“Estão criadas as condições para estabelecer fábricas de IA no país”

Conectividade e energia renovável farão cada vez mais de Portugal um local de processamento de dados nos 'data centers' e não apenas um ponto de passagem, argumenta Carlos Paulino, líder da Equinix.

A construir um segundo data center em Lisboa, e já com um terceiro em mente, o country manager da Equinix Portugal está convencido de que “este é o momento da oportunidade” para este setor no país, que oferece praticamente tudo aquilo que procuram os promotores destes investimentos. Mas ainda falta previsibilidade no licenciamento, admite Carlos Paulino, em entrevista ao ECO.

O país também está posicionado para começar a atrair data centers adaptados às exigências da nova era da inteligência artificial (IA), diz o especialista, embora, atualmente, ainda seja mais um ponto de passagem dos dados do que um hub de processamento. Isso vai mudar, acredita o líder da empresa norte-americana em Portugal, que também é vice-presidente da PortugalDC, associação representativa do setor.

Comecemos pelo data center que a Equinix está a construir atualmente em Lisboa. Em que fase está a construção atualmente, como é que está a correr o processo?

Basicamente, arrancámos com a nossa operação em Lisboa no ano 2000 com o nosso primeiro edifício. A verdade é que já temos o edifício completo. Estamos a chegar aos 100% de ocupação, motivo pelo qual em 2018 decidimos e começámos a construção de um edifício ao lado para continuidade do nosso negócio. Na verdade, o edifício ao lado neste momento está na fase final de teste e commissioning, prevendo-se estar completamente RSS (Ready for Service), pronto para entrar em produção, em junho deste ano. Dentro de aproximadamente três meses devemos estar completamente operacionais nesse novo local.

Porque é que este investimento faz sentido? Porque é que Portugal é um bom destino e a Equinix decidiu fazer este investimento adicional? Qual é a estratégia?

Há realmente uma vontade. Creio que, finalmente, a indústria está a ganhar maturidade suficiente em Portugal para fazermos o que pretendíamos já há muitos anos. O país sempre foi visto como um gateway de passagem. Não há dúvidas nenhumas de que somos um corredor digital entre a Europa e o Atlântico Sul. Portugal tem capacidade de servir todo o West Africa, desde Rabat até à Cidade do Cabo. Simultaneamente, todo o cruzamento que nós vemos também já a ligar com a América Latina, e finalmente, numa última fase, estamos a ver novos cabos a começar a existir, da América do Norte diretamente a Portugal. Nota-se um investimento progressivo nesse capítulo do corredor digital.

O que é que se pretende? Que consigamos passar do que é um gateway para um hub digital. Isto é, que os conteúdos também venham para Portugal. Que realmente não seja apenas um local de trânsito. Nós acreditamos que isso vai acontecer. Aliás, há vários players no mercado a desenvolver também soluções e a investir de modo a servir diferentes tipos de procura.

Na visão da Equinix, o potencial que neste momento o mercado tem no tema da conectividade foi de facto a orientação que nós tivemos desde 1999, quando liguei o primeiro botão do data center de Lisboa. A ideia sempre foi conseguir um local neutro de interligação onde todos se encontrem. Na altura foi difícil, era necessário explicar o que era um data center. Foi complexo em termos de enquadramento legal, complexo numa multitude de dimensões. Ao dia de hoje, a sociedade já viu que os data centers são absolutamente fulcrais para o desenvolvimento da sociedade digital e a Equinix, com este investimento em Portugal, demonstra que acredita no potencial do país e que acredita no crescimento. Nós mais do que duplicámos a capacidade que tínhamos anteriormente.

Atualmente, o país ainda é mais um ponto de passagem do que um nó importante de processamento?

Sim, há aqui um peso histórico muito significativo e muito antes ainda de termos esta visão hiper tecnológica do mundo. Desde 1893, em que passou o primeiro cabo telegráfico pelos Açores, e ao longo da história, Lisboa tem sido sempre um ponto absolutamente fulcral de interconectividade entre o globo inteiro. Provavelmente as pessoas não sabem isto, mas nós temos cabos que encaixam em Lisboa numa porta e têm ligação direta a Tóquio, ou que têm ligação direta, digitalmente, a Sidney. É uma coisa absolutamente inacreditável. Fomos o primeiro país a chegar a todos os continentes. E continuamos a ter uma cobertura geográfica incrível a partir de Lisboa.

Portugal tem capacidade de poder servir outros mercados de grande dimensão. Só o acesso a todos os PALOP, a toda a parte dos países da CPLP – como obviamente o Brasil -, as ligações de fibra que neste momento existem para lá fazem com que o potencial aumente exponencialmente. Portanto, as condições acho que estão criadas para que nós consigamos não só cruzar dados pelo país mas sim estabelecer no país unidades, fábricas de inteligência artificial, ou fábricas digitais, que são os data centers que podem fazer processamento e retenção de dados no país.

