Numa entrevista exclusiva ao ECO, o lendário investidor Ken Fisher derruba dogmas e prova que muitas verdades aceites no mercado não passam de ilusões com prazo de validade.
Fundador da Fisher Investments com apenas 250 dólares em 1979 – hoje responsável por quase 300 mil milhões de dólares em ativos sob gestão – Ken Fisher soma meio século a desafiar o senso comum dos mercados financeiros. Numa rara passagem por Lisboa, o famoso investidor californiano desmonta mitos enraizados sobre inflação, guerras regionais e o verdadeiro impacto do protecionismo, explicando numa entrevista ao ECO porque grande parte do que se assume como certo, está afinal descontado e ultrapassado nos mercados.
Fisher rejeita análises superficiais e apelos ao medo. Para este norte-americano de 74 anos e autor de vários bestsellers sobre finanças, não é a vaga de tarifas da administração Trump que alimenta a inflação, mas o excesso de moeda no mercado – uma lição rebatida com dados, história económica e um olhar clínico sobre as grandes narrativas globais. Quando “apenas 1% dos contentores é inspecionado nos EUA”, diz, o efeito das tarifas reais fica aquém do que muitos sugerem.
Na sua filosofia de investimento, os erros mais caros são os do consenso e da convicção cega – confissão que não lhe custa admitir, lembrando como demorou a libertar-se da ideia de que as ações value superam as growth. “O mercado é o grande humilhador”, alerta Fisher, sempre pronto a contrariar certezas e expor onde o rebanho se engana.
Da pandemia ao conflito na Ucrânia, passando pelo efeito da volatilidade cambial no mercado de ações, Fisher deixa o aviso: o segredo está em ligar história e dados, recusando dogmas e procurando informação que os outros ignoram. E apesar de não fazer projeções nem previsões para os mercados, não tem dúvidas em afirmar que as ações são o melhor ativo para investir no longo prazo.
A maior parte dos investidores institucionais são medíocres. A realidade é que tomam decisões por comité e os comités tomam sempre decisões consensuais – e o consenso já está descontado nos mercados.
Ao longo de mais de 50 anos nos mercados, quais foram os seus maiores erros e que lições retirou desses percalços?
Penso que tudo o que fazemos tem um erro incorporado de alguma forma, porque não há perfeição nisto. Os maiores erros são aqueles aos quais nos agarramos durante muito tempo. Um dos meus maiores foi, enquanto jovem, acreditar mais rigidamente no pensamento consensual sobre como funcionam os mercados, porque não compreendia totalmente que o mercado é muito mais um avaliador de tantas coisas que de outra forma seriam consideradas sabedoria. A sabedoria pode ser lida por todos e está precificada.
Costumava ter noções de que as ações value eram melhores do que as de crescimento (growth) devido ao que diziam os estudos académicos. Demorei muito tempo a perceber que, no longo prazo, nenhuma categoria pode ser verdadeiramente melhor porque o mercado vai eliminar qualquer perceção de superioridade.
Muitos dos erros dos investidores têm em conta situações inesperadas. Nesse grupo de erros está também alguma subestimação das formas bizarras de regulamentação governamental, como já se referiu às mudanças regulamentares que levaram à crise do subprime?
Significativamente. Se considerarmos a política pública normal — mudanças nos impostos, gastos governamentais — tudo isso está descontado pelo mercado porque é debatido publicamente. O que não compreendi foi, por exemplo, a maior causa isolada do declínio de 2007-2009: a mudança nas regras do Financial Accounting Standards Board sobre contabilidade mark-to-market, que eliminou cerca de 3 biliões de dólares dos balanços bancários. Ninguém percebia o que estava a acontecer na altura.
As perdas hipotecárias totais foram apenas centenas de milhões, não biliões, mas as regras do FASB forçaram os bancos a desvalorizar os balanços em 3 biliões, colocando-os numa posição onde já não tinham capacidade para emprestar.
E os efeitos nos mercados da pandemia Covid-19, também o surpreenderam?
Durante os meus mais de 50 anos de carreira, vi muitas pandemias, mas nenhuma do tamanho da Covid. Estudei o que aconteceu às ações durante a gripe espanhola de 1918 — o mercado continuou a subir. Nunca tinha visto uma pandemia causar quedas significativas nas ações. Mas nunca tínhamos tido uma pandemia onde o governo tivesse fechado o comércio. Não foi a Covid que fez o mercado cair, foram os confinamentos governamentais.

