A situação pandémica trouxe mais litigância, mais ataques cibernéticos e necessidade de adaptação a novas exigências. A relação das empresas com os seguros está em mudança.
A mobilidade aponta para a necessidade de adaptar a oferta nos ramos automóvel (responsabilidade civil e danos) e acidentes pessoais para acompanhar as tendências. Este e outros elementos da mudança na relação das empresas com a indústria seguradora são temas abordados pelo especialista de risco da Marsh Portugal, numa entrevista a ECOseguros.
Como relaciona o regime de confinamento e o teletrabalho com a evolução do risco cibernético?
Se pensarmos que há um ano atrás, e em cerca de apenas três meses, as grandes economias mundiais confinaram e as organizações foram forçadas a adaptarem-se o melhor que puderam e souberam a um regime de trabalho que, até essa data, era meramente uma teoria em estudo – ainda que algo futurista, então, podemos tentar ver pelos olhos de um potencial ‘atacante’: movimentos de última hora; ligações aos sistemas das empresas a partir de casa; pressão para seguir com o trabalho num contexto completamente novo e, de certa forma, generalizado; reuniões presenciais substituídas por ligações remotas em vídeo; partilha das mesmas ligações para trabalho, ensino e vida privada. Em suma, um terreno fértil para explorar, sem sombra de dúvida.
Qual é a sua perceção da capacidade de resposta das organizações em Portugal?
Se nos primeiros dias as organizações procuraram dar conforto aos seus colaboradores e ter a segurança de que os seus negócios poderiam seguir, mais ou menos, como antes, mas em regime de teletrabalho e sem regresso presencial previsto, rapidamente perceberam que nem tudo estava bem e que havia muito mais janelas de oportunidade para que as quebras de segurança ocorressem em termos de número e de severidade. De uma forma geral, as organizações procuraram atenuar essas fragilidades, mas quando olhamos para as estatísticas da especialidade, nomeadamente as de 2020, percebemos que tanto o risco de cibersegurança, como o número de quebras de segurança (por erro humano, ataque ou outro) aumentaram.
Supondo que é possível classificar a adaptação das empresas a eventos adversos inesperados e de grande impacto, e.g. pandemia, como foi a reação dos líderes empresariais, rápida e organizada ou insuficiente e lenta?
São várias as formas de monitorizar (nomeadamente por georreferenciação) o grau de rapidez de como as populações, em particular a portuguesa, responderam aos diversos períodos de confinamento, já para não falar dos seus hábitos sociais de circulação. Avaliando em especial o primeiro confinamento, constatamos que muitas empresas ponderaram a situação e tomaram a decisão de recorrer ao teletrabalho generalizado, antes mesmo do primeiro dia oficial ter sido decretado.
Também se fala em resiliência. Na sua perspetiva, isso é comprovável?
Esta capacidade de tomada de decisão demonstra, na opinião da Marsh, que as organizações estão mais capazes de antecipar decisões de grande impacto, dando provas da sua resiliência, e de que a gestão de riscos faz cada vez mais parte do ADN dos seus decisores.
A pandemia trouxe alterações que se possam considerar permanentes na relação das empresas com os seguros? O que falta às empresas portuguesas ao nível da gestão de riscos?
Sim, como todos os eventos de grande impacto, a pandemia também criou uma marca permanente, incluindo na relação das empresas com os seguros. Contudo, e estando ainda a decorrer, acreditamos que essa marca se irá definindo ao longo do tempo e consoante se conheçam melhor os seus impactos. Considerando a realidade nacional e a experiência da Marsh no seu dia a dia ao longo do último ano, podemos dar alguns exemplos. Estando em cima da mesa, para muitas empresas, a adoção do modelo de teletrabalho, ainda que parcial, essa decisão terá um reflexo direto num dos ramos de seguro mais específicos de Portugal, o seguro obrigatório de Acidentes de Trabalho, devendo, na nossa opinião, levar ao ajuste da lei e, consequentemente, à revisão da apólice uniforme, para que a mesma possa dar uma resposta coerente com um paradigma generalizado em que o acidente pode ocorrer num contexto (desde casa) que é simultaneamente de esfera privada e profissional.
Por outro lado, são já muitas as empresas que reavaliam as políticas de frota e de mobilidade dos seus colaboradores. Para o futuro, acreditamos que haverá a necessidade de adaptar a oferta nos ramos automóvel (responsabilidade civil e danos) e acidentes pessoais para acompanhar as tendências de mobilidade, particularmente o uso crescente de um ou mais tipos de meios de transporte em regime de aluguer ou utilização partilhada, podendo reduzir, a curto médio prazo, o número de viaturas ‘próprias’, quer nas empresas, quer ao nível do contexto familiar.
A situação pandémica trouxe, igualmente, mais litigância, mais ataques cibernéticos, mais cancelamento de eventos e mais pressão para uma adaptação a novas exigências. No entanto, como referi anteriormente, este é um processo em andamento, com o qual todos estamos a aprender, sobretudo seguradores e resseguradores, sendo certo que, para o futuro, a forma como as empresas lidarão com os seguros se modificará.
Como perspetiva a evolução das empresas menos sensíveis aos riscos decorrentes, por exemplo, das alterações ambientais? Os planos estratégicos incluem cenários climáticos?
Os riscos ambientais têm um impacto económico-social fortíssimo, estando naturalmente relacionados com a nossa atitude, com as posições, metas e medidas que são assumidas por cada país e pelas empresas em geral. As empresas menos sensíveis aos riscos ambientais e aos que deles possam decorrer, estarão mais expostas não apenas aos fenómenos naturais, mas também ao escrutínio dos reguladores, do consumidor final e da opinião pública. Os planos estratégicos das organizações têm, de uma forma geral, objetivos de caráter ambiental, mas, citando Saint-Exupéry “um objetivo sem um plano é apenas um desejo”, pelo que é fundamental acrescentar ação urgente e focada. A forma como aqueles que estão distantes de se adaptarem às alterações climáticas (e suas consequências) souberem alterar essa posição, ditará muito sobre o seu futuro.
Da metade que o estudo Marsh revela ter implementado políticas ambientais, que orientações e práticas considera serem mais eficazes para mitigação de riscos dessa natureza?
O nosso estudo nacional, A Visão das Empresas Portuguesas sobre os Riscos 2021, mostra-nos que apenas 5% das empresas afirma que o impacto da pandemia de COVID-19 tenha reduzido a importância da implementação de políticas ambientais. Em contrapartida, 83% afirmou que essa importância se manteve ou aumentou (47%).
Devemos, porém distinguir entre as medidas de mitigação de riscos ambientais – que podem passar pelo reforço ou mudança de localização de infraestruturas para locais de risco menos expostos aos elementos da natureza ou a eventos extremos, pelo consumo mais sustentável de matérias-primas ou pela utilização de energias menos poluentes (só a título de exemplo) –, e medidas de mitigação dos efeitos de riscos ambientais, tais como o acesso a recursos estratégicos (em Portugal ou noutro país em que a empresa esteja presente, ou do qual algum fornecedor crítico dependa), o potencial choque no preço de commodities, a dependência de infraestruturas públicas que possam ser fortemente impactadas, ou até mesmo a exposição aos efeitos sociais que movimentos migratórios em larga escala possam provocar no local em que o negócio esteja implantado.
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Fernando Chaves (Marsh): Teletrabalho e mobilidade vão mudar seguros acidentes trabalho e automóvel
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