• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva e Paula Nunes

Bagão Félix: PCP e Bloco estão a engolir “sapos do tamanho de um elefante”

Em entrevista, o ex-ministro reconhece que a atual solução governativa surpreende "pela estabilidade". Bagão Félix defende menos deduções à coleta e mais proteção social.

O antigo ministro das Finanças entende que a “despesa fiscal nem sempre se justifica do lado dos impostos” e defende por isso uma transferência para os sistemas de proteção social.

Em entrevista ao ECO, Bagão Félix também diz acreditar que as crises são um momento de discernimento e, nesse aspeto, admite que “as forças políticas em Portugal melhoraram”. O ex-governante reconhece que a atual solução governativa surpreende “pela estabilidade”, ainda que os partidos mais à esquerda tenham de engolir “sapos do tamanho de um elefante”. Além disso, o atual modelo tem outro mérito: passam a contar 100% dos votos para a formação de governo, diz.

Bagão Félix, que também ocupou funções como ministro da Segurança Social, concorda com as regras mais apertadas no acesso à reforma antecipada. Mas não concorda com um eventual aumento das contribuições para empresas com contratos a prazo.

Começo por lhe perguntar pela notícia que marcou os últimos dias: Portugal saiu do PDE. O caminho é sustentável?

É desejavelmente sustentável. Historicamente, o nosso país várias vezes entrou em situação de recaída.

E agora, vê diferenças?

Algumas. Em primeiro lugar porque uma nova recidiva é sempre mais cara do que a anterior. Num país que tem uma dívida tão grande e está tão condicionado pelos credores, qualquer recaída é muito mais gravosa. Segundo ponto: ao contrário do que muitos pensam, se isto é uma boa notícia, também implica acrescidas exigências, de acordo com o braço preventivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental. Entre elas está uma coisa que me parece impossível: amortizar um vigésimo da dívida pública que excede os 60%. Significava amortizar em cada ano 3,5% do PIB na dívida pública, mais 4% de juros estamos a falar de 7,5%…

É incomportável?

É, não só para Portugal. Apesar de tudo tem um aspeto que devemos aproveitar enquanto país: a circunstância de algumas reformas estruturais profundas e de alguns investimentos públicos produtivos poderem não contar para efeitos do cálculo do défice de acordo com as regras europeias.

Em conclusão, é um facto positivo, não é surpreendente, não devemos embandeirar em arco e devemos agradecer sobretudo aos portugueses. Em pouco anos descemos de 11% do défice para 2%, o que é notável do ponto de vista do esforço, e até passa por dois governos distintos. Evidentemente que para se ter resultados também é preciso ter sorte, da conjuntura internacional, da qual dependemos muito, do preço do petróleo, dos estabilizadores automáticos, etc. Há só um ou dois pontos que têm sido menos considerados: um, a circunstância de cada vez a melhoria ser mais difícil.

A partir de agora?

Sim. Saímos do PDE mas não saímos dos défices. Basta estar em défice para aumentar a dívida, em princípio, até porque não temos muitos mais ativos para vender. Défice implica acréscimo de dívida. Passar o défice de 4% para 3% significa um esforço de 25%; passar de 2% para 1% dá 50% de taxa de esforço. A taxa de esforço é acrescida.

Chegámos a um ponto em que não é possível ir mais longe?

É possível, sobretudo com crescimento. Tem de ser sustentável. Reduzir mais é mais difícil porque a taxa de esforço é maior, há cada vez menos margem do lado da receita e da despesa — alguns serviços públicos já estão em grande vulnerabilidade. Depois, os juros da dívida pública estão a reduzir-se mas é uma variável relativamente rígida, e eu vejo medidas de reversão… Do lado da receita, é bom que os impostos não aumentem, a não ser por fator de crescimento.

Tenho plena consciência de que parte dos resultados resulta de um emagrecimento e uma austeridade prévios. Também tenho plena consciência de que alguns sacrifícios que foram pedidos aos portugueses foram excessivos e a partir de determinado ponto, estéreis.

Bagão Félix

Ex-ministro das Finanças

E como podem os governos influenciar o crescimento?

Boa questão. O crescimento faz parte da politics mas raramente faz parte das policies. Toda a gente discute a sua responsabilidade, sobretudo quando o crescimento é positivo…

E medidas específicas…

O Ministério da Economia funciona sobretudo como estimulador do lado de alguns fundos europeus, de algumas medidas que não estão propriamente no Ministério mas na administração do Estado: na área da burocracia, legislação laboral, administração da justiça… São fatores que potenciam, a prazo pelo menos, e estrategicamente, crescimento. Mas o crescimento conjunturalmente é cada vez menos modelizado, ou transformado em modelo. Por isso é que os economistas falham muito… O primeiro mérito do crescimento, do lado dos governos, é não estragar o crescimento. A maior parte dos fatores de crescimento foi exportações — e os empresários não exportam porque os governos mandam, é porque têm oportunidade e os mercados permitem –, o turismo — há todas as razões para um boom turístico — houve alguma devolução de rendimentos…

Que ajudou?

Ajudou, mas repare: em 2015, o rendimento por agregado aumentou cerca de 5%. E gerou-se — e isso é um fator que me parece mais importante — uma ideia de alguma confiança. As pessoas já não veem televisão com medo de mais um corte nas pensões, nos salários, do aumento do desemprego. As más notícias auto alimentam-se e as boas também. Estamos nessa fase positiva.

Quer isto dizer que reversão de políticas foi positiva?

Há aqui um ponto interessante. O Governo tem estes resultados pelas variáveis que esperava não ter. Esperava pela variável do consumo privado e do investimento. E não tanto do lado das exportações. Ou seja, onde deu menos resultado é onde apostava mais. O que não tem mal nenhum, não são normas a régua e esquadro. Os resultados são bons e ainda bem, agora é preciso sustentá-los.

Há outro aspeto em que é preciso cuidado com a análise de resultados: os 2,8% face ao primeiro trimestre de 2016 resultaram de esse trimestre ter sido relativamente fraco. O que é importante é que partimos de bases muito inferiores. Há dois anos estávamos com PIB, em termos reais, igual ao de 2000 ou 2001, agora é 2005 ou 2006. Estamos melhor, a recuperar, mas atenção…

Partimos de uma base inferior, mas o caminho deste Governo resultou?

Muito honestamente não sei responder à sua pergunta. Tenho plena consciência de que parte dos resultados resulta de um emagrecimento e uma austeridade prévios. Também tenho plena consciência de que alguns sacrifícios que foram pedidos aos portugueses foram excessivos e a partir de determinado ponto, estéreis. Agora, que relação devo estabelecer entre as duas componentes…

Não conseguimos descobrir que governo teve mais mérito?

Nem me interessa, deve ser partilhado por ambos. O anterior governo partiu de uma base de défice de 11%, que é uma coisa absolutamente louca. Também teve de conviver com duas coisas: uma convicção muito grande da ideia de austeridade como um fator de futuro desenvolvimento, mas talvez excessiva, e com muitos erros das instâncias internacionais que nos ajudaram. O FMI ainda é pior que os economista todos do mundo juntos, está constantemente a errar…

Acho que os próprios governantes, incluindo os da oposição, não devem andar obcecados constantemente com a chuva de previsões que todos os dias caem. É tudo descartável, não podemos andar nessa ansiedade… Ou é passa culpas ou é distribuição de dividendos… Acabamos por ter fatores divisores e o que o país menos precisa é isso. Uma das coisas positivas na atual conjuntura é alguma ideia de confiança e estabilidade.

Podemos estar a caminho do Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos (PDM)?

Nas entrelinhas da Comissão percebe-se essa ameaça.

O risco é real?

Se continuarmos a ter alguma sorte… O país é de economia completamente aberta. Nos últimos 6, 7, 8 anos passamos de uma componente de exportações de 26 ou 27% do PIB para mais de 40%… Tivemos sorte e estamos a diversificar estrutura produtiva. Continuamos a ter um problema sério, da banca, mas se houver crescimento económico e maior capacidade de realização de pagamentos também fica, pelo menos, mais adormecido. As crises são um momento de discernimento.