A sua filosofia de investimento enfatiza o princípio de os investidores se focarem em “saber o que os outros não sabem”. Num ambiente saturado de informação, como pode um pequeno investidor ganhar vantagem?
A maior parte dos investidores institucionais são medíocres. A realidade é que tomam decisões por comité e os comités tomam sempre decisões consensuais — e o consenso já está descontado nos mercados. Se eu fosse o investidor português individual, não me preocuparia com o que as as grandes casas de investimento estão a fazer ou a dizer.
A maior parte das pessoas concentra-se no consenso, pensando as mesmas coisas que toda a gente. A história do que realmente funcionou nos mercados diz-nos que o consenso está errado na maioria das vezes.
Pode dar exemplos práticos?
Quando começaram as guerras regionais, como o conflito da Ucrânia-Rússia ou Gaza-Israel, a reação imediata foi pensar que seriam um grande problema para as ações. Na realidade, as guerras regionais nunca causaram mercados em baixa. Temos uma longa história de guerras regionais.
O mais fácil que qualquer investidor português pode fazer é, quando algo assim acontece, fazer um pouco de pesquisa para ver quantas vezes coisas semelhantes causaram mercados em baixa no passado.
Significa que a História ainda importa nos mercados?
A história é terrivelmente importante. Se a coisa que toda a gente teme já ocorreu muitas vezes na História, mas os mercados não reagem, por que razão devemos temê-la? Contudo, estamos programados para reagir a certos tipos de coisas.
Outro exemplo: se a nossa moeda — o euro no caso de Portugal, o dólar na América — sobe ou desce drasticamente, as pessoas pensam sempre que isso será mau. Na realidade, a história das moedas causarem reações nos mercados no longo prazo é zero. Isto não significa que, por vezes, quando uma moeda sobe ou desce muito, a bolsa não possa mover-se na mesma direção. O que um investidor individual pode fazer é usar uma das muitas ferramentas online para cruzar séries de preços com acontecimentos e medir a correlação, compreendendo como ela funciona.
Assim, se no longo prazo não houver correlação, como sucede com as do euro e o dólar com o mercado, então não há causalidade — X não causa Y. Assim, quando surgir alarme porque o dólar ou o euro estão a cair e se for dito que isso vai afundar as ações, como os coeficientes de correlação mostram que “não há ali nada”, a posição sensata é contrariar esse medo.
A inflação não vem de muitas coisas que as pessoas pensam. Não vem dos gastos governamentais ou impostos. Como disse Milton Friedman, vem de demasiado dinheiro a perseguir poucos bens. Vem do excesso de criação monetária pelos bancos centrais.
Esse mesmo pensamento contrário face à generalidade do mercado é também visível no seu pensamento em relação às ações europeias versus ações americanas. Tem-se mostrado consistentemente “bullish” em relação às ações europeias ao longo de 2025, prevendo que superariam as ações dos EUA, como se tem confirmado até agora. Acredita que estamos a chegar a um ponto em que o sentimento europeu melhorou o suficiente para reduzir essa vantagem, ou vê mais potencial de alta para os títulos europeus?
Não é apenas sentimento, embora tenha escrito sobre isso. Outra parte são as tarifas. As tarifas sempre prejudicam mais o país que as impõe do que os países sobre os quais são impostas. Se olharmos para os países onde Trump impôs tarifas mais duramente, subiram mais este ano.
A Europa tem-se saído muito bem como um todo, mas não é só a Europa. É a totalidade do mundo não-americano. A China subiu fortemente este ano, o México também subiu muito.
Tem defendido que as tarifas não causam inflação e que são, em grande parte, um fator irrelevante para os mercados a longo prazo. As tarifas impostas pela Administração Trump terão um impacto muito menor do que pessoas pensam?
As tarifas que Trump estabelece acabam por ser muito menores do que o preço de etiqueta. A Customs Border Protection Agency [entidade que controla a entrada de artigos nos EUA] tem de cobrir várias centenas de pontos de importação nos EUA e apesar de ter alguns milhares de funcionários, tem capacidade para inspecionar apenas cerca de 1% dos contentores que entram diariamente nos EUA.
Há muitas formas legais e ilegais de obter tarifas mais baixas e evitar totalmente as tarifas. Por exemplo, enviar um produto para o Canadá ou México e depois reenviar para os EUA sem que seja notado.
É por isso que diz que as tarifas não causam inflação?
