“Este é um mercado dos compradores. Vemos processos de venda quase desertos”

Os advogados Diogo Perestrelo e Duarte Schmidt Lino, sócios coordenadores de Corporate M&A da PLMJ, acreditam que, na hora de fechar um negócio, os compradores continuarão com mais exigências a fazer.

Os advogados Diogo Perestrelo (DP) e Duarte Schmidt Lino (DSL), sócios co-coordenadores da área de Corporate M&A da PLMJ, acreditam que, na hora de fechar um negócio, os compradores continuarão a ter mais exigências a fazer, apesar de o ciclo se estar a inverter a favor dos vendedores. Em entrevista ao ECO/Advocatus, preveem mais transações nos setores das infraestruturas, energias renováveis e agricultura, além dos ‘suspeitos do costume’, o imobiliário e tecnologia.

Sobre o regresso de Donald Trump à Casa Branca, a opinião não é unânime, mas elencam vantagens, como a liberalização da economia, e alertam para os riscos do aumento das tarifas – mesmo que não atinjam a Europa – e do orçamento para a defesa. “A divisão do mundo em blocos é sempre mais negativa para a economia do que uma globalização mais acelerada, mas não sei se Portugal, no longo prazo, não iria ser uma das vítimas dessa globalização…“, crê Duarte Schmidt Lino.

No início de 2024, Diogo Perestrelo antecipava que seria um ano de buyer’s market. Já se pode concluir que a previsão foi certeira e esperar o mesmo de 2025?

DP – Acho que a tendência continua a ser um bocadinho de buyer’s market. Porquê? Primeiro, há poucos instrumentos de financiamento. Os financiamentos continuam a ser caros, apesar de começar a haver uma tendência de descida das taxas de juro, mas 2024 foi muito marcado por isso. Muitas transações foram marcadas por uma grande diferença entre perspetivas de preços de comprador e vendedor. Os compradores a quererem impor as suas condições e os processos a serem, talvez, menos competitivos. Lembro-me de há quatro ou cinco anos termos processos com muitos candidatos à compra e o vendedor conseguia fazer uma seleção maior, enquanto hoje vemos menos candidatos e compradores mais exigentes nos preços. Certamente, porque o custo de financiamento é mais caro. Segundo, o mercado. Sabemos as dificuldades geopolíticas que o mundo está a atravessar e muitas empresas vivem de exportações, portanto, precisam de um mercado forte para a venda dos seus produtos. Os compradores são mais cautelosos na hora de fixar um preço. Há também outra tendência que é a das cláusulas de earn-out, que permitem ao vendedor depois receber um preço adicional se as coisas correrem tão bem como ele dizia. É uma tendência para os compradores em Portugal e no mundo inteiro.

Que se manterá?

DP – É cíclico. Agora as taxas [de juro] vão começar a descer, provavelmente os vendedores vão ter mais força do que os compradores, mas depende muito dos setores e dos momentos de cada mercado. Eu diria que, em geral, essa tendência marcou 2024.

DSL – Acho que é bastante claro que é um buyer’s market. Tenho visto processos praticamente desertos e os vendedores com esquemas para ver se arranjam competição – ou uma aparência de competição. Há aqui algo mais “científico” que fazemos: um levantamento interno das principais cláusulas dos contratos de compra e venda de ações. Estamos sempre a comparar cláusulas que vão aparecendo. É um teste relevante para determinar quem tem mais força (comprador ou vendedor) e neste momento são os compradores que conseguem impor condições que lhes são mais favoráveis. Por experiência, quem compra quer aplicar o menor possível de equity. O preço desse dinheiro é decisivo. Se o dinheiro estiver muito caro, o dinheiro que a empresa que está a ser comprada vai libertar não dá para a pagar dívida ou os juros.

A que se deve o facto de o private equity continuar, de alguma forma, a amparar o mercado transacional?