O FMI ainda é pior que os economista todos do mundo juntos, está constantemente a errar…

Bagão Félix

Ex-ministro das Finanças

De parar e pensar?

Exatamente. Estamos mais lúcidos para perceber o que é essencial e o que é acessório. E nesse aspeto acho que as forças políticas em Portugal melhoraram. Mesmo eu, que sempre me revelei contra esta solução governativa, tenho que reconhecer que ela teve méritos: uma é surpreender pela estabilidade, embora com “sapos” do tamanho de um elefante a serem engolidos pelos partidos mais à esquerda. A política é a arte do compromisso, não do consenso.

Achava que não iam engolir esses “sapos”?

Sim. Por outro lado, e isso vê-se desde o princípio mas agora de maneira mais clara, contam 100% dos votos para a formação de governos. Até agora, só contavam 80%, ou seja, era difícil haver maiorias porque os votos à esquerda do PS eram votos de convicção, mas perdidos para a estabilidade governativa. Deixou de ser assim. Se o CDS for inteligente, é bom para o CDS na medida em que o voto útil deixou de ter a importância que tinha anteriormente.

Aquela ideia de que a eleição geral era também a eleição do Primeiro-Ministro deixou de ser. Se fosse a eleição do Primeiro-Ministro, era Passos Coelho o primeiro-ministro. O voto é útil para quem o recebe, não necessariamente para quem o dá. Vou dar exemplos de direita e esquerda: agora as pessoas podem votar no BE ou CDS sabendo que o seu voto pode contar tanto como o mainstream, o PS e o PSD, o tal bloco central.

Acabou por dar mais relevância aos partidos?

A todos. Independentemente da posição política de cada um e do seu voto, exprime maior respeito pela vontade do eleitorado em toda a sua globalidade.

Acha que o Governo cede muito aos seus parceiros de coligação?

Acho que o primeiro-ministro, sobretudo ele, foi bastante hábil na sua relação com os parceiros… Não embrulhou o problema, foi claro nessa perspetiva, e agora estamos a chegar ao ponto mais delicado. Uma vez terminadas as medidas de reversão, que são as simpáticas — vencimentos, precários, CES, sobretaxa — começa a vir ao de cima as questões de fundo, da divergência — o contexto da União Europeia, os próprios escalões de IRS, em que o primeiro-ministro está a ser mais prudente… Direi que está a funcionar bem, até surpreendentemente nalguns casos, mas cada vez é mais difícil — é como o défice. À medida que se vão resolvendo os problemas de retificação e de reposição de algumas situações anteriores…

É que se percebem os verdadeiros entendimentos?

Sim, mas a marcação de partida é tão grande que aguentam-se.

Quais são para si as reformas estruturais mais urgentes?

Não direi mais urgente, mas a mais importante é a reforma fiscal. Uma reforma que tenha um compromisso nacional o mais alargado possível para deixarmos de ter uma política fiscal completamente errática, que muda quando muda o governo, às vezes dentro do mesmo governo quando muda o ministro das finanças. Uma das bases de confiança do investidor ou do aforrador, ou da confiança das famílias, tem a ver com a estabilidade das regras.

Há um caso que me custou muito aceitar. O anterior Governo adotou o quociente familiar e, com este Governo, em 2017 não há, com argumentos de que isso reduzia a progressividade do imposto, o que não é completamente verdade porque tinha um teto. No relatório da Autoridade Tributária, vi várias coisas: a matéria bruta coletável em IRS aumentou e a coleta reduziu-se em grande parte devido ao quociente familiar e outras deduções. E essa diminuição atingiu todos os escalões — beneficiou os mais baixos — exceto o último escalão que apanhou um aumento. Foi tomada uma medida pura e simplesmente ideológica, não esperando pelos resultados práticos. Nem deixaram respirar a medida.

Devia haver o compromisso de não mexer durante um certo período?