Se temos as condições criadas, porque é que ainda não somos hoje?

Eu creio que houve países que se moveram a uma velocidade mais célere. Espanha foi um deles. Quer porque em termos de soberania de dados é necessário trazê-los para cada geografia, quer a nível de disponibilidade de tempos e de recursos que começam, em alguns locais, a ter alguma escassez, quer porque uma infraestrutura distribuída é muito mais resiliente como uma concentração em locais únicos, fez com que essa propagação fosse avançando. Vimos Espanha a arrancar de uma forma absolutamente incrível há sete anos e a onda seguinte foi realmente a que apanhou Portugal e estes países mais distantes desse centro. E nós estamos a ver em Portugal, desde há quatro anos, uma procura incrível.

Acredito que não sucedeu antes porque não houve todo o investimento que nós deveríamos ter feito, quer em comunicação, quer em promoção do próprio país, quer em termos de um modelo regulatório atrativo, condições atrativas de acesso à energia, a clarificação dos processos de licenciamento… havia uma série de detalhes em que nós poderíamos ter sido mais proativos. Por outro lado, não havia uma procura significativa para localizações mais periféricas. Havia no domínio da conectividade, sempre houve, mas não no domínio do processamento, o que faz com que seja indiscutivelmente este o momento da oportunidade para Portugal.

Qual é o principal concorrente de Portugal?

Indiscutivelmente Espanha, pela proximidade e pelo consumo interno. É um mercado de 40 milhões. Na Europa, ao nível de mercados secundários, são, sem dúvida nenhuma, Madrid e Milão.

Os data centers que Portugal tem estado a atrair estão adaptados à nova era da inteligência artificial? Estamos a falar de capacidades muito elevadas.

Na Equinix, já no desenvolvimento deste segundo site, preparámos tudo para trabalhar com densidades maiores de potência. Nós temos capacidade de ir a projetos de elevada densidade como são os projetos de inteligência artificial. No entanto, o que o mundo neste momento procura para servir este novo segmento são realmente capacidades em termos de potência total mais elevadas. Cada vez mais a densidade é muito elevada. Portanto, não precisa de grandes áreas de construção. Precisa de elevada capacidade de potência por metro quadrado.

Entre os 300 e os 500 MW?

O mercado tem andado de alguma forma num entusiasmo incrível e o número não para de aumentar. Nós vemos realmente plataformas de inteligência artificial a operar na ordem dos 30, 40, 50 MW. Obviamente que neste momento fala-se de data centers na ordem dos GW, já dentro do que é a próxima escala. Esta tecnologia necessita de potências muito superiores ao que nós temos trabalhado até ao dia de hoje, procura de inovação e tecnologia dentro do que são as diversas opções em fontes energéticas… Em Portugal, não só o investimento que fizemos em renováveis é também extraordinariamente atrativo a novos players no mercado, como é também o que atraiu a Equinix a continuar a investir neste segundo data center. Assinámos há pouco tempo um acordo PPA de energia de 149 MW com a Sonnedix que vai neste momento fazer a inauguração do parque solar.

Dentro da parte de energia, estamos a conseguir as condições. O mercado procura energia, há procura de mercados com elevada conectividade. Nós começámos a fazer o tick em todas as boxes. Começamos a cumprir absolutamente com tudo. Se a isto aliarmos uma capacidade de promoção, não tenho dúvidas nenhumas de que Portugal terá a capacidade de conseguir servir toda a área, inclusive a IA, inclusive a computação quântica, inclusive tudo o que são as últimas tendências disruptivas.

Sentiram alguma dificuldade ou barreira no licenciamento do novo data center?

Em termos de licenciamento, continua a ser algo que poderia ser mais facilitado. Sem dúvida. E a maior parte das vezes, sem dúvida, também pelo próprio desconhecimento dos municípios do que é uma infraestrutura do tipo de um data center. Porque quer em termos de enquadramento legal, quer em termos das próprias especificações da construção, muitas das vezes estendem ao limite algumas imposições, seja de PDM, seja de regulação de edificações urbanas. Tenho a confessar que tivemos um excelente apoio do município de Loures. Também é verdade que é um município que, dentro do país inteiro, viu nascer um dos primeiros data centers. Arrancámos em Loures em 1999 e temos trabalhado com a Câmara para explicar o que somos e o que fazemos e isso ajudou nesse processo de licenciamento do segundo.

No entanto, acredito que um dos pontos a melhorar é a parte do licenciamento. Nem é um tema de atraso ou demora. É a imprevisibilidade de quando vai estar resolvido. Esse é um dos grandes problemas em Portugal. Não é tanto a ideia de que vai demorar três ou seis meses ou um ano. Se eu tivesse a certeza de que realmente era esse o período, eu provavelmente mais facilmente atrairia ainda mais investimento.

Como é que encaram o surgimento de novos concorrentes, como o Centro de Interligação de Redes da Altice e o projeto da Atlas Edge em Carnaxide?

