Todos querem a dona da TVI, mas o que tem a Media Capital?
- Flávio Nunes
- 17 Agosto 2020
Esteve anos para ser vendida, ganhou um acionista este ano e volta a ser alvo de uma OPA. Pelo meio, recupera à concorrência a apresentadora Cristina Ferreira. O que se passa com a dona da TVI?
Ver DescodificadorTodos querem a dona da TVI, mas o que tem a Media Capital?
- Flávio Nunes
- 17 Agosto 2020
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O que tem a Media Capital?
A Media Capital é um dos maiores grupos de comunicação social portugueses. Controla a estação generalista TVI, que está presente na grelha da Televisão Digital Terrestre (TDT), disponível gratuitamente para todos os portugueses, bem como todos os canais televisivos desta insígnia que fazem parte das plataformas de TV paga, incluindo o canal informativo TVI24.
Mas as ramificações da Media Capital vão muito além da TVI. O grupo controla também a Rádio Comercial, líder de audiências, bem como as rádios M80, a Cidade, a Smooth FM e a Vodafone FM.
No setor audiovisual, a Media Capital inclui ainda a produtora Plural, outra das joias da coroa do grupo. É da Plural que sai a ficção nacional da TVI, incluindo muitas telenovelas e alguns concursos, mas também conteúdo para outros mercados internacionais.
Este ativo é particularmente atraente por estar bem posicionado para produzir séries ou outros conteúdos para plataformas de streaming.
Com as receitas da publicidade em queda e as atenções a voltarem-se para serviços como o da HBO ou a Netflix, não seria surpresa que a Plural viesse a ganhar cada vez mais peso nas receitas do grupo.
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E o que está a acontecer no grupo?
Durante vários anos, a TVI foi confortavelmente líder de audiências, sucessivamente batendo a rival SIC. Mas tudo tem um fim. E a liderança da TVI acabou em 2019, depois de a estação concorrente detida pelo grupo Impresa ter feito uma mudança profunda na grelha de conteúdos.
É comum atribuir-se o fim da liderança de audiências da TVI à estratégia de Daniel Oliveira, diretor de programas da SIC, que decidiu contratar à Media Capital um dos seus rostos mais proeminentes: Cristina Ferreira, que até então apresentava o “Você na TV” nas manhãs da antena da TVI, em conjunto com Manuel Luís Goucha.
Ao perder a liderança das audiências, primeiro nas manhãs, depois de uma forma mais geral, as receitas geradas pela TVI com a publicidade foram gradualmente caindo.
No ano completo de 2019, a Media Capital registou uma quebra de 15% nas receitas com a venda de publicidade em televisão, uma queda de 13% nas receitas totais com televisão (que incluem outros rendimentos como os direitos de distribuição dos canais) e uma quebra total de 9% nas receitas. Estas recuaram de 181,8 milhões de euros em 2018 para 165,12 milhões de euros no ano passado.
O período do fim da liderança coincidiu ainda com uma alteração no conselho de administração: a saída da então CEO Rosa Cullell, que passou a pasta a Luís Cabral, então líder do segmento de rádio no grupo.
No fim de 2019, a Media Capital foi alvo de uma tentativa de aquisição por parte da Cofina, outro grupo de comunicação, que controla o Correio da Manhã e a CMTV. A operação viria a falhar já em março deste ano, levando um dos intervenientes, o empresário Mário Ferreira, a optar por seguir a solo, adquirindo 30,22% do grupo por 10,5 milhões de euros. (Mário Ferreira também é acionista do ECO.)
A operação por parte do dono da Douro Azul avaliava a Media Capital em cerca de 130 milhões de euros. Um valor significativamente inferior aos 440 milhões de euros que a Media Capital chegou a valer no verão de 2017, quando foi alvo de uma tentativa de aquisição por parte da Altice Portugal, dona da Meo.
A pandemia da Covid-19 agravou ainda mais o problema, ao ponto de o grupo, a 9 de agosto, ter sido forçado a revelar aos investidores, em antecipação, os resultados do semestre. A empresa passou de lucros de 5,89 milhões de euros no primeiro semestre de 2019 para prejuízos de 14,4 milhões de euros nos primeiros seis meses de 2020. A quebra foi explicada também com a perda de audiências.
