O presidente da associação dos mediadores e corretores de seguros critica regulação, seguradoras e bancos. A falta de regulamentos decorrentes da nova lei de distribuição preocupa muito.
O primeiro salário de David Pereira, presidente da Aprose, foi 200 escudos, 1 euro, por mês. Estava-se em 1972 quando aos 15 anos entrou em A Social onde ficou 25. Em 1997, A Social seguiu o seu caminho integrando o que hoje é a Allianz e David Pereira fundou a Nobis, mediadora de seguros. A vida associativa como mediador começou com ANACS, que tinha sede em Lisboa, tornando-se presidente em 2011. Considerou que não fazia sentido existirem duas associações representativas da classe e falou com Luís Cervantes, na altura presidente da APROSE, com sede no Porto, e convenceram os membros de ambas as associações a tornarem-se em uma só. Daí a designação composta que a associação, verdadeiramente representativa de todos os corretores e mediadores, utiliza: APROSE – Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros. David Pereira foi entrevistado por ECOseguros e critica indefinições, como falta de regulamentação da nova lei de distribuição de seguros e também alguns assuntos mal definidos, como a relação de forças entre a mediação, os bancos e as seguradoras.
Diz que os bancos e os mediadores não estão em plano de igualdade. Porquê?
Os grandes e verdadeiros profissionais da atividade de mediação de seguros são os agentes singulares, são os agentes coletivos, são os corretores de seguros. Nunca entendi bem por que motivo a banca foi sempre super-protegida pelo Estado, pelo poder instituído, sempre foi protegida em detrimento dos verdadeiros profissionais desta atividade.
A diferença de oportunidades está em qualquer cliente tem a liberdade de vir a minha casa e dizer eu quero ou eu não quero. Se não gosto daquele mediador vou para outro. Se não gosto do outro vou ainda para outro.
"A banca tem atitude intimidatória, Se quiser o crédito tem que comprar cartões, comprar contas bancárias, comprar aplicações, comprar seguros, comprar… Se vai comprar um crédito tem que comprar um seguro, senão o spread dispara”
Com a banca não. É uma atitude intimidatória, se você quiser o crédito tem que comprar cartões, comprar contas bancárias, comprar aplicações, comprar seguros, comprar… Se vai comprar um crédito tem que comprar um seguro, senão o spread dispara.
A Constituição confere ao cliente o direito de escolha, mas ele está leoninamente oprimido pela necessidade que tem. Esta a grande desigualdade. O povo português conhece isto porque o povo recorre à banca para pedir crédito, para comprar a sua casa, para comprar o seu automóvel, para comprar isto, para comprar aquilo, para satisfazer as necessidades da sua vida.
Também faz uma distinção entre mediadores exclusivos e multimarcas?
Um mediador exclusivo é um empregado da seguradora, com um estatuto um pouco diferente, na verdade ele cumpre ordens da seguradora e tem de seguir as regras comerciais, as regras financeiras. São braços armados das seguradoras, é a mediação encapotada porque eles são exclusivos. Os estatutos da APROSE nem os reconhecem como mediadores. A nossa visão é sempre em prol do cliente e, enquanto mediadores, o nosso foco principal é o interesse do cliente. Para o mediador exclusivo o foco é a seguradora.
Considera que o número de mediadores é demasiado?
Já fomos 45 mil, mais do dobro do que somos atualmente. O decreto-lei 144/2006 já veio pôr ordem na casa, mas é o decreto-lei que foi aprovado em 16 de janeiro deste ano, o 7/2019, que vem legislar tudo isto.
Em 2018 encerrou-se o ano com o número curioso de 18.999 mediadores e corretores. Eu acredito que, mercê de todas estas regras que têm vindo a ser implementadas, os mediadores, em 2019, já devem ser 15 ou 16 mil e há muitas pequenas atividades que não dão resposta cabal ao cliente. A redução vai continuar a acontecer e eu acredito que qualquer dia estamos reduzidos a 10 mil. Sendo certo que os verdadeiros profissionais, os independentes, os multi-marcas, os multi-seguradoras esses continuam a ser cerca de 5 mil e vão manter-se.
Não sente ameaça quando chatbots e Inteligência artificial caminharem para poderem substituir os mediadores?
Qualquer tipo de mediação existe desde que o Homem é Homem. No último quartel do séc. XX, sempre houve ameaças à mediação, sempre vinham grandes papões, e dizia-se que a mediação ia desaparecer por não ser mais necessária. Desde 2010 diz-se que agora vem aí as insurtech, vem aí as plataformas digitais, agora vem a Google, agora vem a Amazon. É tudo possível, mas a capacidade de sobrevivência da mediação, da sua adaptação e resiliência tem sido notória ao longo dos últimos anos. Os grandes papões nascem e morrem. Um deles eram os computadores mas, afinal, os computadores tornaram-se num aliado. A mediação profissional sempre encontrou meios de ultrapassar os papões, portanto não é preocupante. Se o caminho for através do digital, a mediação está no digital, não vai desaparecer por causa dos grandes complots digitais. O ser humano tende sempre a sobreviver e nunca descura a assistência ao cliente, direta, cara a cara e, neste momento, em 2019 até já está a haver uma inversão, uma humanização das coisas.
A ASF conclui que os seguros do Ramo Não Vida em Portugal continuam a ter problemas de rentabilidade. Acha possível subir os preços?
As seguradoras é que fazem preços fazem e os estudos sobre rácios combinados, de custos de operação. Eles é que sabem, mas agora o preço conta, embora não me pareça que seja dissuasor para garantir um bem.
Antigamente quando se fazia um seguro aceitava-se quase para a vida inteira. Atualmente já não é assim. O cliente tornou-se mais exigente, mais conhecedor, tem mais informação disponível à sua frente através dos media, através da sua própria pesquisa no espaço digital, portanto já não é um cliente passivo. É um cliente proativo e vai à procura dos seus melhores preços como todas as empresas e todos os comércios, procuram para si o mais barato e melhor.
Em Vida existe um problema com as baixas taxas de juro e da fraca rentabilidade dos produtos?
A taxa de rentabilidade é pequena mas é superior à da banca e, portanto, há muita fuga de dinheiros da banca para as seguradoras através de aplicações financeiras e muito delas, na minha opinião, estão bem estruturadas. Na minha opinião, é mais vantajoso a aplicação de capitais através das seguradoras e mais certo o seu retorno do que através da banca. Enfim, não falo mais em relação à banca…
As seguradoras não tiveram problemas de maior na crise de 2008 e anos seguintes, os bancos sim…
É verdade. Foi uma crise bancária, não foi uma crise seguradora, mas tende-se a falar em crise financeira. Devia haver uma clarificação nesse distúrbio de linguagem.
Houve uma crise mundial a nível bancário, nacional a nível bancário, europeu a nível bancário, mas nenhuma seguradora teve problemas ou apresentou problemas a nível financeiro. Sempre resolveu os seus assuntos dentro da maior simplicidade daquilo que é inerente à sua atividade e não se viu nunca nenhuma seguradora a dizer não tinha dinheiro para pagar depósitos ou não tinha dinheiro para pagar sinistros.
Essa diferença é de supervisão? É ética? O que levou a que os seguradores não fossem afetados até pelas interligações que têm à banca?
Se alguma seguradora teve problemas a nível financeiro, só foram as seguradoras ligadas à banca, por isso tiveram que se desligar das suas parceiras bancárias. Mantêm-se camufladas essas ligações mas desligaram-se os bancos das seguradoras por causa do tal risco de contágio. Algumas já estavam contagiadas, tanto que acabaram por ser alienadas, mas nenhuma falhou compromissos.
"Se uma seguradora vende seguros juntamente com os seus mediadores, estamos em concorrência e logo em desigualdade também”
Acha justa a cadeia de valor nos seguros?