DSL – Várias razões. O private equity é uma categoria que aglomera múltiplas estratégias, entre os quais o venture capital [capital de risco] e o investimento em distressed assets [ativos problemáticos] e estão dispostos a correr mais risco. Há muitos gestores de private equity que investem sobretudo nestes momentos e têm uma capacidade de investir com menos dívida, o que tem impacto na rentabilidade. Isso exige que a margem financeira venha de algum lado, normalmente é porque compram mais barato. Ou seja, aproveitam esta altura, em que há menos procura para conseguirem preços mais baixos. Sai-lhes mais caro porque têm de pôr mais equity, mas prometem rentabilidades de 20% para cima. Uma maneira de o conseguirem é usar uma pequena parte do dinheiro dos investidores e meterem dívida a 5-6% ou 2-3%. Quando a dívida está a 6-7% torna-se mais difícil encontrar transações. Nos momentos em que há menos pressão, menor procura, conseguem ir buscar a rentabilidade em preços mais baixos. Por outro lado, acho que muitos deles têm incentivos pessoais para investir, mesmo em condições mais adversas.

DP – São estruturas preparadas para, por estas razões, comprarem e venderem permanentemente. Uma empresa industrial ou um banco não fazem M&A por natureza. Fazem uma aquisição de três em três anos ou pontualmente. Nestes fundos é a sua atividade e são os grandes catalisadores.

DSL – Esta classe de ativos está a crescer brutalmente. Cada vez há mais capital alocado a este segmento, portanto fazem mais transações e o mercado vai crescendo.

Além do capital que têm, também há mais fundos portugueses, em termos quantitativos?

DSL – Também. As gestoras portuguesas bem-sucedidas têm crescido.

DP – Também. Os grandes fundos são internacionais, principalmente os americanos, como a Blackstone. Têm valores de poupanças investidas. Mas também não investem na maior parte das empresas portuguesas, porque são demasiado pequenas. Uma das maiores aquisições de capital de risco / hedge fund foi da DK [Davidson Kempner Partners], há dois anos, com a compra da ECS próxima dos mil milhões [850 milhões de euros]. Foi dos maiores negócios em termos de valor. Pode haver mais um ou dois, mas mais não. Temos uma dimensão diferente.

Duarte Schmidt Lino e Diogo Perestrelo, coordenadores da área de Corporate M&A da PLMJ Hugo Amaral/ECO

 

Que tendências observaremos em 2025? Será o ano em que a eventual bolha no imobiliário rebenta e o setor deixa o trono das fusões e aquisições?

DSL – Uma bolha é uma hipervalorização especulativa dos ativos. O que temos em Portugal é uma falta de oferta brutal de habitação. Pode haver uma bolha em certos segmentos, mas não no setor em si. A dificuldade de aumentar a oferta vai continuar e suscitar interesse. Vai continuar a haver muitas transações, porque é preciso responder a esta necessidade. Cada vez que há uma necessidade com procura há M&A, porque há pessoas que conseguem levar o projeto de um ponto até outro e depois, nesse outro ponto, têm de passar o testemunho a uma outra entidade por várias razões. Ou querem-se ir embora, reforma, precisam de dinheiro, fizeram asneira… As coisas vão trocando de mãos. Tal como na energia, porque há uma transição energética em curso, concorde-se ou não. Vemos também, cada vez mais, movimento na tecnologia. Portugal tem sido muito bom a criar empresas tecnológicas e a levá-las até certo ponto. E na agricultura de regadio, onde vemos cada vez mais transações com valores muito interessantes.

"Cada vez que há procura há M&A, porque há pessoas que conseguem levar o projeto de um ponto até outro e depois, nesse outro ponto, têm de passar o testemunho a uma outra entidade”

Duarte Schmidt Lino

Sócio da PLMJ

DSL – Outra tendência que vai acentuar-se é a importação de capital de Portugal. No passado, as transações in-bound [estrangeiros a adquiri empresas portuguesas] foram mais, e de maior valor, do que as domésticas. Por várias razões – políticas, estruturais e económicas – Portugal tem pouco capital, portanto as empresas portuguesas vão continuar a ser vendidas.