Exatamente. Por exemplo, esta questão de repor outra vez um maior número de escalões de IRS, que é positivo… e que provavelmente vai precisar não de um ano, mas dois ou três, e aí parece-me que o primeiro-ministro é cauteloso. Que haja esse compromisso…

Em que impostos temos de mexer?

IRS, fundamental para o rendimento dos contribuintes. Em Portugal, qualquer pessoa que tenha um rendimento salarial modesto é fiscalmente rica. Há essa loucura fiscal. Mas não podemos resolver essa loucura de um momento para o outro. Com um rendimento à volta de 800 euros mensais, uma pessoa paga uma taxa marginal de IRS de 34%. Os rendimentos de capitais pagam 28%. Tudo isso tem de ser visto.

Portanto, repor os escalões…

Sim. E reduzir as deduções à coleta.

Como?

Há dois tipos de dedução à coleta. Há as deduções relativamente a despesas que não escolhemos fazer — saúde, educação e habitação. As outras, como ter um PPR, não são obrigatórias. Um pressuposto: segundo a AT, 48% dos agregados familiares não pagam IRS. O que significa que quando se faz deduções à coleta por filhos, está a deixar de fora 48% que não pagam IRS porque não têm rendimentos. A despesa fiscal nem sempre se justifica do lado dos impostos. É preferível que seja transportada com maior coerência, maior base de incidência, para os sistemas de proteção social. Por exemplo, na Segurança Social, o que temos? Abono de família. É melhor acabar com a dedução à coleta que só contempla 52% dos agregados com filhos e juntar esse dinheiro de despesa fiscal na Segurança Social, através de subsídios ou abonos, como abonos de família ou outros.

Como se faz?

Sabe-se quanto é o valor da despesa fiscal nas diferentes vertentes, atribui-se à Segurança Social e é distribuído por abono de família progressivamente por escalões. Tem duas vantagens. Por exemplo, em relação ao abono: em vez de apenas beneficiar 52% dos agregados familiares, que são os que pagam IRS, beneficia tendencialmente todos.

Mas o abono está ligado aos rendimentos…

A segunda vantagem é que consegue introduzir progressividade. Os escalões mais baixos têm um abono maior, os mais altos às vezes nem têm.

A despesa fiscal nem sempre se justifica do lado dos impostos. É preferível que seja transportada com maior coerência, maior base de incidência, para os sistemas de proteção social.

Bagão Félix

Ex-ministro das Finanças

Dependendo dos rendimentos…

Porque a maior parte das deduções não se justifica no plano da despesa fiscal. A despesa fiscal, sobretudo na saúde e na educação, tem subjacente uma lógica americana. Por exemplo, se eu for ao hospital privado, que pode ter um acordo com o Estado, não é o Estado que está produzir os cuidados de saúde mas está a assegurar que, através de um acordo, beneficio de financiamento pelo menos parcial desse cuidado de saúde. O mesmo com as escolas. O Estado garante financiamento embora não produzindo o bem ou serviço. A dedução à coleta dessas despesas é normalmente das pessoas que têm essa possibilidade.

De terem a escolha…

Mas tem que reconhecer que, do ponto de vista de pura redistribuição e justiça sociais, é uma forma de beneficiar quem opta por saúde ou educação fora da produção estatal.

E como podiam ser redistribuídas as deduções na saúde?

Algum desconto na coleta pode ter a sua lógica na área dos medicamentos.

Abatendo ao preço?

Exatamente, até um determinado limite que será tanto mais baixo ou mesmo nulo consoante o escalão de rendimentos. Ainda na questão da saúde, aquilo que o Estado recebe de taxas moderadoras é uma percentagem muito pequena do custo de despesa fiscal em saúde. E portanto pode reduzir parte da despesa fiscal, até numa escala mais progressiva, para as taxas moderadoras. São só alguns exemplos.