É uma das razões principais. A inflação não vem de muitas coisas que as pessoas pensam. Não vem dos gastos governamentais ou impostos. Como disse Milton Friedman, vem de demasiado dinheiro a perseguir poucos bens. Vem do excesso de criação monetária pelos bancos centrais. Se impusermos tarifas sobre coisas com procura inelástica, as pessoas têm de comprá-las a preço mais alto, deixando-lhes menos para gastar em coisas com procura elástica. Onde a substituição é fácil, os preços baixam. Assim, alguns preços sobem, outros descem, não alterando a média.
É por isso que a inflação só surge quando os bancos centrais aumentam a quantidade de moeda na economia, como se viu no surto de 2021-2022 após o “balde” monetário de 20%–30% em resposta à covid, num momento em que o PIB encolheu com os confinamentos – depois veio a luta contra a inflação com subidas de juros a partir de 2022, mas a política monetária não visa fazer preços descer, apenas travar novas subidas do nível de preços.
Para baixar mesmo o nível de preços seria preciso encolher a quantidade de moeda, o que gera deflação e desencadeia o padrão perigoso de adiar compras à espera de preços mais baixos, abrindo uma espiral descendente e um recuo económico maior.
Em mercados, o que tipicamente funciona é identificar onde o medo ou a euforia estão desalinhados com a história e com os dados, porque é aí que surgem as oportunidades para contrariar a multidão.
As economias europeias e americanas estão perante o risco de uma deflação?
Não, de todo. O crescimento da quantidade de dinheiro nos EUA, Japão, Inglaterra está entre 3% e 6% ao ano. Com alguns pontos percentuais de crescimento do PIB, isso é consistente com inflação de 2% a 4% ao ano. A realidade é que os bancos centrais estão um pouco nervosos porque, de um lado, querem finalizar a Guerra contra a inflação, mas também têm medo de que as coisas caminhem para outro lado e acabem por gerar uma recessão económica.
Os bancos centrais, particularmente o Banco Central Europeu mas sobretudo a Reserva Federal dos EUA (Fed), têm mostrado relutância em irem mais longe na política de cortes das taxas de juro, preferindo manterem-se numa posição de “esperar para ver”.
Os bancos centrais não conseguem controlar a economia com palpites sobre o efeito de pequenos ajustes nas taxas de juro de curto prazo, e o enfoque sensato seria adotar uma regra simples de crescimento estável da quantidade de moeda, alinhada com o crescimento do PIB esperado mais a inflação desejada, em vez de afinações discricionárias de curto prazo. Ainda assim, essa disciplina raramente é seguida, porque, como dizia Milton Friedman, quando se dão “brinquedos” aos banqueiros centrais, eles vão querer usá‑los, mantendo a tentação de intervir caso a caso.
A variável que realmente move a economia não é tanto o preço do dinheiro, mas a sua disponibilidade efetiva para quem depende do financiamento bancário. Para um mutuário típico, uma variação de 25–50 pontos base não deveria ditar a decisão de obter ou não um financiamento. O que decide é conseguir (ou não) o crédito, porque quando a oferta monetária é ampla “qualquer tolo” se financia, e quando fecha é como estar no deserto sem água, e quem sofre primeiro quando o crédito aperta são os agentes mais dependentes da banca. Os gigantes de alta qualidade mantêm acesso a crédito, mas as pequenas empresas de “valor” são normalmente as primeiras a ser cortadas quando os gestores de risco são instruídos a reduzir a exposição.
Mais do que o nível da taxa diretora, é este canal de disponibilidade de crédito que comanda a expansão e a retração empresarial, definindo quem pode investir e crescer e quem tem de encolher. Assim, num enquadramento de prudência de “esperar para ver”, o que realmente importa monitorizar são métricas de concessão de crédito, padrões de aprovação e evolução dos empréstimos, não cada mexida marginal na taxa de curto prazo.

“Não há base racional para fazer previsões de longo prazo”
As previsões de longo prazo continuam a seduzir investidores e analistas, mas Ken Fisher avisa que não passam de uma ilusão perigosa, criticando a insistência em procurar fórmulas deterministas em avaliação de ativos. O que realmente faz a diferença, defende o lendário investidor, é saber identificar fatores relevantes que estão a ser ignorados pelo consenso, explorando o desalinhamento entre medo, euforia e recorrer a dados históricos como fonte de oportunidade.
Apesar do ceticismo em relação a projeções de longo alcance, Fisher mantém a convicção do papel inigualável das ações na construção de riqueza. O mercado acionista, observa, é o reflexo de tudo o que nasce da mente humana para melhorar a vida das pessoas, agregando sucessos, fracassos e inovação. É por isso que, mesmo em ciclos de crise, continua a ser o ativo mais poderoso para acumular património e garantir um complemento sólido para a reforma, diz.
