Sócia sénior da McKinsey alerta que mulheres têm redes profissionais mais fracas e, portanto, têm menos oportunidades profissionais. Defende que empresas devem ajudar mulheres a construir esses laços.
Ainda antes de chegarem ao persistente teto de vidro, que as impede de saltar das posições intermédias para os cargos de topo, as mulheres deparam-se com um degrau partido. Logo nas primeiras promoções, tendem a perder terreno face a eles e dificilmente conseguem recuperar ao longo da carreira. Quem o explica ao ECO é Maria João Ribeirinho, sócia sénior do escritório lisboeta da consultora McKinsey e embaixadora em Portugal de um novo livro sobre este tema.
Lançado pela referida consultora em colaboração com a Harvard Business Review, o livro “The broken rung” debruça-se sobre os obstáculos que as mulheres ainda encontram no mercado de trabalho.
Ao ECO, Maria João Ribeirinho identifica, por exemplo, as redes profissionais como uma dessas dificuldades: eles tendem a cultivá-las com mais afinco, sendo recomendados, à boleia, para mais oportunidades profissionais. Já elas investem menos no networking e isso impacta a sua capacidade de progredir na carreira.
Em entrevista, a sócia sénior reflete ainda sobre a parentalidade, sobre o novo presidente dos Estados Unidos e sobre o impacto da diversidade (de género, mas não só) nos próprios resultados das empresas, deixando um aviso: a igualdade não é apenas uma questão de justiça, tem um impacto positivo nos resultados das organizações.
A participação das mulheres no mercado de trabalho tem aumentado, mas a desigualdade de género persiste. O conceito de teto de vidro — a dificuldade delas chegarem a certos patamares hierárquicos — é amplamente conhecido, mas neste novo livro propõem um conceito diferente: o degrau partido. Comecemos por aí. Que degrau está partido no caminho das mulheres no mercado de trabalho?
As mulheres, muitas vezes, já ficam para trás nas primeiras promoções. Se olharmos para os licenciados, mais ou menos 60% são mulheres na Europa, e em Portugal é muito semelhante. Quando olhamos para a entrada no mundo profissional, 49% são mulheres. Mas, quando vemos as primeiras promoções — mais ou menos, passados cinco anos do início da vida profissional — vemos que, por cada 100 homens, 81 mulheres são promovidas. Ou seja, há um primeiro degrau nessa escalada da liderança em que as mulheres já ficam para trás. Mais tarde, é mais difícil recuperar. O teto de vidro é aquela noção de que as mulheres que estão na gestão intermédia não passam para a gestão de topo.
E é uma fase em que já é mais difícil resolver a desigualdade, porque o problema começa nesse tal degrau…
Precisamente.
O que é que está a fazer com que esse degrau continue partido, apesar de todos os esforços anunciados?
Diferentes fatores. Muitas vezes têm que ver, por exemplo, com as mulheres não se auto considerarem ou não serem consideradas para a liderança. Por exemplo, quando estão em idade de quererem ser mães, há empresas que acabam por não considerar essas mulheres para a progressão. Esse é um fator bastante importante.
Se olharmos para os diferentes degraus desta escada, vemos que existe uma melhoria. Mas ainda há um caminho muito grande a percorrer. No topo da escada, há 1% de mulheres em posições de CEO
Mas parece-lhe que esse preconceito tem melhorado nas últimas décadas ou nem isso?
Tem melhorado. Se olharmos para os diferentes degraus desta escada e para os diferentes setores, vemos que existe uma melhoria e um aumento da participação feminina ao longo dos vários degraus. Mas ainda há um caminho muito grande a percorrer. No topo da escada, há 1% de mulheres em posições de CEO.
Sobre a parentalidade e a perspetiva de que as mulheres que são mães estão menos disponíveis para o trabalho e para funções mais exigentes, o que pode ser feito para mudar essa desigualdade?
É algo que vai demorar tempo, porque está muito enraizado na sociedade. Mas fico muito feliz, quando olho para as gerações mais novas, e vejo que as pessoas têm uma perspetiva muito diferente. Há também muitas outras coisas que têm de ser feitas a nível organizacional, como encontrar os incentivos e as redes de mentoria. Outro ponto que acho muito importante é o planeamento das licenças. Estar fora durante esse tempo é uma disrupção na carreira. Uma das coisas que acho que é muito importante é planear muito bem a sua licença: o antes, o durante e o após.
De que modo?
A pessoa não tem de se retirar mentalmente de uma oportunidade ou progressão, porque vai ter a licença. Pode adquirir experiência antes da licença, até durante e depois. Portanto, é preciso ter um plano bastante claro sobre aquilo que vai fazer durante a licença. E, quando volta, ter um plano de reinserção bastante bem pensado. É uma área em que nós, como empresas, organizações e sociedade, ainda temos muito a melhorar.

Foi discutido recentemente no Parlamento um potencial alargamento das licenças parentais. Deveria haver maiores exigências de partilha entre progenitores, para contrariar a ideia de que só as mães é que estão menos disponíveis?
