Universidades estão a formar alianças e a preparar primeiros cursos europeus. Em Portugal, Lusófona vai lançar licenciatura com Irlanda, Bélgica e Dinamarca, adianta professor Manuel Damásio.
Vem aí o maior transformação do ensino superior europeu desde a Declaração de Bolonha: várias instituições estão a formar alianças entre si e a criar os primeiros graus verdadeiramente transnacionais, que permitirão aos estudantes ter acesso a vários métodos pedagógicos, culturas e professores, tornando-se profissionais mais atrativos para os empregadores internacionais. A previsão é de Manuel Damásio, professor da Universidade Lusófona e coordenador de um dos projetos-piloto que vai testar estes novos graus europeus.
Em entrevista ao ECO, o professor explica o trabalho que já foi feito até aqui — salientando a celeridade com que a Comissão Europeia tem tratado desta matéria — e o que se segue, recomendando agilidade às universidades portugueses para que não percam este comboio de oportunidades.
No caso concreto da Universidade Lusófona, estão a ser preparados três graus europeus (dois mestrados e uma licenciatura), em parceria com instituições de países como Irlanda e Bélgica. E Manuel Damásio atira que esses cursos transnacionais podem também mitigar a saída de jovens altamente qualificados do país, já que permitem a circulação por outros países, mas criam um laço a Portugal.
Graus europeus representam um crescimento substancial da competitividade das instituições de ensino superior europeias a uma escala mais global.
Estão a ser dados passos para serem criados os primeiros diplomas europeus. Que impacto terão esses cursos no ensino superior? São o futuro?
São o futuro por duas razões principais. Primeiro, porque representam no espaço europeu, desde a transformação originada pela Declaração de Bolonha, o movimento mais disruptivo no sentido da criação de um espaço europeu de ensino superior. E isso representa um crescimento substancial da competitividade das instituições de ensino superior europeias a uma escala mais global. Por outro lado, são o futuro porque representam uma forma completamente diferente de conceder um grau.
Em que sentido?
No sentido em que integram obrigatoriamente num grau no ensino superior aspetos que um grau nacional não pode ter. Primeiro, a questão da mobilidade. Um grau atribuído por três instituições no espaço europeu e que é obtido pelo aluno circulando ao longo do seu percurso educativo entre essas três instituições é radicalmente diferente de um grau nacional que é obtido numa única instituição. Um segundo aspeto é aquilo que representa em termos de experiência do estudante no acesso ao conhecimento e à diversidade cultural. Um estudante que, no seu percurso educativo, trabalha integrado numa turma e com acesso a docentes, aos meios técnicos, e às experiências pedagógicas de três ou mais contextos culturais completamente diferentes tem um conjunto de experiências e competências que nunca consegue obter num grau nacional. E, depois, há um terceiro aspeto, que é a questão da validação europeia do grau. Os diplomas europeus representam claramente um salto qualitativo brutal em termos de desenvolvimento do ensino superior no espaço europeu.
Quando diz que os graus europeus vêm aumentar a competitividade das instituições de ensino, está a referir-se à concorrência face às instituições norte-americanas? Quem é o grande concorrente das instituições europeias, neste momento?
O Reino Unido e os Estados Unidos. O Reino Unido compete radicalmente por esse espaço de atração de talento à escala internacional. Hoje o ensino superior é cada vez mais internacional, no sentido em que queremos atrair talento internacional para o nosso país e para o espaço europeu. Mas também no sentido em que, cada vez mais, o próprio conjunto de competências que procuramos trabalhar junto dos estudantes deve ser encarado a uma escala que já extravasa o contexto nacional. Mas é óbvio que podemos também olhar para os graus europeus como uma ameaça.
Porquê?
Os graus europeus, e a forma como este processo foi desenvolvido de uma forma tão rápida pela Comissão Europeia, também pode gerar receios no contexto nacional. Posso pensar que passa a haver aqui uma espécie de duas divisões. Mas não parece que seja isso que está na cabeça da Comissão Europeia.
Sei que este processo começou há já alguns anos. Explique-nos o que aconteceu, em concreto, até aqui.
Este processo teve três momentos centrais. O primeiro momento correspondeu ao movimento de criação das chamadas universidades europeias. A Comissão Europeia abriu um programa de financiamento para consórcios de instituições de ensino superior que queriam colaborar entre elas sob um único chapéu. Foram sendo feitos sucessivos concursos ao longo dos anos, com o objetivo de criar 60 dessas universidades europeias. Num segundo momento, a Comissão Europeia disse que estas universidades europeias tinham de ser os pontas-de-lança do ensino superior europeu. Já em 2023, surgiu um pacote de medidas, que incluiu, nomeadamente, a criação dos graus europeus. Para preparar estas medidas, a Comissão Europeia financiou um conjunto de pequenos projetos-piloto. No caso particular da Universidade Lusófona, lideramos um desses seis pilotos que testaram o modelo do grau europeu.
