Os empregadores avisam que as mudanças laborais que o Governo tem proposto e apoiado são uma "moeda de troca" para a aprovação do OE, mas o secretário-geral da UGT discorda. "São medidas necessárias".
Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
O Governo quer voltar a limitar a contratação a prazo, quando ainda nem colocou em causa uma das grandes medidas desenhadas, no acordo de 2018, para esse fim: a taxa de rotatividade. Em entrevista ao ECO, o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, garante que não vai desistir da concretização dessa medida e sublinha que as demais alterações laborais que têm estado em cima da mesa não são uma “moeda de troca” para a aprovação do OE. São, antes, “medidas necessárias”.
O sindicalista adianta que há duas grandes alterações defendidas, no imediato, pela sua central sindical: a reintrodução do princípio do tratamento mais favorável e o regresso das indemnizações dos despedimentos aos níveis pré-troika. Já sobre os salários, Carlos Silva afirma que é difícil, pelo menos por agora, retomar as negociações do acordo sobre rendimento que decorriam antes da pandemia.
Esta é uma de duas partes da entrevista do secretário-geral da UGT ao ECO. Na outra, o sindicalista fala sobre o salário mínimo, os impostos e as prioridades desta central sindical para o OE2022.
As confederações patronais têm dito que estão preocupadas com as “concessões laborais” que o Governo poderá fazer para ver o Orçamento aprovado. Como vê esses receios?
Não concordo com os empresários. Há uma coisa que os empresários têm dito com regularidade nestes últimos anos que é que defendem a previsibilidade e a estabilidade da legislação laboral. A UGT também, tanto que assinou acordo de 2012. Mas também não é menos verdade que há matérias na legislação laboral que já deveriam ter sido erradicadas, a partir do momento em que a austeridade foi abandonada. O Governo de António Costa já podia ter dado algum sinal de atenuação de medidas gravosas da legislação laboral, nomeadamente o valor das indemnizações por despedimento.
Passaram nove anos do acordo, estamos a discutir o Orçamento para 2022, é tempo do Governo olhar cirurgicamente para algumas matérias do Código do Trabalho e perceber que há necessidade de as modelar em função do atual enquadramento do país. O apelo que iremos fazer ao Governo e ao PS é a reintrodução do princípio do tratamento mais favorável, não prevemos mexer nas questões da caducidade, mas a matérias das indemnizações dos despedimentos causa-nos sérias preocupações.
Há matérias [na lei laboral] que carecem, neste momento, de ser alteradas, porque são fruto de um tempo que passou e que não queremos que volte.
Portanto, está a dizer que são mudanças que já eram necessárias. Não são uma moeda de troca?
Não são uma moeda de troca. São medidas necessárias. Por exemplo, o PCP e o BE queriam alterar o período [experimental] de 180 dias, que propusemos em 2018 e que assinámos no acordo. O Governo entendeu manter. Os parceiros à esquerda não gostaram, mas achamos que está bem esgrimido em termos de Código do Trabalho. Há outras matérias que carecem, neste momento, de ser alteradas, porque são fruto de um tempo que passou e que não queremos que volte. São resquícios dos tempos da troika, que queremos ultrapassar e a UGT fará essa proposta, porque tem moral para o fazer.
Sobre a agenda do trabalho digno, no seu parecer a UGT lembra que a taxa de rotatividade ainda não foi posta em prática. Temem que a taxa fique fechada na gaveta de forma definitiva?
Não tememos, porque vamos reintroduzi-la na nossa proposta reivindicativa. Não nos vamos esquecer dela. Os acordos são para se cumprir. Os acordos de Concertação Social, doa a quem doer, tiveram a rubrica do primeiro-ministro, do secretário-geral da UGT e dos presidentes das quatro confederações empresariais. E essa foi uma moeda de troca pela qual a UGT subscreveu aquele acordo.
