Vasco de Ataíde Marques é o advogado do mês da edição de julho/agosto da Advocatus. O sócio coordenador da German Desk da PLMJ assegurou que o investimento alemão não baixou com a pandemia.
Vasco de Ataíde Marques, sócio coordenador da German Desk da PLMJ, esteve à conversa com a Advocatus e confessou que o principal desafio inerente ao cargo é fazer a ponte entre a mentalidade alemã e a portuguesa.
Assegura que o investimento alemão não baixou com a pandemia e que existem diferenças, mas também muitas semelhanças entre o mercado de advocacia português e alemão. Segundo Vasco de Ataíde Marques, a resiliência do escritório permitiu atravessar a pandemia de uma “forma serena”.
Está há quase 20 anos na PLMJ. O escritório continua a ser o mesmo relativamente ao ano em que integrou a equipa, em 2004?
Sim, continua a ser um escritório que proporciona carreiras inteligíveis aos advogados, com a progressão assente no mérito e critérios que são partilhados de forma muito clara em todas as fases da carreira. Acrescentaria que, nos últimos anos, o escritório fez uma transição desejada, saudável e alinhada com a evolução do setor a nível internacional: viemos de um modelo assente no projeto dos seus quatro fundadores – que são um enorme legado que muito nos orgulha – e somos hoje uma marca em que quatro letras representam mais de 400 pessoas. Uma marca que ganhou uma projeção muito grande, que está no mercado com uma oferta de serviços jurídicos ímpar, focada nas empresas e que está preparada para os desafios das próximas décadas.
É sócio coordenador da German Desk. Como é gerir esta parte do “negócio” da sociedade?
É interessantíssimo. Desde logo porque somos o único departamento que, embora especialmente ativo no societário e no M&A, no imobiliário e no direito dos contratos, nos assumimos como tendencialmente generalista. Fazemos, por exemplo, também bastante direito sucessório para os nossos clientes alemães que têm património em Portugal. Muitas vezes não há noção que inúmeras empresas alemãs de média, mas até de grande dimensão, estão ainda nas mãos de famílias e muitas dessas famílias, nalguns casos muito conhecidas a nível mundial mas também muito discretas, têm importantes patrimónios em Portugal cujo planeamento sucessório tem que ser assegurado e nós somos muito ativos nessa área.
A maior parte dos alemães pura e simplesmente não entende como é possível haver atrasos, o que em Portugal não é bem assim.
Quais são os principais desafios inerentes a este cargo?
Fazer a ponte entre a mentalidade alemã e a portuguesa. A maior parte dos alemães pura e simplesmente não entende como é possível haver atrasos, o que em Portugal não é bem assim. Não quero com isto dizer que os alemães sejam sempre necessariamente mais produtivos do que os portugueses, mas em geral e por esse simples facto, são. É verdade que são também muitas vezes menos flexíveis do que os portugueses e por isso também a esse nível tenho dificuldades em fazer a ponte entre portugueses e alemães. Se tivesse que dar um exemplo claro de diferença de mentalidades diria que um cliente alemão a quem se prometa que se vai enviar um email num certo dia e por qualquer motivo se envia no outro, sem uma boa justificação, é provavelmente um cliente perdido.
O investimento alemão baixou com a pandemia?
Tenho a indicação contrária da Câmara do Comércio Luso-Alemã, cujos órgãos sociais integro e da minha observação diria precisamente o contrário. Em plena pandemia assessorámos vários investimentos importantes de empresas alemãs emblemáticas, que demonstram a manutenção do interesse em Portugal. Tivemos, por exemplo, um assunto que consistiu na negociação de um contrato em que representámos uma sociedade do setor automóvel especialmente conhecida para a instalação de um centro de desenvolvimento de software num prédio inteiro e de certa forma emblemático de Lisboa. Quando começámos a negociar o contrato estávamos mesmo no princípio da pandemia, tendo sido uma negociação que durou quase um ano e por isso atravessou toda a pandemia e nunca a nossa cliente quis desistir, o que me pareceu impressionante tendo em conta que se tratou da assunção de um compromisso para muitos anos. Isto para dizer que a pandemia não fez esmorecer o interesse dos alemães em Portugal como destino de investimento e que a pandemia foi vista por esses investidores como uma crise, é certo, mas de duração limitada.
