A presença de Portugal no euro, a reestruturação da dívida pública e as ameaças à Europa da liberdade são o tema desta conversa com Adolfo Mesquita Nunes.
Portugal não pode querer renegociar a dívida quando a dívida está de novo a crescer e as políticas que são seguidas transmitem a mensagem de que a dívida é um “detalhe”. A perspetiva de Adolfo Mesquita Nunes que aqui nos fala nos desafios que enfrenta o projeto europeu.
É preciso ser radical na defesa das liberdades, a característica fundamental da Europa, como resposta aos populismos que defendem sociedades fechadas. Depois de uma era de prosperidade marcada pela tecnocracia “estamos a precisar de líderes outra vez, que sejam radicais na defesa da liberdade”, a via que Mesquita Nunes vê como capaz de mobilizar os mais jovens para quem falar de fronteiras ou de ausência de Erasmus nada diz. Mais Europa, em construção institucional, não é a solução.
Ao longo desta conversa é clara a preocupação de Adolfo Mesquita Nunes com as ameaças que vivemos às sociedades abertas e livres. A Europa tem de mostrar que é o sitio onde se pode falhar com menos riscos e ser aquilo que se quer.
Portugal deveria equacionar a hipótese de sair do euro?
Uma saída de Portugal do euro, dessa maneira, por incapacidade nossa, desordenada, expulsos, teria consequências muito negativas. O euro tem-nos protegido de muitas políticas erradas. Já imaginou o que seria um Governo PS, BE e PCP com possibilidade de emitir moeda? O que era um governo que considera que não há limites orçamentais e que os EBITDAs são meros números que atrapalham a vida? Sendo muito crítico do processo que nos conduziu à moeda única, teria sido um erro Portugal não entrar. Hoje seria um erro maior sairmos. Uma saída dessas, por escolha própria e não uma evolução da Europa para um outro tipo de soluções que teria de ser pensado. O que não significa que a moeda única não traga os seus problemas.
Corremos o risco de ser expulsos do Euro?
A Europa vive um tempo bastante desafiante e determinante. Porque vivemos uma conjuntura global que nos parece estar a encaminhar para fins de ciclos, para começos de uma nova era. O que me seduz na Europa é tê-la como um projeto de liberdades. Foi assim que ela começou. Liberdades de circulação e para permitir trocas, parcerias, para ganhar escala, concorrência e competitividade. A partir de um determinado momento, – penso que presidência da Comissão de Jacques Delors marca essa viragem -, a Europa passou a ser um projeto político e não tanto de liberdades. Um projeto com uma moeda, com um governo e assumidamente irreversível. E conduziu-nos a uma circunstância, a de se terem esquecido que a Europa é composta por nações muito diferentes, com culturas diferentes, com economias diferentes, com interesses diferentes, muitas vezes confluentes, mas muitas vezes divergentes. E num momento de crise, como aquele que passamos, é natural que essa circunstância seja mais visível. Com democracias plenas, onde há transparência de informação, não vejo como podemos fazer construções europeias para a frente que não passe por, primeiro, ter os eleitorados dos principais países de acordo com aquilo que estamos a construir.
O projeto europeu tem de mobilizar. Para mobilizar as pessoas temos de voltar ao tempo da Europa das liberdades: menos regulamentação, mais aberta ao exterior, mais aberta à concorrência e mais preocupada com a criação de competitividade do mundo global do que apenas com sobrevivência das suas instituições.
Temos duas hipóteses: ou continuamos a achar que é possível uma Europa mais livre, mais justa e mais solidária, mais Europa, melhor Europa, que é a conversa do costume e que todos os europeus, que vão votar nas suas eleições nacionais, estão de acordo com isso. E nesse caso é possível continuar a avançar cada vez mais depressa. Ou então aprendemos, com humildade, que no momento em que vivemos os interesses dos vários países e dos vários eleitorados aconselham a que pelo menos paremos um pouco e voltemos a mobilizar as pessoas para a Europa. Em vez de fazer uma fuga para a frente a construir melhor arquitetura institucional, maior centralização em Bruxelas.
Não estou a dizer que o projeto tem de parar. O que estou a dizer é que o projeto europeu tem de mobilizar. Para mobilizar as pessoas temos de voltar ao tempo da Europa das liberdades: menos regulamentação, mais aberta ao exterior, mais aberta à concorrência e mais preocupada com a criação de competitividade do mundo global do que apenas com sobrevivência das suas instituições. Aquilo que, do meu ponto de vista pessoal, é o aconselhável é que a Europa reflita e não queira fazer uma fuga para a frente.
A propósito do Brexit, impressionou-me ouvir: “bom então que saiam rápido e depressa e os outros países aprendam a lição”. Se eu fosse votante do “Remain”, depois de ter ouvido essas declarações de responsáveis europeus ter-me-ia virado para o lado e dito: afinal os do Brexit tinham razão, porque eles não querem saber de nós para nada. É um projeto meramente institucional.
A propósito do Brexit, impressionou-me ouvir: “bom então que saiam rápido e depressa e os outros países aprendam a lição”. Se eu fosse votante do “Remain”, depois de ter ouvido essas declarações de responsáveis europeus ter-me-ia virado para o lado e dito: afinal os do Brexit tinham razão, porque eles não querem saber de nós para nada. É um projeto meramente institucional. Não podemos achar que a saída do Reino Unido tem que ser rápida e má o suficiente para que os outros ouçam, porque estamos a falar de milhões de pessoas, que vivem ali e que são nossos parceiros.
Considera que a Europa tem que parar para conquistar os cidadãos para a Europa?
Mais do que isso. Parece-me uma ilusão pensar que é possível ter os eleitorados, tal qual eles estão, de acordo com os passos de intensificação da institucionalização europeia. Já agora deixe-me chamar a atenção para a hipocrisia de governos que culpam Bruxelas por tudo e por nada. Chegam aos parlamentos nacionais e tudo o que é bom foi o Governo que conseguiu e o que é mau foi Bruxelas que não deixou. Este Governo tem, às vezes, comentários desses. Não sei que espírito europeu se pode criar, quando os portugueses são educados para pensar que tudo aquilo que é mau – limitações, impostos – vem da Europa e que tudo o que é bom foi conseguido à custa….
Mas isso sempre foi assim…
…A hipocrisia dos governos e de todas as cores. Aquilo que falta é o que os populistas têm: é um discurso mobilizador. Por muito que o discurso seja abjeto, por muito que o discurso nos custe é um discurso que mobiliza as pessoas, lhes oferece uma solução, lhes oferece uma esperança. Depois de termos vivido décadas com líderes tecnocráticos, – porque era também isso que os eleitores queriam e pediam, porque vivíamos tempos de acalmia, e não precisávamos de líderes – hoje precisamos de líderes. Gosto muito de citar a Agostina a este propósito: um governante muito empenhado na felicidade humana causa muito mais estrago do que 200 governantes que não estão nada empenhados. Estamos a precisar de líderes outra vez. O discurso sensato e moderado tem de encontrar líderes que mobilizem as pessoas, que sejam radicais na defesa da liberdade.
Aquilo que falta é o que os populistas têm: um discurso mobilizador. Por muito que o discurso seja abjeto, por muito que o discurso nos custe, é um discurso que mobiliza as pessoas, lhes oferece uma solução, lhes oferece uma esperança.
O que está a dizer é que estamos a precisar de mais política e menos tecnocracia?
Só não subscrevo essa frase porque ela é normalmente dita por aqueles para quem os números e economia não interessam nada e o que interessa é ter os políticos a dizer que “eu agora prefiro fazer a obra aqui, ou ali”. Eu não acredito nisso. Porque essa conversa é muito de quem acha que o político pode tudo, e que basta um decreto-lei e tudo muda. Só não a subscrevo porque tenho medo de ser treslido. Porque literalmente é isso mesmo. Estamos a precisar de líderes que mobilizem os europeus para um projeto europeu. Mas essa mobilização não se faz dizendo “mais Europa e melhor Europa, de todos os povos, todos juntos e todos unidos”. Isso neste momento não diz nada às pessoas. Tem de ser com valores concretos. Costumamos dizer que a geração baixo da minha – eu tenho 39 anos – nem sequer sonham o que era ter fronteiras, não ter Erasmus. Essa geração não sonha, nem nunca vai sonhar. Nós nunca vamos conseguir incutir-lhes uma experiência que nunca tiveram. Portanto ou encontramos algo mais para as mobilizar ou a mera conversa de que antes havia fronteiras, antes não havia Erasmus, antes não se podia viajar não lhes vai dizer nada.
Mas a questão é: o que vamos dizer?