É muito útil que os homens também tirem a licença, porque, em termos profissionais, acabam por experimentar essa disrupção e, portanto, compreender melhor o que é que tem de ser feito antes, durante e após para a licença, de modo a que, no final, a experiência seja positiva.
Em relação ao planeamento das licenças, que papel devem ter os empregadores?
Num mundo ideal, todos os empregadores seriam cientes de que este é o momento de disrupção. Portanto, como querem uma equipa motivada e a acrescentar valor, fariam o melhor para que essa reinserção acontecesse da melhor maneira. E a própria pessoa que vai de licença também estaria aberta e a planear realmente em detalhe. Hoje, vivemos num mundo em que ainda há experiências bastante negativas de ir e voltar de licença.
O mundo ideal está longe do que acontece no mercado de trabalho?
Hoje, quem quer que seja que tenha a iniciativa de planeamento da licença, deve tomá-la. Idealmente, acho que os empregadores deveriam criar essas condições. Tudo isto é uma viagem que, se for deixado ao acaso, sem planeamento, sem preparação e sem sistematização, pode ser que não corra tão bem.
Os homens tendem a mudar muito mais vezes de funções do que as mulheres. Isso faz com que se posicionem para outras oportunidades.
Já falámos das mulheres que, dentro das empresas, vão perdendo terreno para os homens. Mas há ainda outro fenómeno: os homens mudam mais de emprego e, portanto, acabam por fazer progressões mais rápidas. Como é que se explica esta diferença?
Há uma noção muito importante, que é o capital de experiência. Tem que ver com a experiência que cada um adquire no trabalho. Quando há uma mudança de emprego ou uma mudança de funções dentro da mesma empresa, existe uma aprendizagem, que se vai acumulando e criando aquilo a que chamamos capital de experiência. Os homens tendem a mudar muito mais vezes de funções do que as mulheres e, portanto, adquirem muito mais capital de experiência. Isso faz com que se posicionem para outras oportunidades. Mais ou menos, 50% da remuneração das pessoas explica-se pelo capital de experiência. É muito importante estar aberto.
Mas consegue perceber por que razão os homens estão mais abertos a fazer essas mudanças de funções?
Há um elemento importante, que é olhar para como os homens têm ofertas e oportunidades para ir para outros lugares, seja na mesma empresa ou noutras empresas. As redes profissionais — o networking — têm um papel muito importante, porque, muitas vezes, as pessoas são indicadas para determinadas funções. As mulheres são normalmente não tão ativas como os homens nessas redes por diversas razões. Isso faz com que muitas vezes também lhes cheguem menos oportunidades. Daí que uma das coisas sobre as quais temos falado mais é que é muito importante que as organizações ajudem as mulheres a construir essas redes de amigos profissionais e mentores.
Disse que há diversas razões a justificar esse menor investimento das mulheres. Quais são elas?
As redes muitas vezes são muito masculinas. Há um efeito histórico. Depois, há muitas estatísticas sobre o tempo que as mulheres e os homens que têm família dedicam às tarefas domésticas. As mulheres, em média, dedicam três ou quatro vezes mais tempo que os homens. Quer isto dizer que o tempo que têm para dedicar às redes é menor. Isso gera um efeito que se multiplica ao longo do tempo.
A solução ideal seria uma partilha mais igualitária das tarefas dentro do agregado. Enquanto isso não acontece, dentro das próprias organizações, qual é a importância de se promoverem redes de mentoria e buddies?
É muito importante e muitas empresas já começam a fazer isso. Não só nas empresas. Por exemplo, associações de um determinado setor, que fomentem também uma rede entre empresas.

O teto de vidro aparece mais tarde nas carreiras. Como é que se estilhaça?
O mais importante é que seja um assunto de sociedade e também económico, não apenas de justiça ou de equidade social. Uma empresa que tenha uma equipa de topo diversificada, com homens e mulheres, diferentes backgrounds académicos e diferentes experiências acumuladas, tem uma equipa muito mais forte e muito mais capaz de ter melhores resultados. Isso está provado. Muitos estudos mostram que empresas com equipas de topo diversificadas têm resultados económicos e financeiros substancialmente melhores.
Portanto, mais que não seja pela perspetiva do negócio, há que atacar a desigualdade?
É um assunto com o qual todos os homens e mulheres se devem preocupar. A consciencialização é o ponto número um. A partir daí, há toda uma série de atividades que têm de ser feitas por parte das empresas. Por exemplo, garantir que têm programas de desenvolvimento profissional para as mulheres e um sistema de mentoria.
A McKinsey é uma empresa global. Nos Estados Unidos, o novo Presidente tem combatido os programas de diversidade. Teme que isso possa prejudicar a jornada para um mercado de trabalho mais igualitário?
Não.
De todo?
Isto é uma maratona, não é um sprint. As mulheres são 50% da população e, portanto, conseguirmos que 50% da população atinja o seu potencial é um assunto básico e chave do nosso funcionamento como sociedade. É um tema secular.
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“Empresas com equipas de topo diversificadas têm resultados substancialmente melhores”
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