Quando fui ministro das finanças apanhei uma pancada valente por acabar com as deduções à coleta nos PPR. Acho que o Estado não tem que orientar a liberdade das pessoas de poupar ou gastar e nos estudos feitos, das famílias que pagam IRS, só 9% é que faziam PPR e não eram as mais pobres. Acontecia que 91% das famílias, normalmente com menos capacidade de poupança, estavam a financiar a despesa fiscal com a dedução à coleta de PPR de 9%, normalmente as pessoas com mais posses. Há muito a fazer ao nível da redistribuição e até da justiça fiscal.

E noutros impostos?

No IVA, acho que foi um disparate voltar à taxa de 13% na restauração. Não vi os preços diminuir. Isto foi perda de receita que obviamente o Estado vai preencher com outros impostos. No tempo da troika passámos a eletricidade de 6% para 23%, que é um bem essencial. Se se queria fazer alguma coisa com perspetiva social fazia mais sentido na energia do que na restauração…

Além disso, há também as taxas: o valor que está inscrito no OE/17 de taxas, emolumentos, licenças, é 2.370 milhões de euros. É superior à maior parte dos impostos. Está a usar-se e a abusar-se desse expediente.

Olhando para o IVA, já defendeu a consignação de uma parte da taxa normal à Segurança Social, falando também nos artigos de luxo. E já disse que a TSU prejudica as empresas de mão-de-obra intensiva. O que podemos fazer?

Faz sentido pagar 23% sobre a luz que consumimos, tanto quanto uma joia ou um carro de alta cilindrada? Os produtos de luxo são os menos afetados pela crise, até porque muitas vezes são comprados por não residentes. O que não faz sentido é que na Europa não haja essa abertura.

Como diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social?

O que está em causa é o regime previdencial.

Portanto, financiado por contribuições…

Sim. O que aconteceu em 1995/6? Fez-se uma redução da TSU, de 35,5% sobre os salários para 34,75%, que é a atual taxa. Criou-se também uma espécie de consignação de parte do IVA a que se chamou IVA social. Acontece que esse IVA social acabou não por financiar o regime previdencial — que era o que devia acontecer na medida em que foi uma compensação para uma diminuição da TSU — mas o regime de proteção familiar e ação social. Com base nesse princípio, em vez de andarmos a pescar fontes de financiamento que são conjunturais, como uma sobretaxa sobre o IMI ou um imposto sucessório de pouca eficácia… Mais vale dizer que é a TSU e uma taxa que todos sabem qual é, é uma parte do IVA.

Não significa aumentar o IVA…

Não, longe disso. É passar o financiamento para o regime previdencial. Era repor a verdade. Tem alguma progressividade: quem paga mais, é quem mais consome e quem mais consome é quem tem mais rendimentos. E podia isentar-se os produtos de 6% e 13% de fazer essa contribuição para o IVA Social, para evitar que atingisse bens essenciais. E há ainda a questão dos artigos de luxo.

Fui secretário de Estado da Segurança Social no Governo Sá Carneiro, tinha 30 anos, e na altura já se falava lá fora sobre o Valor Acrescentado Líquido das empresas das empresas e a questão de não penalizar as empresas de mão-de-obra intensiva.

Que a esquerda retoma…

E bem. Acontece que, com a nossa estrutura empresarial tão atomizada, calcular o Valor Acrescentado Líquido das empresas na prática é uma confusão completa. É muito mais passível de evasão e planeamento fiscais e ninguém experimentou na Europa. Portugal não pode ser cobaia de estudos que há à farta mas que ninguém aplicou. Além disso, está a penalizar as empresas de tecnologia intensiva, mas precisamos de muita tecnologia intensiva.

E na questão dos produtos de luxo, a ideia era pôr os anéis de diamantes, por exemplo, a financiar pensões?

Claro, essas pessoas podem perfeitamente. Se não temos fontes alternativas de financiamento do regime previdencial, podemos ter anos de crise com défice e o Estado já teve de entrar.

Ainda entra este ano…

Casuisticamente está a financiar com impostos que atingem todos os rendimentos e todo o património. Pelo menos tem essa justiça.

Nesse sentido, porque não uma contribuição social generalizada, como existe noutros países?

É uma sugestão interessante, mas é ir pela via de impostos diretos e eu prefiro ir pelos impostos indiretos, que ainda por cima são os mais eficazes, funcionam mais como estabilizadores automáticos.