E, agora, na fase da retoma, como é que esse investimento se vai posicionar em Portugal?
Acho que a tendência será para aumentar. Temos visto por exemplo um enorme interesse no estabelecimento de hubs tecnológicos de muitas empresas alemãs em Portugal, especialmente em Lisboa e no Porto. Vou perguntando o porquê desta tendência e todos me dizem que isso se justifica com o facto de os engenheiros portugueses serem especialmente capazes e bem preparados, de o país ser muito recetivo à vinda de estrangeiros o que permite a instalação de centros que juntam portugueses com estrangeiros que trabalham para essas empresas noutros países e vêm para Portugal com as famílias com gosto e com o facto de a infraestrutura em Portugal ao nível das telecomunicações ser muitíssimo boa.
Ao longo da sua carreira tem estado envolvido em importantes transações e tem assessorado clientes de países de língua alemã bem como tem acompanhado processos judiciais que envolvem clientes da Alemanha, Suíça e Áustria. Esses clientes são muito diferentes dos portugueses?
Diria que são muito parecidos desde logo no rigor com que trabalham, na exigência de qualidade do serviço que contratam mas também na forma generosa e cumpridora como o remuneram, sendo portanto um enorme prazer trabalhar com todos.
Comparativamente, como caracteriza o mercado de advocacia alemão e português? Existem muitas diferenças?
Existem diferenças mas também semelhanças. O mercado alemão, à semelhança do português, não é como os mercados anglo-saxónicos com sociedades de advogados com milhares de advogados. Existe um número enorme de advogados em pequenos escritórios, ou mesmo em prática individual, que representa conglomerados industriais importantíssimos precisamente porque esses conglomerados se encontram ainda, em muitos casos, nas mãos de famílias, que sempre tiveram o seu consultor de confiança e não abdicam ainda hoje de o ter.
Em plena pandemia assessorámos vários investimentos importantes de empresas alemãs emblemáticas, que demonstram a manutenção do interesse em Portugal.
Qual é a principal característica que um advogado deve ter para estar à frente de uma Desk de um escritório?
Desde logo ser bilingue nas duas línguas, o que no caso do alemão me obriga a um esforço constante de aperfeiçoamento. Para além disso e talvez mais importante, conhecer a mentalidade alemã ou do país a que o Desk se dedique.
Quais considera que foram as áreas da PLMJ mais afetadas pela pandemia?
Diria que é difícil indicar uma área que tenha sido afetada especificamente. O setor jurídico tende a reagir menos aos ciclos económicos, ainda que, naturalmente, não seja imune a um ano com uma travagem económica mundial desta magnitude. Ainda assim, diria que a resiliência do escritório, mais uma vez, permitiu atravessar a pandemia de uma forma serena.
Foi recentemente distinguido pelo diretório Who’s Who Legal Iberia em M&A. Considera que os prémios e distinções são sinónimo de mais clientes? Que tipo de valor acrescenta a firma?
Não atribuo uma importância excessiva aos diretórios jurídicos, exceto na medida em que tenho de agradecer aos clientes e pares gastarem algum do seu tempo a comentarem o trabalho dos advogados que os apoiam, no primeiro caso, ou com quem se cruzam, no segundo. Do ponto de vista da geração de negócio propriamente dito, diria que os clientes que acompanho, de língua alemã, não olham para isto particularmente, ao contrário do que acontece com clientes provenientes de outros países. No entanto, admito que isto possa contribuir para um aumento da visibilidade geral do escritório no estrangeiro e, nessa medida, os mais reputados merecerão algum investimento.
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“A pandemia não fez esmorecer o interesse dos alemães em Portugal como destino de investimento”
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