No seu livro “As Únicas Três Perguntas Que Ainda Importam“, a primeira pergunta que faz é “O que acredito que é falso?” Que crença mais comum entre os investidores é falsa?
As pessoas simplesmente não conseguem superar a ideia de que as avaliações estão descontadas da direção do mercado. Nesse livro, mostro dados que demonstram claramente que, em períodos de um, três e cinco anos, as avaliações não dizem nada sobre a direção do mercado.
Temos um longo historial de preços das ações e valorizações. É fácil olhar para o nível de preços de um índice no início do ano, a sua valorização, e saber qual foi o retorno 12 meses depois. Quando faço isso para todos os anos, descobrimos que têm exatamente o mesmo número onde o mercado se sai bem versus mal.
Então o que importa na escolha de ações? Que indicadores devem ser usados pelos investidores para avaliar a abertura de uma posição numa empresa?
A coisa mais importante é ver o que está a acontecer que é importante, para o bem ou para mal, mas a que ninguém presta atenção.
Isso significa saber identificar os chamados “Cisnes Negros”?
Os cisnes negros referem-se apenas a acontecimentos negativos e por definição acontecem uma vez a cada 100 anos. Procurar algo que acontece uma vez a cada 100 anos é uma tarefa tola.
Mas a crise do subprime, a crise da dívida europeia e a pandemia Covid-19 ocorreram todas num espaço de menos de 20 anos.
Então o meu raciocínio está correto. A queda bolsista durante a Covid-19 foi breve — durou cerca de três semanas –, o que é uma exceção que confirma a regra, pela qual a abordagem eficaz é procurar fatores relevantes, positivos ou negativos, que estejam a ser ignorados pelo consenso em vez de reagir a ruído momentâneo.
Em mercados, o que tipicamente funciona é identificar onde o medo ou a euforia estão desalinhados com a história e com os dados, porque é aí que surgem as oportunidades para contrariar a multidão com base em evidência e probabilidades, não em palpites.
As ações ainda são o melhor ativo para construir um complemento de reforma porque são o único instrumento que tira vantagem de todas as coisas que vêm da mente humana ao longo do tempo e que melhoram a vida material dos humanos.
É isso que encontra, por exemplo, na relação das taxas de juro com as ações?
Sim. Um equívoco recorrente é assumir que a subida das taxas de juro de longo prazo é, por si, baixista para as ações. A evidência histórica mostra que não existe esse determinismo, e muitos analistas nem distinguem corretamente entre taxas curtas (influenciadas pelos bancos centrais) e taxas longas (definidas pelo mercado), confundindo canais e horizontes temporais.
O exercício útil é simples: observar movimentos das taxas longas ao longo de mais de 100 anos e verificar quantas vezes coincidiram com subidas ou descidas das ações, em vez de aceitar o pressuposto de causalidade automática — uma disciplina que ajuda a focar no que é significativo e pouco observado, e a ignorar o que é apenas barulho.
Em outro dos vários livros que escreveu, no “Plan your Prosperity“, argumenta contra o “mito dos 10%”, que passa pela assunção de que as ações no longo prazo rendem 10% por ano. Que expectativas realistas devem ter os investidores para os próximos anos?
Nunca faço previsões de longo prazo. Acredito que o mercado está a descontar aproximadamente 3 a 30 meses no futuro. No longo prazo, são as mudanças na oferta que controlam os preços. Ninguém sabe como prever mudanças na oferta, não há base racional para fazer previsões de longo prazo.
Olhe para Robert Shiller, que usou o rácio CAPE para fazer previsões de 10 anos desde os anos 90 e enganou-se sempre. Durante todo o tempo disse que devíamos ter retornos abaixo da média, quando tivemos retornos acima da média.
Mas mesmo sem fazer projeções de longo prazo, ainda acredita que, no longo prazo, as ações são o melhor ativo para se construir um complemento de reforma?
Sim. As ações ainda são o melhor ativo para construir um complemento de reforma porque são o único instrumento que tira vantagem de todas as coisas que vêm da mente humana ao longo do tempo e que melhoram a vida material dos humanos.
O mercado de ações mundial é a coleção de todas as atividades económicas que saem da mente humana para melhorar as coisas para as pessoas. É certo que algumas empresas falham, outras têm sucesso, e pelo caminho surgem novas empresas. Mas todas as coisas que podem ser pensadas na mente de alguém e que acabam por melhorar a vida acabam refletidas e agregadas muito bem através do mercado acionista.
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“Ações são o melhor ativo para construir um complemento de reforma”
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