A bastonária da OCC falou ao ECO sobre a campanha do IRS. Defende "um portal autónomo" para contabilistas e mais informação aos contribuintes que são confrontados com situações de divergência.
Este ano há mais contribuintes abrangidos pelo IRS Automático — uma declaração totalmente pré-preenchida e pronta a submeter — mas a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) acredita que a medida não vai pôr em causa o papel destes profissionais. Aliás, numa perspetiva diferente, Paula Franco entende que o fim do IRS em papel pode levar mais contribuintes a recorrer a ajuda especializada.
Falando ao ECO sobre a campanha do IRS, Paula Franco explica que a afluência ao Portal das Finanças para entregar a declaração pode gerar problemas no trabalho dos contabilistas e, por isso, defende a existência de um “portal de acesso exclusivo aos contabilistas, precisamente para não haver estes constrangimentos”. Ao mesmo tempo, o calendário fiscal deve ser revisto, para que “as datas não se sobreponham”, diz.
O volume de entrega de declarações de IRS trouxe algum problema ao trabalho dos contabilistas?
Um pouco. Porque como a declaração foi disponibilizada no dia 30, criou ali um excesso de pessoas a acederem ao site e as obrigações para os contabilistas cumprirem ficaram prejudicadas, porque o site esteve sem funcionar alguns momentos, noutros esteve muito lento, o que não permitia depois o cumprimento das obrigações que se dão entre dia 1 e dia 10 de todos os meses, obrigações normais que todos os contabilistas têm.
E não há forma de separar? Ter vias diferentes para contabilistas e particulares?
Isso é uma das coisas que estamos a pedir. É um site, um portal de acesso exclusivo aos contabilistas, precisamente para não haver estes constrangimentos. Embora também estejam a decorrer grupos de trabalho, em que pretendemos rever todo o calendário fiscal e fazer com que as datas não se sobreponham. O que é importante é conseguir aqui um equilíbrio de datas, para que nas datas em que a maior parte dos particulares acede com maior frequência não haja estes constrangimentos para os profissionais, pois têm as suas obrigações normais. Um portal autónomo seria o ideal e, para além disso, todo o grupo de trabalhos que está a tratar do calendário fiscal também vai procurar soluções para estes casos.
Para já ainda não há resposta? Está tudo a ser estudado?
Está tudo a ser trabalhado.
Os contabilistas também já estão a entregar o IRS dos seus clientes ou preferem esperar?
Já estão a entregar. Eu como contabilista já entreguei alguns. Dentro do planeamento que temos, vamos gerindo. Até porque deixar tudo para o fim é complicado.
No conjunto do trabalho dos contabilistas, o IRS é uma parte importante? Ou são mais os impostos relacionados com as empresas?
São mais os impostos que têm a ver com as empresas. Eu diria que o foco dos contabilistas não é no IRS, mas porque são os profissionais aptos a fazê-lo acabam também por ser requeridos para esta função. E há muito tipo de IRS. Há IRS com contabilidade organizada, para quem tem atividade empresarial ou profissional, e aí precisa mesmo de um contabilista e são declarações mais complexas. Depois temos a questão das rendas, vendas de ações, que já são declarações que obrigam a conhecimentos mais expressivos e, portanto, aí deve recorrer-se a um profissional. Mais-valias, vendas de imóveis, tudo o que seja situações que não sejam objetivamente claras para os contribuintes.
As declarações de IRS mais simples são as que menos procuram o apoio dos contabilistas?
Depende um bocado. Acho que hoje em dia os contribuintes têm bastantes dúvidas na entrega e cumprimento destas obrigações. Mesmo nas mais simples. Têm sempre dúvidas se estão a fazer bem ou não e, por isso mesmo, em regra, mesmo as mais simples também recorrem muito a contabilistas.
Acha que a introdução e o alargamento gradual do IRS automático vai fazer com que o trabalho dos contabilistas seja menos necessário no âmbito do IRS?
Não. Há muita confirmação, há verificação antes, não acho que tenha um impacto significativo. Eu diria até que, desde que está tudo automatizado, que apareceu o e-fatura e a confirmação das despesas, muitos contribuintes que faziam o IRS sozinhos passaram a recorrer a profissionais, com o receio de alguma coisa não estar bem, da tal verificação que não é carregar num botão.
Portanto, olhando por um prisma diferente, acha que o fim das declarações em papel pode fazer com que haja mais pessoas a recorrer aos contabilistas?
Sem dúvida.