Entretanto, a Media Capital implementou um ambicioso plano para superar este período difícil, que incluiu a contratação de várias figuras conhecidas do panorama televisivo nacional. A contratação mais surpreendente foi mesmo a de Cristina Ferreira, que volta assim à TVI e que tenciona mesmo ser acionista do grupo, eventualmente com assento no Conselho de Administração.
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Porque é que a Cofina quer a TVI?
Foi no final de 2019 que a dona do Correio da Manhã anunciou a intenção de avançar para a compra da Media Capital. A Cofina também tem um canal de televisão, a CMTV, e esperava que, desta relação, pudessem ser exploradas várias sinergias.
Como tal, o grupo liderado por Paulo Fernandes encetou um aumento de capital de 85 milhões de euros. Durante a operação, foram várias as notícias que apontavam para o eventual sucesso desse aumento, até porque os principais responsáveis da Cofina garantiam uma “fatia” importante da subscrição das novas ações. Além disso, o grupo contava com parceiros como Mário Ferreira e o banco espanhol Abanca e o financiamento da compra da Media Capital estaria praticamente assegurado.
Contudo, numa altura em que a pandemia da Covid-19 dava os primeiros sinais em Portugal, a Cofina anunciou o cancelamento de toda a operação de compra da TVI, justificando com o insucesso em concluir o referido aumento de capital. Viria a revelar mais tarde terem ficado por subscrever menos de três milhões de euros em novas ações.
A decisão apanhou de surpresa a Prisa, que era então a principal vendedora, e o próprio empresário Mário Ferreira, como veio o próprio afirmar em declarações a diversos jornais.
O cancelamento da operação gerou diversas divisões. Uma delas com a Prisa, que veio garantir que iria processar a Cofina para, eventualmente, forçar a venda. Envolvidos nesse ponto estão também cerca de dez milhões de euros que a Cofina depositou como caução numa conta conjunta (escrow account).
A outra divisão foi com a CMVM. Depois de a Cofina ter pedido ao regulador a extinção da Oferta Pública de Aquisição (OPA) que estava em curso sobre pouco mais de 5% das ações da Media Capital que não pertenciam à Prisa, a entidade mostrou-se inclinada para recusar.
Segundo a CMVM, a “conduta” da Cofina terá contribuído para o falhanço da operação que tinha sido acordada com a Prisa. O projeto de decisão surgiu numa altura em que Mário Ferreira já tinha avançado sozinho para a compra de mais de 30% do capital, e a CMVM deixava implícito que a Cofina teria mesmo de avançar com a OPA que tinha lançado sobre os tais 5% e ao preço que tinha prometido, que era substancialmente mais alto do que os 41,11 cêntimos que Mário Ferreira pagou por cada ação da dona da TVI.
Face a isto, a Cofina decidiu seguir outra via e quer, novamente, comprar a totalidade da Media Capital. Pediu à CMVM para rever os termos da OPA, e a CMVM aceitou, invocando a mudança de contexto provocada pela pandemia.
Assim sendo, na semana que agora termina, a Cofina voltou a avançar com uma oferta sobre 100% da Media Capital, mas pagando uma contrapartida de referência 41,5 cêntimos cada título, ou 0,004 euros acima do preço que Mário Ferreira pagou.
Contudo, a oferta está sujeita a várias condições. A primeira é que será pedido a um auditor independente que fixe a contrapartida mínima a pagar pela Cofina, uma vez que as ações do grupo têm reduzida liquidez.
A OPA divide-se, então, em duas partes:
- Se o auditor determinar um valor abaixo de 41,5 cêntimos por ação, a OPA da Cofina dirige-se a 100% do capital.
- Se o valor for superior, a OPA dirige-se apenas a 5,31% das ações da Media Capital.
Há ainda uma cláusula de sucesso de “mais de 50%” do capital, no caso de a contrapartida fixada ser inferior a 41,5 cêntimos, bem como a condição de a Media Capital não ser alvo de cisões ou fusões, ou de alienar algum dos seus principais ativos.
Desta forma, a Cofina mantém em aberto uma última esperança de adquirir a Media Capital, ao mesmo tempo que evita pagar um valor substancialmente mais alto por pouco mais de 5% do grupo.
A Media Capital terá o direito de se pronunciar sobre a oferta e a administração liderada por Manuel Alves Monteiro já veio dizer, numa carta enviada aos trabalhadores, que o grupo está “consciente” do seu valor.
