seja, através de empréstimos, garantias e outros instrumentos financeiros. O novo fundo vai ter uma dotação de 15,2 mil milhões de euros que poderá desencadear um investimento adicional de 650 milhões;
- Quase triplicar as despesas para a gestão de fronteiras, migrações e políticas de asilo que vão atingir cerca de 33 mil milhões de euros, contra os atuais 13 mil milhões. O objetivo é financiar dez mil guardas fronteiriços até 2027 da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, mais conhecida por Frontex.
- Aumentar o investimento em segurança em cerca de 40%, para 4,8 mil milhões de euros, e criar um Fundo de Defesa de 13 mil milhões de euros para complementar e catalisar as despesas nacionais em desenvolvimento de capacidade e investigação. Os investimentos necessários para facilitar mobilidade militar em toda a UE serão financiados com os 6,5 mil milhões de euros do Instrumento Interligar a Europa.
- Reforçar o financiamento da ação externa em 26% de modo a atingir 120 mil milhões de euros com uma ênfase específica na vizinhança europeia, com uma reserva concreta, mas não pré-alocada, para lidar com desafios emergentes, nomeadamente na área de estabilidade e migração. De modo a complementar investimentos financiados pelo Orçamento europeu na área da defesa, a Alta Representante para a Política Externa propôs criar um instrumento de paz europeu, extra orçamento de 10,5 mil milhões de euros, para reforçar possíveis compromissos conjuntos com países não europeus.
Proxima Pergunta: E quem perde?
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E quem perde?
A Política de Coesão, que na proposta da Comissão terá um corte de 7%, e a Política Agrícola, que terá um corte de 5%. Os detalhes da proposta ao nível da Política de Coesão ainda não são totalmente conhecidos. O comissário Oettinger explicou esta diferença nos cortes com o peso diferente do contributo do Reino Unido para estas duas políticas. Para os críticos que apontam estes cortes como sinais de que a política de solidariedade da União Europeia está a ser posta em causa, o responsável lembra que 80% do Rendimento Nacional Bruto da UE vai para a PAC e para a Coesão e que os 20% restantes são para tudo o resto.
A Comissão avança com uma proposta orçamental de 273 mil milhões para o fundo de coesão e o desenvolvimento regional (que tinha 351,8 mil milhões no quadro orçamental anterior). O PIB per capita vai continuar a ser o critério predominante para a distribuição dos fundos — com um peso de 75% –, mas há outros fatores como o desemprego, as alterações climáticas, e o acolhimento e integração de migrantes que também vão ser tidos em conta.
Já quanto à Política Agrícola Comum, a proposta é de um orçamento de 365 mil milhões de euros, face aos 408,31 mil milhões de euros do quadro financeiro, atualmente, em vigor. O comissário Phil Hogan explicou que, apesar do corte médio de 5%, no que diz respeito ao primeiro pilar — as ajudas diretas aos agricultores pagas em função do número de hectares que detêm — há países que não têm cortes nenhuns, como é o caso de Portugal, Roménia e Eslováquia. No pior dos cenários os países têm um corte de 3,9% nas ajudas diretas. Mas Polónia e a Bulgária vão ter uma redução dos pagamentos diretos inferior a 1%, enquanto Estónia, Letónia e Lituânia até vão ter um aumento deste tipo de pagamentos.
A este valor, acrescem ainda dez mil milhões de euros provenientes do programa Horizonte 2020, destinados a apoiar a investigação e inovação na alimentação, agricultura, desenvolvimento rural e bioeconomia. Por outro lado, a Comissão espera que os Estados membros reforcem a componentes de desenvolvimento rural (o segundo pilar da PAC) com os seus orçamentos nacionais para que os agricultores não tenham perda de apoios.
A Comissão sugere ainda que seja dada mais ênfase às explorações agrícolas de pequena e média dimensão e quer dar mais responsabilidade aos Estados membros na gestão do orçamento agrícola. As novas regras darão mais flexibilidade para que possam transferir fundos entre os pagamentos diretos e desenvolvimento rural de acordo com as necessidades e objetivos nacionais.
Proxima Pergunta: Qual é a posição do Governo português?
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Qual é a posição do Governo português?
O Governo português classificou a proposta da Comissão Europeia como “um mau começo“. Mas não foi o único. O principal partido da oposição, com quem foi concertada a posição que Portugal deveria defender junto de Bruxelas relativamente às perspetivas financeiras, fez eco da reação do Executivo, dizendo que se trata de um “passo atrás”. E até Marcelo Rebelo de Sousa disse que se tratava de “um mau ponto de partida”. “Vamos lutar por um melhor ponto de chegada”, acrescentou o Presidente da República.
O primeiro-ministro já disse que espera “bom senso” de Bruxelas no sentido de melhorar a proposta inicial de orçamento comunitário e que se desenvolvam agora negociações para que se chegue a um “bom ponto final”. “A partir de agora vai haver seguramente um processo longo de negociações. Vamos prosseguir de uma forma construtiva, esperando que haja bom senso”, disse o primeiro-ministro, durante a visita oficial ao Canadá. Para o líder do Executivo português, o resultado final do processo negocial poderá ser bem diferente do atual. “Tendo partido de um mau ponto inicial, espero que se chegue a um bom ponto final”, concluiu.
Proxima Pergunta: Quais os passos que se seguem?
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Quais os passos que se seguem?
A Comissão Europeia tinha o compromisso de divulgar a sua proposta para as perspetivas financeiras a 2 de maio. Agora, no próximo dia 14, a Comissão vai apresentar ao Conselho a sua proposta de Orçamento. Mas a nova data limite é de 29 de maio, momento em que a Comissão deve apresentar as propostas legislativas setoriais para os diferentes programas. Na prática, isto significa que os Estados membros vão saber qual a proposta da Comissão para os critérios de distribuição dos fundos. Portugal partiu para esta corrida com o desejo de manter os cerca de 25 mil milhões que conseguiu para o quadro comunitário de 2014 a 2020 — o Portugal 2020. Mas à partida poderá perder entre 10% e 15% dos fundos comunitários, segundo avançou comentador Marques Mendes, por causa da introdução de novos critérios além do PIB per capita. O Governo vai ter de negociar com a Comissão para que que este cenário inicial não se venha a concretizar. Mas se os cortes da PAC e da Coesão são de 5% e de 7%, respetivamente, como pode Portugal perder mais? Porque os cortes propostos são médios e haverá Estados que perdem mais e outros menos. A lógica é a mesma que se verifica com os pagamentos diretos aos agricultores.
O objetivo da Comissão é ter o trabalho concluído antes das eleições europeias e estabeleceu a cimeira de Sibiu (na Roménia) como marco. “As negociações devem merecer prioridade absoluta, devendo ser encontrado um acordo antes das eleições para o Parlamento Europeu e da Cimeira de Sibiu em 9 de maio de 2019. A Comissão fará tudo o que estiver ao seu alcance para possibilitar um acordo rápido”, dizia o executivo comunitário em comunicado. A ideia é evitar que se repitam os atrasos verificados na negociação do quadro financeiro plurianual anterior que determinaram uma chegada tardia dos fundos em todos os países.