DP – A tecnologia mexe sempre. Temos um bom rácio de unicórnios portugueses per capita. Além da tecnologia e da saúde (farmacêutica), acho que os setores das infraestruturas e da construção civil e obras públicas, dos quais se fala pouco porque tornou-se pouco sexy, vão crescer. Já sentimos aí algum interesse por construtoras que portuguesas. Vai haver oportunidade, dada a dimensão de investimento em infraestruturas que temos para os próximos anos e a falta de mão de obra. Empresas estrangeiras a comprarem cá para concorrerem aos concursos.

Inclusive para o aeroporto?

DP – Para o aeroporto, por exemplo. TGV, portos, concessões rodoviárias cujos contratos de concessão estão a chegar ao fim… Há muita coisa a acontecer nas infraestruturas e os recursos serão escassos. Aliás, o Governo tem anunciado avanços. Já alguns fundos a posicionarem-se.

TAP ou Novo Banco. Que venda será fechada primeiro?

DP – Vão andar em paralelo, mas provavelmente o Novo Banco, onde os processos, ainda assim, são menos políticos. É um processo que depende do seu acionista privado. A TAP tem uma componente política muito forte que vai além de um processo normal de M&A.

"As vendas do Novo Banco e da TAP vão andar em paralelo, mas provavelmente a do Novo Banco é fechada primeiro, porque os processos são menos políticos”

Diogo Perestrelo

Sócio da PLMJ

Em Portugal existem dois rankings de M&A que o mercado utiliza: Mergermarket e TTR. Na vossa opinião, qual é o que ilustra mais a realidade nacional? A que se devem as diferenças de critérios entre eles e, consequentemente, nos resultados?

DSL – Acho que há duas grandes diferenças e uma delas é o valor base das transações que aparecem num e noutro. Na Mergermarket é muito mais alto, tem critérios apertados, o que significa que Portugal, sendo um país de transações com um valor médio baixo, deixa muitas de fora. E 69% não têm valor nenhum publicado. O TTR conseguiu-se implantar porque, como apanha mais, representa melhor a realidade. No princípio ninguém ligava e eles foram afinando os critérios. Há um maior escrutínio.

DP – Acho que ainda há um trabalho por fazer nos rankings. Existe uma grande diferença de operações que são de targets portugueses, e que a casa-mãe está em Portugal, e outras em que a operação é feita em lei inglesa e o target está em Inglaterra ou nos Estados Unidos ou até noutro país europeu. ‘Apanhamos por tabela’ por ser uma sucursal ou uma subsidiária dessa empresa. A Mergermarket não filtra isso. Portanto, as grandes operações, as tais acima da fasquia que são apanhadas [pela base de dados], tiveram uma parte portuguesa muito residual, porque é uma subsidiária que tem uns cinco trabalhadores, e como não há essa distinção beneficia-se, com o valor total da transação, o escritório que trabalhou nisso. Algo que não se compara com uma transação, eventualmente mais pequena, ser uma verdadeira aquisição em Portugal.

Na maior parte das vezes, mais de metade das operações não têm o valor revelado, o que influencia a contagem. Porquê esse secretismo?

DSL – Nós nunca fazemos o disclose. Os clientes é que decidem ou não publicar. Por nós, era sempre divulgado. A maior parte das que divulgam é porque têm de divulgar factos ao mercado.

DP – Nós fazemos o que os clientes autorizam. Se a empresa for pública (cotada) o valor é público. As que não o fazem, normalmente, é por razões concorrenciais ou de mercado. Ou depois querem revender e não pretendem que se saiba qual o valor.

DP – Queremos sempre fazer o máximo de transações com o máximo volume possível, mas, às vezes, as transações mais pequenas também são interessantes do ponto de vista da complexidade. É devido à confidencialidade em relação ao valor, que leva transações a não serem consideradas, que interessa muito mais a consistência. Estar em primeiro ou segundo durante muitos anos é que marca a diferença. Por exemplo: um ano, de repente, uma sociedade pode ter uma transação grande que foi revelada (sem grande complexidade) e ficar em número 1, mas depois nunca mais aparece. Penso que temos conseguido ter consistência na equipa e manter o mesmo nível de qualidade.