Levar-nos-ia para uma conversa filosófica. Mas o que lhe disse sobre qual é a minha visão de País, é aquilo que eu acho que estamos a precisar. É de provar que aqui na Europa é o melhor sítio para a pessoa subir na vida. Na Europa é o melhor sítio para se tentar e para se falhar. E que na Europa é o melhor sítio para, falhando, ter apoio, porque o risco é partilhado por todos nós. Mas que se conseguir singrar isso não é visto como uma ameaça. Que aqui é o sítio onde podemos viver os nossos projetos de vida e de felicidade. Os europeus precisam de perceber isto. Se quiser, se fosse possível, bastaria termos um mês sem Europa. Se calhar percebíamos todos a falta que a Europa nos faz.
Está a sugerir isso: um mês sem Europa?
Não me parece fácil de fazer. E como não é fácil, temos que ir pelo caminho mais difícil. Mas que é um caminho mais verdadeiro, que é de facto mobilizar as pessoas. É isso que nos tem faltado.
Voltando a Portugal, uma das medidas que a Europa podia fazer para mobilizar sobretudo os países do Sul e a opinião pública do Sul era aliviá-los do peso da dívida. Concorda?
Uma renegociação da dívida tem vários cambiantes. O Governo anterior, e este também, vão renegociando constantemente as condições da sua dívida e vão melhorando. E tomam opções nesse sentido. É também preciso desmistificar a ideia de que os governos, sobretudo o anterior, estava confortável com a dívida que tinha, que não se importava de ter aquelas condições e aqueles juros.
Estamos a precisar de líderes que mobilizem os europeus para um projecto europeu. Mas essa mobilização não se faz dizendo “mais Europa e melhor Europa, de todos os povos, todos juntos e todos unidos”. Isso neste momento não diz nada às pessoas.
O que não me parece fazer sentido é renegociar dívida num contexto isolado e sobretudo num contexto em que a dívida voltou a aumentar. O Governo anterior, depois de muito esforço, conseguiu, em primeiro lugar, travar o ritmo de crescimento da dívida e depois pô-la a descer. Aí podíamos começar a pensar em ter algum conforto, autoridade, para podermos iniciar um debate sobre isso. Nós neste momento já temos a dívida a subir outra vez.
Mas sabemos que é por causa do Banif?
Não é só por causa do Banif. Para haver qualquer tipo de renegociação, é necessário que se perceba que as políticas que levam ao endividamento são más. Não estou certo de que nós estejamos a dar as provas certas de que percebemos que as políticas que geram muito endividamento são más. Não podemos ter um debate sobre renegociações de dívida, num momento em que aquilo que parece que estamos a demonstrar, é que a dívida só é um problema numérico. Que as políticas que levam à dívida são um mero detalhe, quando não são.
Precisamos de criar confiança nos credores, é isso que está a dizer?
Precisamos de criar confiança em todos. E a criação de confiança é um trabalho contínuo, demora tempo, não se consegue em dois, três anos. É um esforço em que devíamos estar empenhados. Muitas das vezes quase que parece, quando se diz uma coisa destas, que estamos mais preocupados com os credores do que estamos connosco, mas isso não é verdade. O desejo firme de criarmos confiança nos credores é para nós respirarmos de alívio, é para nós termos uma vida melhor. Aquilo que eu digo muitas vezes é que nós não podemos confiar em quem nos vai colocar nesta mesma circunstância de endividamento, ao virar da esquina. Aquilo que temos que dizer aos nossos credores é “sim senhor”, por motivos vários, uns por responsabilidade nossa, outros por responsabilidade da situação internacional, chegamos a um ponto em que era mais favorável para nós termos melhores condições. E conseguimos demonstrar, com compromissos que assumimos para o futuro, relativamente àquilo que foi feito no passado, que estamos a trabalhar no sentido de não voltar a cair num ciclo vicioso da dívida. Às tantas é como dizer que para curar a ressaca, bebe mais um copinho que é para ver se não sentes o efeito.
Essa crise das sociedades abertas, em nome de uma sociedade mais fechada, preocupa-me, pelo menos a mim, que defendo sociedades abertas e que defendo o valor da liberdade. Por isso temos que mobilizar as pessoas para o valor da liberdade.
Face a tudo o que disse, nós, em Portugal, devíamo-nos preparar para uma mudança na Europa como a que conhecemos? No sentido em que a Europa pode mudar muito, nós sabemos isso, e nós deveríamos preparar-nos já para isso? Como?
