André de Sousa Vieira é o advogado do mês da edição de outubro da Advocatus. O sócio da Morais Leitão diz ter vindo a aperceber-se da elevada sofisticação do mercado português.
André de Sousa Vieira, novo sócio da Morais Leitão, esteve à conversa com a Advocatus e contou como está a ser a sua nova fase profissional, após nove anos ao serviço da Clifford Chance LLP. Para o advogado os bancos entrarão nesta crise talvez mais preparados no que toca a posições de capital e liquidez.
Integrou em fevereiro a equipa de sócios da Morais Leitão. Como está a ser o início desta nova fase profissional?
Com toda a sinceridade, não poderia ter sido mais bem recebido. Integrei uma equipa com um capital técnico e humano fantástico, com a qual me identifico e da qual é uma honra fazer parte. Vim com um caderno de encargos exigente: por um lado, colaboro com o departamento de bancário e financeiro, a minha área de eleição; por outro lado, assumo responsabilidades de gestão num projeto de internacionalização já com bases muito fortes. A conjuntura destes últimos seis meses tornou-o ainda mais desafiante, o que, longe de me assustar, só reforçou a minha determinação.
Qual foi o principal fator que motivou a sua saída da Clifford Chance LLP, após nove anos a serviço da mesma, e a integração da sociedade portuguesa?
Deixei o Porto há aproximadamente 20 anos com a certeza de que um dia iria regressar. Tenho uma relação muito próxima com a minha família e sempre quis voltar a estar fisicamente perto.
A Clifford Chance foi, sem dúvida, uma das aventuras mais desafiantes da minha vida. Por isso a decisão não foi, de todo, fácil. Confesso ter estado, de alguma forma, anos a preparar-me e a ganhar coragem para o fazer. Mas acredito que há momentos nas nossas vidas em que devemos “forçar a roda a parar” para ganhar a destreza necessária para fazer uma introspeção objetiva e tomar as melhores decisões. De outra forma, corremos o risco, bastante frequente na sociedade acelerada contemporânea, de ir arrastando decisões até um ponto em que o retorno será difícil. E foi o que fiz. A Clifford Chance fará sempre parte do meu “ADN”, pelo que a sentirei sempre presente. Mas continuar a minha carreira profissional na Clifford Chance significaria continuar a prescindir dessa relação de presença diária com “os meus” e isso foi, sem dúvida, o fator determinante da minha decisão.
Tenho uma relação muito próxima com a minha família e sempre quis voltar a estar fisicamente perto.
Como foi a experiência de estar inserido num dos maiores escritórios de advogados do mundo, a multinacional britânica Clifford Chance LLP?
A Clifford Chance foi a melhor escola que alguma vez poderia ter ambicionado. Cruzei-me com mentes brilhantes e sagazes que souberam, literalmente, “atirar-me aos leões” desde o primeiro dia e, em simultâneo, guiar-me em silêncio dotando-me das ferramentas – legais, organizativas, de gestão, multiculturais e pessoais – que fizeram de mim o advogado, e pessoa, que sou hoje.
Em paralelo às minhas funções no “Worldwide Projects Group” (onde tive a oportunidade de participar num leque vasto de operações financeiras internacionais com uma complexidade extremamente desafiante e motivadora – como, por exemplo, o financiamento do “Nord Stream Pipeline Project”), foram-me desde muito cedo atribuídos cargos de gestão relevantes, como a corresponsabilidade global pela prática e estratégia da Clifford Chance para Portugal e a África Lusófona, ou mesmo servir como ponto de contacto de Londres para o mercado LatAm. Estas responsabilidades adicionais permitiram-me estar envolvido na tomada de decisões estratégicas da sociedade e deram-me exposição global aos diversos escritórios da Clifford Chance. Foram experiências únicas que, naturalmente, me serão muito úteis agora ao serviço da Morais Leitão.
Sente que em estruturas empresariais de grande dimensão, como a Clifford Chance LLP, a pressão, competitividade e exigência é maior?
É uma pergunta à qual, sinceramente, não consigo responder com objetividade, dada a minha parca exposição ao mundo da advocacia portuguesa. Ainda assim, tenho vindo a aperceber-me da elevada sofisticação do mercado português, por exemplo em termos de inovação e complexidade das operações, ainda que, claro, com as devidas diferenças de escala.