Qual foi a estratégia?

DSL – Não temos delimitações regionais. Temos pessoas no Porto e em Lisboa que trabalham todas juntas. Em cerca de 90% das minhas operações estão pessoas na equipa que são do Porto e vice-versa. Organizamo-nos em função das disponibilidades.

DP – Alguns escritórios não fazem isso. Os do Porto só trabalham nas transações no Porto. Segmenta-se mais. Portugal é um país tão pequeno… Não há necessidade. Também contratámos uma pessoa [Mariana Veiga Montez] que nos está a ajudar muito no trabalho de suporte à equipa (gestão, eficiência e otimização dos nossos recursos). É uma advogada muito experiente, com muitos anos de advocacia, a que chamamos de professional support lawyer. Várias equipas do escritório têm este tipo de apoio.

O que faz em concreto?

DP – Gestão interna. Apoio na preparação de propostas. Quando temos de formar uma equipa, ajuda-nos a ver quem é que são as pessoas que estão mais disponíveis. Era um trabalho no qual perdíamos muitas horas, em particular os sócios. Também nomeámos mais um sócio, o Tomás Almeida Ribeiro, que foi uma grande mais-valia e que passou a sócio depois de muitos anos de casa.

Continuam a recrutar?

DSL – Sim, estamos sempre. Temos estado a crescer, portanto sim. Obviamente, privilegiamos o crescimento orgânico, mas há sempre, por uma razão ou outra, necessidade de equilibrar.

E estão de pedra e cal na PLMJ?

DP – [Risos] Essa pergunta é boa. Sim. Eu tive um percurso longo noutro escritório [Cuatrecasas] e sai no final de 2016. Espero continuar aqui, porque é já era uma marca de referência na advocacia em Portugal, mas fez mudanças estratégicas nos últimos anos que foram interessantes e colocam-na na fila da frente para os próximos desafios. Neste aspecto, acho que o M&A e o Societário têm feito mudanças interessantes que alimentam a consistência. As pessoas têm de estar alinhadas, ter os mesmos valores e colaborarem.

DSL – Eu comecei noutro sítio, mas sou da casa há muitos anos. Tenho o plano de ficar cá.

Diogo Perestrelo e Duarte Schmidt Lino, coordenadores da área de Corporate M&A da PLMJ Hugo Amaral/ECO

 

Que perspetivas têm em relação à administração Trump para o M&A? Parecem haver duas leituras: uma abordagem pró-negócio, mas depende de com quem…

DSL – Arriscaria dizer que é exatamente isso: pró-negócio, mas com um sentido estratégico de procurar operações de interesse e segurança nacional. Dependendo com quem. Nesse aspeto, acho que estamos bem, porque a Europa e o Ocidente em geral serão aqueles com quem os EUA estarão dispostos a fazer negócios. É claro que há ali um lado protecionista, mas não é novidade. É só a continuação de uma direção que já tinha sido tomada. A divisão do mundo em blocos é sempre mais negativa para a economia do que uma globalização mais acelerada, mas não sei se Portugal, no longo prazo, não iria ser uma das vítimas dessa globalização…

DP – O aspeto positivo é a liberalização da economia. E viu-se logo na tomada de posse. As maiores fortunas dos Estados Unidos na primeira fila, o que demonstra uma grande apetência pelo mercado e pela economia livre e com menos regulação. Os grandes riscos são as taxas aduaneiras mesmo que sejam apenas para a China têm um efeito indireto na Europa e aumentar custos com as suas exportações. O outro é a segurança. Se os Estados Unidos recuarem na NATO e obrigarem os países europeus a aumentarem significativamente os seus orçamentos de defesa. Os orçamentos são o que são… Vamos ter economias mais apertadas em termos de recursos e criar uma tendência de alguma poupança e restrição noutros mercados.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Este é um mercado dos compradores. Vemos processos de venda quase desertos”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião