Esta quinta-feira, Paulo Saragoça da Matta será um dos oradores na Conferência “Megaprocessos – Quando a justiça criminal é especialmente complexa”, que decorre no Palácio da Justiça, em Lisboa.
O advogado Paulo Saragoça da Matta, sócio da DLA Piper desde 2022, é um dos advogados mais mediáticos da praça e tem em mãos a defesas de arguidos como Joe Berardo, o Sport Lisboa Benfica, Isabel dos Santos (na fase pós Luanda Leaks), Diogo Gaspar Ferreira (na Operação Marquês), João Martins Pereira (e outros arguidos no caso BES), Ricardo Oliveira (no caso BPN), Lalanda de Castro, Alfredo Casimiro (no processo da Groundforce contra Pedro Nuno Santos) ou Luís Newton do processo Tutti Fruti. Mais recentemente, foi nomeado advogado de Nuno Lacasta, arguido na Operação Influencer.
Paulo Saragoça da Matta tem quase trinta anos de experiência, reconhecido nas áreas da criminalidade financeira e económica, nomeadamente, criminalidade de colarinho branco, criminalidade política, criminalidade bancária e fraude fiscal. Várias vezes nomeado como perito independente em reuniões internacionais sobre direito processual, direito civil e direito penal, é desde 2014 juiz ad hoc do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É ainda board member da FRA- Agência Europeia Direitos Humanos.
Na lista de clientes tem ainda Paulo Nacif , os filhos de Morais Pires, Rui Guerra e Ricardo Espírito Santo Silva – todos do processo BES – Nuno Gaioso Ribeiro, no processo Cartão Vermelho, João Canto e Castro no processo das PPP, a Faculdade de direito da Universidade de Lisboa nos processos assédio moral e sexual, a GALP em processos crime vários contra estrangeiros, Câmara Municipal de Cascais contra Júdice e Paulo Félix, no processo das Secretas.
Esta quinta-feira será um dos oradores na Conferência “Megaprocessos – Quando a justiça criminal é especialmente complexa”, que decorrre no Palácio da Justiça, em Lisboa. O evento é promovido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com o apoio do Conselho Superior da Magistratura e juntará juízes, órgãos de polícia criminal, advogados, académicos, oficiais de justiça e jornalistas. Falamos com o advogado sobre justiça penal e, precisamente, sobre megaprocessos.
Os megaprocessos são os responsáveis pela demora na Justiça Penal?
Não creio que haja “demora na Justiça penal”. A justiça penal, tal como a cível, recuperaram imenso dos atrasos de que me recordo na década de 90 do século XX e no início deste século. Contudo, nos megaprocessos todos os tempos são, por definição, mais dilatados, dando a falsa perceção pública – porque a regra é os megaprocessos serem também processos mediáticos – de que a Justiça penal é demorada. Logo, a resposta é um sim, limitado aos megaprocessos.
A solução pode passar por ‘partir’ esses megaprocessos em vários, mais pequenos?
Como escreveu Richard Branson, “Complexity is your enemy. Any fool can make something complicated. It is hard to make something simple”. A meu modesto ver, não há que partir nenhum megaprocesso: há só que cumprir o que a Lei já estabelece.
Só se deve criar um megaprocesso quando não haja outra solução para realizar as pretensões punitivas do Estado, e não seja caso para separação de processos. Ora, o que a minha experiência me permitiu concluir, é que as investigações de alguns departamentos de investigação e ação penal usam o método oposto. Corretamente seguindo a metodologia do Fio de Ariadne, encontram “verdades” que têm de demonstrar. Mas em vez de autonomizarem cada verdade que desejam demonstrar, optam por no mesmo sistema inserirem vários problemas, e se começam por procurar a existência de corrupção numa determinada adjudicação pública, acabam por no mesmo processo inserirem a investigação e acusação desse ato corrupto, e de mais meia dúzia deles, e, ainda se necessário for, recebimentos indevidos de vantagem, prostituição de menores, pornografia infantil e, claro, imensas fraudes fiscais e branqueamentos de capitais. Isto é só demonstrativo do uso de um errado paradigma de modelo investigatório.
A PGR proibiu os procuradores de participar na conferência que decorre amanhã, sobre o tema. Como vê esta decisão?
Desconheço as razões. O que sei é que no cargo de Procurador-Geral da República só se tomam decisões a bem da República. Nessa conferência, será apresentado um estudo em que revela que a maioria dos megaprocessos analisados, 77% foram mais demorados na fase de inquérito do que na fase de julgamento. Que conclusões tirar daqui? Julgo, pelo respeito que tenho pelo trabalho do Ministério Público, ser obviamente muito difícil fazer investigação criminal em processos de extrema complexidade. Ora, megaprocessos são por regra de extrema complexidade, principalmente se tiverem por objeto aqueles crimes de catálogo especial: corrupções, oferecimento ou recebimentos indevidos de vantagem, branqueamento de capitais, etc. Complexos pois são crimes de rasto muito difícil de detetar (embora hoje mais detetáveis que anteriormente, mercê das alterações legais dos últimos 20 anos), porque muitas vezes são transnacionais, porque ocorrem sob um véu de silêncio, porque ninguém normal num mundo normal vai a um serviço de finanças declarar proventos ilícitos de atos de corrupção (daí o ilógico de falar em fraude fiscal por não declaração de proventos emergentes de corrupção, tal como nunca ninguém tal defendeu para os proventos do tráfico de droga…).