Olhando para as reformas antecipadas, que lhe parece as alterações que vêm aí, em que o Governo reduz cortes mas trava o acesso ao regime?

Concordo. Se o sistema está crescentemente em dificuldades por causa da demografia, se a idade de reforma aumenta todos os anos, não faz sentido que as reformas antecipadas continuem no modelo antigo.

Faz sentido que existam diferenças entre a Segurança Social e a função pública?

Nenhuma. Mas o Estado, na função pública, é o pagador da pensão e o patrão ao mesmo tempo. E como patrão às vezes quer aliviar o volume da função pública.

E paga menos de pensão do que salário…

Sim, mas aí funciona como gestor de pessoal e não de pensões. A Segurança Social é puramente gestora de pensões.

As alterações vão abrir o regime só para quem aos 60 anos de idade já tem 40 de descontos…

É mais exigente, mas concordo com a ideia geral de ser muito mais contido nas reformas antecipadas porque o sistema não permite essa válvula. Mas é preciso que as pessoas tenham descontado e muitas não o fizeram.

Acha então que muitos ficarão fora da possibilidade de reforma antecipada?

Isso não é ficar de fora, é não ficar de dentro — uma resposta à político. Não se trata de nenhum direito, é um benefício: por isso digo que não fica dentro.

Porque é que os governos nunca implementaram a sua ideia de reforma a tempo parcial, ainda que o tenham assumido várias vezes?

Eu tenho o projeto de diploma e os estudos feitos em 2004. Mas entretanto fui para ministro das finanças e lá ficou.

Porque é que não avança?

É um bocadinho inércia… Nunca vi grandes discrepâncias doutrinárias…

E sobre a possibilidade de aumentar as contribuições de empresas com contratos a prazo e reduzir no caso de contratos sem termo? Vê vantagens na medida?

Na legislação laboral de 2002 apanhei a pancada toda e disse aos dirigentes da CGTP que ainda os ia ver defender o meu Código do Trabalho. E assim foi várias vezes. Acho que do lado dos despedimentos já temos um sistema até em alguns aspetos exageradamente flexível.

Fala do despedimento coletivo?

Exatamente. Acho que os empresários não se podem queixar. Agora, temos de ter alguma evolução positiva na flexibilização da contratação. Esta coisa de contratar sem termo é excelente do ponto de vista teórico, mas o tempo já não está para aí virado. Se eu tivesse um filho desempregado preferia que ele tivesse um contrato temporário ou a termo.

Mas acha que hoje em dia os modelos de contratação não são flexíveis?

Temos uma legislação que já dá algumas margens de manobra através do seu uso, o problema é que se abusa. A começar pelo próprio Estado. Não pode haver exemplo mais paradigmático que o próprio legislador. Acho que rigidificar através de uma penalização pela TSU é mau. É preferível punir o abuso.

Na legislação laboral de 2002 apanhei a pancada toda e disse aos dirigentes da CGTP que ainda os ia ver defender o meu Código do Trabalho. E assim foi várias vezes.

Bagão Félix

Ex-ministro das Finanças

O salário mínimo vai continuar a aumentar, pelo menos de acordo com o programa do Governo. Houve sempre críticas das instâncias internacionais. Que ensinamentos tiramos destas subidas?

Estou confrontado com duas perspetivas: a da dignidade inerente ao trabalho humano e a das consequências sobretudo do que se diz que é um entrave à contratação das pessoas com menos qualificações. Opto pela dignidade do trabalho. Não estou a ver a economia ser prejudicada porque o salário mínimo passa de 585 para 600 euros, ou 580, 557… se uma empresa não consegue pagar essa diferença, não merece ser empresa. Ou melhor, dificilmente vai vingar. Quanto às consequências económicas de o salário mínimo ter aumentado, acho que não foram más, o emprego aumentou, o desemprego diminuiu…

Mas fruto da conjuntura ou não?

Claro. Eu não sei distinguir o que se pode deduzir do efeito do salário mínimo.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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