Era completamente esperado. Sinceramente, quase que peca por tardio, porque havia procura para ter mais do que um player no mercado. Isto não diminui de forma nenhuma todas as variáveis diferenciadoras que a Equinix tem, a capacidade de entregar ao mercado. A Equinix, ao dia de hoje, é o local mais conectado do país. Neste momento temos cerca de 73 redes ligadas ao nosso LS1. Qualquer outro player em Portugal não terá acima de dez. É um centro nevrálgico de conectividade. Existirem outros traz redundância ao país, traz capacidade de diversificação, traz distribuição geográfica. Trazem uma série de vantagens. Colocam o headlight sobre o país e atraem mais negócio, o que por sua vez é vantajoso para todos. Nós vemos com entusiasmo a entrada de novos concorrentes, porque significa que o mercado tem vitalidade e demonstra que temos um futuro brilhante à nossa frente.

Portugal foi visado pelas novas restrições norte-americanas à compra de chips aos EUA. Isso vai ser uma barreira para Portugal, ou o país não tem dimensão para ser afetado?

Na PortugalDC temos estado a fazer um trabalho gigantesco para tentar reverter essa classificação de Tier 2. Do ponto de vista da Equinix não tem um impacto significativo, porque se não pode fazer em Portugal, faz em Espanha, faz em qualquer outra localização. Neste momento, a Equinix tem 260 data centers à volta do globo. Do ponto de vista do país, obviamente que eu creio que é lesivo, por dois grandes motivos. Estabelece limites, por isso, logo à partida, não estamos ao mesmo nível de outros que não tenham limites. A segunda parte, que diria que é ainda mais importante, é o tema reputacional. Somos um Tier 2, por isso, automaticamente, há aqui qualquer coisa que nos diferencia do que pode ser um mercado sem limites.

Mas encontra justificação para isso?

Nós na PortugalDC tentámos desde o princípio entender o racional por detrás de uma decisão destas. E de facto tínhamos dificuldade em compreender. Estivemos na fundação da NATO, somos um país seguro, estamos dentro dos melhores índices de segurança de dados, de informação, de pessoas, de absolutamente tudo. Faria pouco sentido esta classificação. Inicialmente, suspeitámos que poderia ser pela dimensão do próprio país, ou seja, 50 mil GPU se calhar era um número aceitável e que [se queria] de alguma forma restringir os mercados Tier 1 a um número menor, mais controlável.

Acreditamos ao dia de hoje que não deverá ter sido o caso. Existe, pelo que nós fomos informados, um procedimento em diversas geografias em que tudo o que são tecnologias, equipamentos, hardware que tenha um duplo uso civil e militar têm processos de importação/exportação bastante mais controlados, e têm listagens próprias de todos estes equipamentos. Ao que conseguimos apurar, Espanha tem e Portugal não. Está a ser trabalhado para que o tenha, está a ser trabalhado a nível europeu para existir uma diretiva que equalize todos os Estados-membros, de forma a que isto não volte a suceder, e nós temos estado em reuniões com a Embaixada dos EUA, com a câmara de comércio dos EUA, com a Direção-Geral das Atividades Económicas, com o próprio ministro da Economia… temos estado, basicamente, a colaborar em todas as frentes de modo a que a revisão seja efetuada já e que sejamos realmente um Tier 1.

Acredita que a Administração Trump pode reverter a medida do anterior governo?

Sim, sim. Sem dúvida nenhuma. Creio que também podemos fazer todos o nosso dever, ele está em processo de consulta pública. Qualquer cidadão ou entidade pode ir comentar e pôr o seu parecer. Acreditamos, todos os que estamos a contribuir com informação, que reverteremos essa má decisão, ou decisão menos informada. Quando eu falava desse investimento, falo também de outras empresas em que possa estar a passar-se o mesmo, como multinacionais. Se eu tenho de decidir onde é que tenho de fazer o meu próximo investimento na Europa, porquê começar num país no qual, à partida, há uma classificação abaixo dos outros?

A Equinix admite fazer outros investimentos em Portugal além do LS2?

Seguramente. Estamos neste mercado há mais de duas décadas e queremos estar bem mais de duas décadas no futuro. Nós temos planos de investimento, normalmente, bastante claros a cinco anos. Isto significa que o edifício que nós neste momento estamos prestes a inaugurar foi adquirido em 2018 e não pretendia ser imediatamente colocado no mercado. Cumprimos o alinhamento que tínhamos e na realidade o nosso alinhamento corrente tem já em mente o próximo desenvolvimento em Portugal.

Então já estão a pensar num novo data center em Portugal além desse?

Já estamos a pensar em existir a solução pronta para arrancarmos o próximo dentro do timeline que temos.

Seria algo a que prazo?

Vai carecer de reajuste, mas provavelmente em 2027. Será necessariamente na zona de Lisboa. Ainda não temos uma estimativa de valor de investimento.

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