Naturalmente, não estamos de acordo com tudo, mas não podemos ganhar só nós. Se houvesse uma parte que queria só ganhar, isso ganhava a CGTP, que nunca assina nada e, quando apresenta propostas, não sai dali. Temos de discutir com o Governo e com os patrões. Portanto, essa matéria da taxa de rotatividade é, para nós, sine qua non. Não há mais alterações à legislação, se efetivamente esta matéria não for implementada. E é implementada porquê? Não é por vontade da UGT. Os patrões querem ver se se esquecem disso. O Governo tem empurrado com a barriga para a frente, mas a verdade é que o primeiro-ministro rubricou o acordo. Subscrevemos de boa-fé e, em nome da boa-fé, acreditamos que a taxa de rotatividade será imposta.
Taxa de rotatividade é fundamental para um combate efetivo à precariedade. O que está por cumprir tem de ser cumprido.
No entender da UGT, as medidas contra a precariedade previstas na agenda do trabalho digno não vêm de alguma forma substituir ou compensar essa taxa? Não são suficientes nesse sentido?
São suplementares ou complementares àquilo que assinamos em 2018. Esta é uma matéria fundamental para um combate efetivo à precariedade. A agenda do trabalho digno vem essencialmente debruçar-se sobre a valorização dos jovens no mercado de trabalho. Uma coisa não invalida a outra. O que está por cumprir tem de ser cumprido. O que está na agenda do trabalho digno teve o parecer da UGT. Aguardemos que o Governo dê cumprimento à agenda, que é ambiciosa.
Em 2022, espera-se que o salário mínimo volte a subir, em linha com a meta Governo de o ter em 750 euros até 2023. Entende que, além dessa subida do salário mínimo, era urgente retomar o acordo sobre os rendimentos, que se discutia na Concertação Social antes da pandemia?
Os acordos sobre rendimentos são sempre uma matéria muito difícil. Envolvem patrões, Governo e muitas matérias que não são exclusivamente salariais, [nomeadamente] a fiscalidade e a proteção social. Não vemos inconveniente que possa haver uma discussão, se o Governo a quiser introduzir, sobre a política de rendimentos, ao nível da Concertação Social. Parece-me difícil no atual momento. No atual momento, toda a gente bate à porta do Estado. Aqueles que defendiam menos Estado e melhor Estado são aqueles que hoje defendem mais Estado. Querem dinheiro do Estado até porque vem aí uma bazuca financeira.
Agora, a trajetória do salário mínimo tem de continuar a subir, porque percebemos, nos últimos anos, que a negociação coletiva tem estado muito constrangida. Cada vez é mais difícil que a negociação flua, porque as empresas queixam-se de não terem condições. Aquilo que a UGT vai propor ao Governo é que se atinja para o ano os 715 euros de salário mínimo nacional. Estamos a falar de 50 euros de aumento. E em 2023, 35 euros para se atingir os 750 euros. Nos cinco anos subsequentes, a proposta que a UGT vai apresentar é que, se o aumento do salário mínimo for mais ou menos 6% ao ano, em 2028 atingiremos os mil euros.
Subir o salário médio? Se não vai pela negociação coletiva, vai pelo salário mínimo.
E essa evolução puxará, à boleia, o salário médio. É esse o vosso raciocínio?
O salário médio vai subir porque mínimo vai empurrá-lo. Mas então o salário médio vai ficar ao salário mínimo? Porventura, mas há uma coisa que tenho a certeza: É que não ficaremos na cauda da Europa, como estamos há muitos anos, em termos salariais. Se não vai pela negociação coletiva, vai pelo salário mínimo. Não temos outra alternativa, porque as empresas recusam-se a cumprir o seu papel social na dinâmica dos salários.
Costuma dizer que o Estado, como empregador, tem que dar o exemplo ao privado. Desde maio que o Governo não avança na negociação com os sindicatos sobre o sistema de avaliação de desempenho. Acha que isso pode ser um mau sinal também para o que vem aí no próximo OE para a Administração Pública?
Sei que a FESAP está a preparar reuniões de reentré com a ministra [da Administração Pública], Alexandra Leitão. Daquilo que tenho ouvido, há alguns sinais no horizonte que podem permitir algum desbloqueio mais maciço das carreiras, na Administração Pública. Essa é uma matéria onde a UGT, enquanto central sindical, não entra diretamente. Cabe aos sindicatos do setor fazer o trabalho de negociação.
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Alterações à lei laboral “não são moeda de troca, são medidas necessárias”, diz Carlos Silva
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