Além disso, o Jornal Económico noticiou que a Prisa quer 36,8 milhões por 64% da Media Capital, um valor que está 63% acima do oferecido na OPA da Cofina.
Correção: O preço oferecido pela Cofina é 0,004 euros superior, e não inferior, aos 41,1 cêntimos pagos pela Pluris por cada ação da Média Capital. Aos leitores e visados, a nossas desculpas.
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O que se passa com os acionistas?
Através da Pluris Investments, Mário Ferreira comprou 30,22% da Media Capital em meados de maio, tornando-se o segundo maior acionista do grupo. A Prisa mantém 64,47% através de uma sociedade chamada Vertix, enquanto o Abanca continua com 5,05%. O restante capital está disperso na bolsa.
Ora, a 16 de julho, é notícia a saída de Luís Cabral da liderança da Media Capital, dando lugar a Manuel Alves Monteiro. Temendo uma interferência acionista na administração, a ERC veio emitir um comunicado: “A ERC, tendo tomado conhecimento de mudanças relevantes na estrutura da TVI, está a avaliar o âmbito das mesmas e eventual configuração de nova posição.” Segundo a ERC, “em análise está a eventual alteração não autorizada de domínio”.
A própria SIC, enquanto parte “interessada”, suscitou novas questões à ERC no âmbito desse processo, perguntando, desde logo, se Mário Ferreira não terá um poder superior ao que deveria sobre a Media Capital. Em resposta, a Media Capital acusou a ERC de se deixar “instrumentalizar” pela concorrente Cofina.
Enquanto a ERC analisa as mudanças na administração da Media Capital, a CMVM veio indicar que está também a analisar a “eventual concertação entre a Prisa e a Pluris”. Em causa está o acordo parassocial assinado entre ambas as empresas e que “contêm cláusulas relativas à transmissibilidade de ações e que envolvem, conjuntamente, participação superior a 50% dos direitos de voto”.
O regulador está a analisar se essas cláusulas “são instrumentos de exercício concertado de influência” sobre a Media Capital, o que, se assim for considerado pela CMVM, Mário Ferreira terá de lançar uma OPA sobre a restante parcela da Media Capital que ainda não detém.
Por ter adquirido a posição numa OPA anterior, a Prisa não está obrigada a lançar qualquer oferta em qualquer circunstância.
Se Mário Ferreira acabar forçado a lançar uma OPA sobre a totalidade da Media Capital, a contrapartida será a mesma que for fixada pelo auditor no âmbito da OPA da Cofina. A hipotética OPA de Mário Ferreira seria também motivo válido para a Cofina, querendo, poder deixar cair por terra toda a operação, incluindo aquela sobre os cerca de 5%.
Proxima Pergunta: Quais são os próximos passos?
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Quais são os próximos passos?
Agora, tudo isto está a decorrer em simultâneo:
- A ERC analisará as mudanças na administração da Media Capital e terá de pronunciar uma deliberação.
- A CMVM apurará se há concertação entre a Prisa e a Pluris, e terá de determinar se Mário Ferreira é ou não obrigado a lançar uma OPA sobre a Media Capital.
- Um auditor independente avaliará a Media Capital para determinar a contrapartida mínima a pagar pela Cofina e, eventualmente, por Mário Ferreira, caso este seja obrigado a fazer uma oferta.
- A Cofina prosseguirá com a sua própria OPA e terá de concluir o registo da mesma junto da CMVM, lançando-a de seguida, reunidas as condições.
- A Media Capital terá de se pronunciar sobre a OPA da Cofina, emitindo uma opinião sobre as condições da oferta. Continua ainda a implementar o plano para dar a volta à perda de audiências.
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Como estão as audiências?
A SIC fechou o ano de 2019 com um share médio de 19,2%. A TVI obteve 15,6% e a RTP 1 registou 12,5%. Desde então, ao longo de 2020, a SIC tem reforçado a liderança.
Dados da GfK/CAEM, divulgados pela Impresa, mostram que o share médio da SIC de janeiro a junho fixou-se em 20,3%, contra 14% da TVI e 12% da RTP 1.
Concretamente em junho, a SIC assistiu a uma perda ligeira de quota, para 20,5% face aos 20,7% registados em maio. A quota da TVI subiu de 14,5% para 14,6%.