Com o fim do IRS em papel, muitas juntas de freguesia estão a ajudar os contribuintes na entrega. Concorda com a opção?
Concordo com a opção, que o Governo fez um esforço grande para tentar ajudar todos aqueles que têm que entregar, mas acho que devia ter tido o cuidado — não sei se teve — em pôr profissionais qualificados. Não sei se são pessoas que estão das Finanças, deslocados. Não é um simples trabalhador da câmara que sabe e consegue ajudar os contribuintes nesta obrigação. Espero que se tenham salvaguardado profissionais qualificados e acredito que sim.
Este ano chegou ao terreno uma nova regra relacionada com as deduções da tributação separada. Este tipo de mudanças que influenciam o reembolso tem sido suficientemente divulgado?
Acho que não. São questões muito técnicas, e que, mesmo por muito divulgadas que sejam, nunca se consegue perceber muito bem o que é que está subjacente a isto. O comum cidadão não vai perceber esta matéria. O que o comum cidadão deve fazer é no preenchimento, ou quando puxa a declaração automática, simular para ver o que é mais vantajoso.
Os contribuintes podem ficar a perder dinheiro se não pedirem ajuda?
Podem. Em qualquer caso, porque há muitas regras. Por exemplo, rendimentos de capitais: simples juros de depósitos, etc., têm regra especial de englobamento ou não, em que pode depois só considerar-se 50% do rendimento e, em regra, o englobamento é vantajoso. A maior parte dos contribuintes não tem noção, e acaba por não fazer o englobamento e perdem aquele dinheiro que já lhe foi retido anteriormente. Há muitas questões no IRS que dão para perder ou ganhar dinheiro.
Concorda com a tendência de desmaterialização e de tornar cada vez mais as declarações automáticas?
Concordo. Acho que é muito positivo para a nossa economia e o nosso país, e esse deve ser o caminho, ainda que depois tenha algumas questões que têm de ser salvaguardadas, que é a capacidade do portal para fazer face a tudo isto e as condições também dos contabilistas, nomeadamente em termos de planeamento do seu trabalho.
Entende que é preciso mudar alguma coisa no âmbito do IRS?
Acho que há uma questão muito importante e que seria muito útil se fosse alterada, que é a questão das divergências posteriores.
Quando há problemas numa declaração?
Sim. A apresentação de documentos, a reclamação das divergências, ainda não estão tão ágeis e fáceis para os contribuintes quanto deveriam. A própria divergência devia identificar muito mais claramente os problemas, o que evitaria depois a deslocação de muitos contribuintes ao serviço de Finanças. Muitas têm a ver por exemplo com retenções na fonte que não foram entregues por uma das partes e há depois um desfasamento em que se tem que provar uma série de situações, e isso devia ser muito mais ágil em termos da informação — o próprio serviço de finanças, quando diz que há divergência, informar exatamente qual é.
Há pessoas que são chamadas e não sabem exatamente qual é o problema?
Sabem o problema em termos globais, não em termos particulares.
Essa verificação de documentos tem funcionado?
Tem. Um dos casos em que os contribuintes são quase sempre chamados para apresentar documentos tem a ver com as mais-valias, a venda e compra de imóveis. E isso efetivamente tem trazido muita moralização ao sistema.
A relação entre contabilistas e administração fiscal é boa no esclarecimento de dúvidas?
Os profissionais hoje em dia são muito independentes, até têm mais conhecimentos do que muitos atendimentos dos serviços de finanças. Na maior parte das vezes em IRS, se houver dúvidas, podem ir às Finanças e são esclarecidos. Depende muito. Uma das coisas que temos no nosso programa é que devia haver um atendimento específico para os contabilistas, em que os funcionários das finanças que atendem os contabilistas deviam ter conhecimentos que se adequassem às exigências.
Está a ser discutido?
Ainda não, mas vai ser.
A OCC também defende a declaração offline.
Sim, já ficou disponível. É extremamente importante principalmente para os profissionais da contabilidade. Porque normalmente preenchem declarações mais complexas, que obrigam a mais tempo de preenchimento, e de cada vez que entram e saem de uma declaração, se for a online, têm de se identificar com as senhas e o número de contribuinte. A offline não, permite ir trabalhando, gravando e puxar depois a declaração quando a quiser submeter. E mesmo em termos de peso no sistema, é completamente diferente.
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Fim do IRS em papel pode dar mais trabalho aos contabilistas? “Sem dúvida”, diz bastonária
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