Assim que os inquéritos tenham de ser longos. O que é complexo, é complexo. Daí espantar-me imenso a posição quase unânime de Juízes, Procuradores e Jornalistas e Comentadores mediáticos (todos hoje curiosamente especializados em Processo Penal, mesmo nunca tendo entrado num julgamento penal), quando entendem que uma Instrução que dura 2 anos é tempo excessivo, sovando os juízes de instrução criminal a cargo de quem o processo pende, se antes houve um Inquérito que demorou 6 anos. Idem para as críticas feitas aos Tribunais de Julgamento: para quem, como eu, já participou em muitos megaprocessos, só posso considerar desumano o esforço que se pede aos Senhores Juízes… conseguir no espaço da normalidade do conhecimento humano, emitir juízos de censura com gravidade penal, no âmbito de matérias de facto gigantescas. E cabe não esquecer: os Advogados podem errar, o MP pode errar… mas um Juiz não pode errar: do erro do MP ou do Advogado pode nada resultar, mas do erro do Julgador pode resultar a destruição de uma família, além do óbvio sofrimento para o condenado.
Como avalia a comunicação (ou falta dela) por parte do Ministério Público/PGR?
Permita-me deixar essa avaliação para a Hierarquia do MP. Deve sempre dar-se a precedência às instituições para se justificarem do que fazem, porque fazem, ou o que pensam fazer no futuro, perante as experiências do passado.
Os magistrados do MP encontram “verdades” que têm de demonstrar. Mas em vez de autonomizarem cada verdade que desejam demonstrar, optam por no mesmo sistema inserirem vários problemas, e se começam por procurar a existência de corrupção numa determinada adjudicação pública, acabam por no mesmo processo inserirem a investigação e acusação desse ato corrupto, e de mais meia dúzia deles, e, ainda se necessário for, recebimentos indevidos de vantagem, prostituição de menores, pornografia infantil e, claro, imensas fraudes fiscais e branqueamentos de capitais. Isto é só demonstrativo do uso de um errado paradigma de modelo investigatório.
O que faz falta no Ministério Público?
Responder-lhe-ei na entrevista que lhe der no dia em que for convidado por um Governo para ser Procurador-Geral da República (o que causaria uma rebelião nacional e a destituição do Governo por parte do então Presidente da República, sob o aplauso de todo o corpo do MP) (risos).
A prestação de contas por parte do MP é uma miragem?
A prestação de contas, perante a sociedade e cada concreto “utente” da Justiça portuguesa, por parte da Magistratura Judicial e do Ministério Público é até hoje, para mim e sabendo que o que digo será encarado com imensa crispação, apenas simbólica e interior aos próprios corpos judiciários respetivos. Pergunto-lhe: como pessoa informada, enquanto Jornalista que acompanha a Justiça em Portugal, quantos casos lhe vêm à memória de punições disciplinares de Magistrados Judiciais ou de agentes do MP que não tenham sido casos de concomitante responsabilização criminal?
Faz sentido a fase de instrução deixar de existir, no processo penal?
Se for para ter uma instrução igual à que temos tido desde 1988, ou para ter uma instrução como agora é defendida unanimemente pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo Conselho Superior do Ministério Público, pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, pelo Sindicato dos Magistrados do MP ou por alguns jornalistas justicialistas, podem acabar com ela. Agora que ela nunca deveria ser abolida, nunca. E não é pelo ridículo argumento de na CRP se dizer “toda a Instrução é da competência de um Juiz”. É porque a submissão de alguém a julgamento penal é um ato de grande gravidade, altamente lesivo do arguido, tal como em tempos o Tribunal Constitucional considerou e decidiu, mas agora parece já ter esquecido.
Mas precisamente por isso, não deve ser uma macaqueação de instrução, que é o que hoje ela é na maioria dos casos. Se é fase para contraditar a decisão de acusar, só é séria se nela se permitir exercer contraditório a prova só “produzida” pelo MP com vista a acusar, e se nela se permitir apreciar nova prova que infirme a carreada pelo MP em inquérito. Se for para ser a missa de corpo presente que tem sido preconizada pelas corporações sindicais judiciárias, poupemos tempo às pessoas e dinheiro ao erário público. Em suma: já tive juízes de instrução competentes a levar a instrução a sério? Já! Foram casos raros? Foram! E para mim “basta que um se salve”, para valer a pena.
A prestação de contas, perante a sociedade e cada concreto “utente” da Justiça portuguesa, por parte da Magistratura Judicial e do Ministério Público é até hoje, para mim e sabendo que o que digo será encarado com imensa crispação, apenas simbólica e interior aos próprios corpos judiciários respetivos. Pergunto-lhe: como pessoa informada, enquanto Jornalista que acompanha a Justiça em Portugal, quantos casos lhe vêm à memória de punições disciplinares de Magistrados Judiciais ou de agentes do MP que não tenham sido casos de concomitante responsabilização criminal?
Existe atualmente uma espécie de perseguição a políticos por parte do Ministério Público?
Não creio que haja uma perseguição a políticos. Admitir isso seria atirar para o lixo tudo aquilo que aprendi, em que creio e que defendo, publicamente e em privado. Pergunto eu: porque não se pensa que há demasiados políticos a infringir o seu dever, e que o MP está apenas a cumprir o seu dever, o que hoje faz de modo muito mais livre do que em alguma outra vez na história. Como diz amiúde um ex-político conhecido, “não pode aqui haver maniqueísmos”. Nem todo o mal está nos advogados, nem todo o bem. Creio nisso para a minha classe profissional, como sabem os que me conhecem bem. Ora, se assim entendo para a minha classe, porque havia de ser diferente para a Magistratura Judicial e para o Ministério Público?
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“A prestação de contas dos juízes e Ministério Público é simbólica”, diz Paulo Saragoça da Matta
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