A partir do próximo ano, teremos uma primeira fase na qual estas universidades europeias vão começar a fazer pilotos destes graus europeus.
E como correu?
O nosso piloto teve um enfoque muito grande naquilo que são os processos de criação e acreditação destes graus europeus a uma escala europeia, porque a Comissão Europeia entende que também tem de existir um sistema de acreditação europeia destes graus de ensino superior. Funciona acima do nível nacional e só está aberto aos graus europeus. Esse é o estágio em que estamos neste momento. A partir do próximo ano, teremos uma primeira fase na qual estas universidades europeias vão começar a fazer pilotos destes graus europeus.
Em Portugal, no caso da Universidade Lusófona, ficarão, portanto, disponíveis graus europeus?
Estamos a preparar três pilotos de graus europeus: dois mestrados e uma licenciatura.
Em que áreas?
Os mestrados já existem há cerca de uma década. Estão acreditados e funcionam como aquilo que se chama Mestrados Erasmus Mundus, que é um tipo particular de mestrado financiado pela União Europeia, que já têm esta característica internacional. Já formaram umas quantas centenas de alunos e são cursos que têm única e exclusivamente como público-alvo alunos internacionais. São cursos muito, muito competitivos. Têm aproximadamente 25 vagas e atraem 600 a 2.000 candidatos por ano. Ambos são área de cinema.
No caso dos mestrados, além de Portugal, quais são os outros dois países envolvidos nos cursos que a Lusófona está a pilotar?
Num deles, Bélgica e Lituânia. No outro, República da Irlanda e Estónia.
E a licenciatura?
É um curso completamente novo, também na área de cinema, lecionado em inglês, e que será lecionado entre Portugal, Irlanda, Bélgica e Dinamarca. Tem uma componente muito forte de integração de competências ligadas à inteligência artificial, dentro do domínio daquilo que é produção criativa e de aquilo que são áreas que vão ser brutalmente impactadas pela inteligência artificial. Queremos ter uma primeira turma a funcionar no ano letivo de 2025-2026. Portanto, no próximo ano, vamos testar e trabalhar a formação dos professores que vão trabalhar neste curso, para depois ter a primeira turma.
Tem uma previsão de quantos alunos serão abrangidos por estes graus europeus?
A União Europeia quer ter 50.000 alunos nestes graus europeus em 2030. Sabemos que já há 20.000 alunos a frequentar os mestrados Erasmus Mundus. Portanto, há já uma pool de estudantes que, à partida, será mais, mais fácil trazer para estes graus europeus. É muito importante mencionar que estas transformações têm sido excecionalmente rápidas. Este processo demorou cinco, seis anos até ao momento. Isto é também um alerta para a necessidade das instituições de ensino superior portuguesas serem ágeis. Teremos todo o interesse em conseguirmos acompanhar este processo com a maior agilidade e com a maior qualidade possível.
Como vai funcionar o financiamento destes graus?
O que está previsto é que seja dividido pelas instituições que participam, num modelo similar ao que acontece no Erasmus Mundus.
Disse que estes graus tornam as instituições europeias mais atrativas para os alunos que vêm de fora do bloco comunitário. E para os cidadãos europeus, qual é a vantagem? Acha que podem fazer desses cidadãos mais atrativos para os empregadores?
Diria que sim. Para um empregador — nomeadamente para os que atuam a uma escala internacional –, um perfil deste género torna-se obviamente muito mais interessante do que um perfil visivelmente nacional.
Os graus europeus são uma ótima oportunidade de criarmos condições para reter talentos. Embora o percurso educativo envolva uma dinâmica de mobilidade muito interessante, ele mantém uma ligação umbilical ao contexto nacional.
Fala-se muito num desencontro entre a formação que as instituições fornecem e aquilo que as empresas precisam. O facto de estes graus serem pensados por várias instituições, com realidades diferentes, pode ajudar a mitigar esse desencontro e a aproximar os graus das necessidades da economia?
Sem dúvida. Estes graus podem ter um papel muito importante no reforço da dinâmica. Ou seja, o facto de as instituições trabalharem em rede vai torná-las necessariamente mais dinâmicas, no sentido em que elas vão estar expostas a um volume muito mais diferenciado de experiências.
Por fim, falemos da emigração de jovens portugueses. Estes graus europeus não vêm escancarar ainda mais a porta para a saída destas pessoas do país?
Não me parece. Pelo contrário, é uma ótima oportunidade de criarmos condições para reter talentos. Embora o percurso educativo envolva uma dinâmica de mobilidade muito interessante, ele mantém uma ligação umbilical ao contexto nacional. Aquilo a que assistimos hoje é que deixamos o nosso talento sair, sem mantermos qualquer espécie de ligação a esse talento. Aqui temos o melhor dos dois mundos: damos-lhes a oportunidade dessa experiência exterior, mas mantemos uma ligação a um contexto nacional, garantindo assim, que temos condições de reter esse talento.
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Cursos europeus são “movimento mais disruptivo do ensino superior” desde Bolonha
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