Mas posso assegurar que a pressão e a competitividade eram matérias a que a Clifford Chance dava especial atenção – pela positiva. Desde sempre éramos consciencializados de que a nossa profissão, e exercê-la na Clifford Chance em particular, era muito exigente e desgastante e que só estaríamos preparados para progredir se conseguíssemos adotar rapidamente uma gestão saudável do “barómetro da pressão” – i.e., aprender a direcionar a pressão diária em benefício de concentração, criatividade e motivação e não, como muitas vezes sucede, caindo na desmotivação e frustração. No fundo, saber trabalhar eficientemente em equipa, “dirigindo a orquestra” umas vezes e deixando que nos dirigissem noutras situações, não deixando que qualquer tipo de competição (mesmo que às vezes aparentemente saudável) pudesse minar o resultado final e a qualidade do produto pretendido. Agora que penso nisso, são lições importantes para qualquer advogado, qualquer que seja o seu contexto. Aprendermos a ser resilientes e a manter uma atitude sempre positiva em momentos de pressão é crucial para qualquer advogado em qualquer escritório, independentemente da dimensão ou nacionalidade.
Tenho vindo a aperceber-me da elevada sofisticação do mercado português, por exemplo em termos de inovação e complexidade das operações, ainda que, claro, com as devidas diferenças de escala.
Qual vai ser o seu contributo para a área de bancário e financeiro da Morais Leitão?
O tempo ajudará a responder a essa pergunta de forma mais concreta. Acima de tudo, a minha ambição é poder contribuir ativamente, junto com os meus colegas, para que o departamento de bancário e financeiro da Morais Leitão não só mantenha mas reforce a sua posição de referência nos mercados lusófonos. Provavelmente, tendo em conta o meu perfil pessoal, mais do que experiência tenho realmente uma vocação internacional. E é essa mais-valia que trago, acrescentando ainda mais valor a uma equipa muito forte.
Integrou também na sociedade um projeto de internacionalização. O que nos pode desvendar sobre este projeto?
Por enquanto preferia manter algum mistério, mas posso dizer que é um projeto extremamente desafiante para o qual me sinto bastante motivado e preparado.
Ao longo dos anos tem acompanhado os mercados lusófonos. Comparando o estado atual com a realidade de há 10 anos, os mercados lusófonos evoluíram, estagnaram ou regrediram?
Creio que não podemos falar da existência de um “mercado lusófono” de per se. Cada país lusófono é uma realidade diferente. Mesmo no seio do que chamamos “África Lusófona” não se pode, por exemplo, comparar Angola a Moçambique.
No entanto, falando de forma geral, arriscaria dizer que estes mercados evoluíram, regrediram e estagnaram, havendo agora sinais de que possam brevemente vir a recuperar (alguns mercados, aliás, já começaram timidamente a aumentar o volume de operações).
Está inscrito nas ordens profissionais de Inglaterra e Países de Gales, Portugal e Espanha. Qual é o ordenamento jurídico que considera que é mais forte normativamente na área financeira e bancária? E porquê?
A lei inglesa (a par da lei de Nova Iorque) é, claramente, a lei de eleição para as operações dos mercados financeiros internacionais. Esta preferência deve-se, em particular, à quantidade de precedentes judiciais existentes e à consistência e coerência dos tribunais ingleses. Acrescenta previsibilidade ao desenvolvimento legal das transações, um fator obviamente fundamental para o investimento.
Qual será o impacto da pandemia Covid-19 no setor bancário e financeiro do país?
Diria que o impacto é ainda incerto apesar de ser certo que, desde o início da crise pandémica, o comportamento dos bancos, no que diz respeito aos mercados financeiros de dívida e de capital, é equiparável ao que adotaram após a crise de crédito de 2008.
No entanto, precisamente devido às reformas implementadas após a referida crise de 2008, os bancos entrarão nesta crise talvez melhor preparados no que toca a posições de capital e liquidez. Por outro lado, creio que as autoridades públicas também estão a atuar de forma mais rápida no apoio ao setor.
"A pandemia atual afetou dramaticamente a economia europeia, não deixando de fora a frágil economia do nosso país, que é tão dependente da europeia.”
No entanto, entendo ser inevitável que a qualidade dos ativos se irá deteriorar nos próximos meses e, em consequência, que o setor seja negativamente afetado.
Acredita que a economia portuguesa irá conseguir-se reerguer rapidamente?
Reerguer sim, mas, infelizmente, não tão rapidamente como todos gostaríamos. A pandemia atual afetou dramaticamente a economia europeia, não deixando de fora a frágil economia do nosso país, que é tão dependente da europeia. Apesar das políticas de resposta a nível nacional e europeu, espera-se uma forte recessão este ano e a recuperação, tímida, projetada para 2021 dependerá de um leque de fatores incertos, possibilidade de uma segunda vaga de Covid-19, vacina, etc.. São tempos incertos, dependentes de uma avaliação quase diária.
Quais são as suas perspetivas profissionais para daqui a 20 anos?
Confesso não ser uma pessoa de pensar num futuro tão longínquo. Mas para não fugir à pergunta, diria que espero continuar a ter a oportunidade de estar no excelente projeto que a Morais Leitão representa. Mais velho, com toda a certeza, mas com a mesma determinação.
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