Não está justa. As seguradoras deviam fazer seguros que é aquilo para aquilo que foram talhadas. Deviam criar produtos de seguros e entregar a venda aos profissionais da mediação de seguros. Se uma seguradora vende seguros juntamente com os seus mediadores, estamos em concorrência e logo em desigualdade também. Há seguradoras em Portugal que há vários anos não têm escritórios nem delegações, nem nada aberto ao público. Funcionam através do canal da mediação. Esta é uma forma que deveria ser comum a todas as seguradoras.
Quais os ramos que vão crescer mais?
Desde que se começou a comercializar seguros de saúde tem sido uma surpresa, é um ramo que verdadeiramente vai evoluindo. Em Portugal, os problemas do Serviço Nacional de Saúde e da ADSE, levam a uma maior perspicácia do cliente para o seguro de saúde e da necessidade de ter o contrato familiar. Esse é um ramo em franca expansão.
O seguro de vida associado ao crédito à habitação é um ramo cíclico. A banca domina o crédito à habitação, mas isto tem que mudar e o regulador europeu já veio dar sérios alertas nesse sentido ao mercado português.
Também o fenómeno cibernético é uma oportunidade. Ainda não há uma grande consciencialização dos empresários portugueses para este risco, mas ele existe e sabemos que ele acontece. Deve ser acautelado, tem de ser mais divulgado aos nossos empresários a necessidade de contrair estas coberturas.
Nos outros é sempre o mesmo: Há mais seguros de acidentes de trabalho se houver mais atividades a laborar, se houver menos desemprego. Há mais seguros de automóveis pelas mesmas razões. Se houver menos desemprego, existe maior capacidade financeira na população e aí todos os outros crescem.
O que o preocupa mais nesta altura?
O vazio legal em que nos encontramos neste momento. Sabemos que a lei da distribuição de seguros foi publicada no dia 16 de janeiro de 2019 e, curiosamente, entrou em vigor no dia 1 de outubro de 2018, 3 meses antes. Isto para a mediação de seguros é absolutamente incompreensível porque acarreta uma série de consequências como aquela que nos encontramos hoje, um vazio. Há lei aprovada mas as normas que regem a lei não estão aprovadas, nem sabemos quando surgirão, portanto, o ano de 2019 vai ser um ano que vai passar à história como um ano de vazio.
"Todos os nossos mediadores estão “fora da lei”. É o tal vazio legal. A formação é obrigatória, todos os operadores são obrigados à formação é à conformação com a nova lei, mas não há formação nenhuma aprovada”
Esse aspeto é importante na questão da formação do mediadores?
A lei obriga à formação e à conformação da formação, mas não está nada definido, nenhuma norma criada, nada aprovado. Portanto, todos os nossos mediadores estão “fora da lei”. É o tal vazio legal. A formação é obrigatória, todos os operadores são obrigados à formação é à conformação com a nova lei, mas não há formação nenhuma aprovada. Não sabemos nada, vazio absoluto.
Esse vazio causa pressão sobre os mediadores?
Temos tido informação, de diversos mediadores, uns mais pequenos outros maiores, de que algumas seguradoras estão a aproveitar este vazio da lei por falta de regras normativas, para abordar alguns mediadores, com quem trabalham para assinarem novos contratos de relação. São duas ou três seguradoras, que estão a aproveitar esta situação para tentar renegociar acordos novos, contratos novos com os seus mediadores. Em alguns casos propondo a redução drástica do comissionamento.
E o que recomenda a quem está ser pressionado
Não estarem a assinar novos contratos nesta fase. Não aconselhamos, não faz sentido. Depois vão assinar novos quando a regulamentação sair? Este tipo de atitude não é entendível. No entanto, fica sempre aqui a dúvida ética em relação à oportunidade da sugestão destes novos contratos por parte de seguradoras.
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David Pereira (APROSE): “2019 ficará na história como o ano do vazio legal”
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