Escrevi há uns tempos um artigo chamado “A Crise das Sociedades Abertas”. Vivemos, de facto, em crise das sociedades abertas. O que eu quero dizer por ‘sociedades abertas’ é a sociedade onde aceitamos o outro, aceitamos a diferença, aceitamos a inovação, aceitamos a concorrência do estrangeiro, do nosso vizinho. E os populismos que têm surgido na Europa, sendo eles muito diferentes entre si porque uns são de esquerda e outros de direita, têm todos uma raiz em comum: desconfiam todos de uma sociedade aberta. Uns porque desconfiam de trabalhadores estrangeiros, outros porque desconfiam de empresas estrangeiras; uns porque desconfiam de vizinhos que roubam empregos, outros porque desconfiam de novos modelos de negócio que vêm desafiar os velhos modelos de negócio. Em comum, têm essa ideia de que a sociedade deve ser fechada, que devemos rasgar acordos internacionais, que o livre comércio é mau, que a globalização é má. E ouve isto tanto do Sr. Tsipras como ouve da Sra. Le Pen, ouve tanto isto no Bloco de Esquerda como ouve isto na extrema direita. Essa crise das sociedades abertas, em nome de uma sociedade mais fechada, preocupa-me, pelo menos a mim, que defendo sociedades abertas e que defendo o valor da liberdade. Por isso temos que mobilizar as pessoas para o valor da liberdade.
O que é que pensa que nós em Portugal poderíamos fazer, antes de refletirmos um pouco mais sobre esse tema dos riscos das sociedades se fecharem, como é que nos poderíamos prevenir, quer da hipótese da Europa como a conhecemos mudar, quer desse risco de uma sociedade mais fechada?
É não deixar, pelo menos em Portugal, que se cristalize esta ideia de que a União Europeia e a abertura das fronteiras foram algo mau, que só perdemos em vez de ganhar, que não temos nada a ganhar com a concorrência, que não temos nada a ganhar com a possibilidade de outras empresas virem desafiar as empresas existentes, que não temos nada a ganhar com novos modelos de negócio. É não deixar que se cristalize a ideia de que, perante uma mudança temos que ir ver primeiro aquilo que perdemos, em vez de ir ver aquilo que ganhamos. Isto é uma perspetiva não só política, mas também cultural. Preocupa-me que as novas gerações estejam a ser educadas, ou que surjam no principio das suas vidas de consciência politica, imersas numa ideia de que a Europa foi má, que a globalização é má e que o novo, o diferente e o estrangeiro, empresas ou pessoas, é algo que nos prejudica a nós e que estamos melhor isolados. Esta ideia do governo patriótico, que é muito típico agora aqui da esquerda. Quem nos havia de dizer que a palavra pátria era utilizada pelos comunistas, pelo menos com tanto fervor. Acho que este é um debate que eu não teria, se fosse partido socialista, aliado a partidos que comungam deste debate, que consideram que o empreendedorismo é uma falácia.
Não podemos ter um debate sobre renegociações de dívida, num momento em que aquilo que parece que estamos a demonstrar, é que a dívida só é um problema numérico. Que as políticas que levam à dívida são um mero detalhe quando não são.
E o empreendedorismo não é uma falácia? Não é uma forma de disfarçar a precariedade?
A precariedade não vem do empreendedorismo, vem da evolução da economia tal qual como nós a entendemos, de novas modalidades de negócio. O empreendedorismo não é outra coisa que não pedir ao Estado que nos deixe ter condições para lançar um negócio. Empreendedorismo não tem que ser uma startup tecnológica, empreendedorismo pode ser começar um café. Mas pessoas que consideram que ter uma “hamburgueria gourmet” em Lisboa é algo péssimo, porque esta a servir hambúrgueres, são pessoas que têm uma visão da economia muito diferente da minha. Não posso achar normal que pessoas que estejam a crescer para a política, tenham a ideia de que as empresas são más, de que o lucro é mau, de que subir na vida só pode ser à conta de alguém, que quem enriquece é porque empobreceu alguém. Essas teorias que, de certa maneira julgávamos arredadas, estão aí de volta e são más para a Europa. Como também são más as que vêm da direita e que, com um soberanismo que muitas das vezes é ultrapassado, desconfiam das empresas estrangeiras, e não as querem em Portugal, nem trabalhadores estrangeiros. Não é essa a minha visão de facto.
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Adolfo Mesquita Nunes: “Bastaria ter um mês sem Europa. Percebiamos a falta que faz”
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