“Há fabricantes portuguesas a alterar projetos de investimento para os EUA”

Para subir vendas para 16 mil milhões, setor dos componentes automóveis terá de ter mais empresas, avisa José Couto, líder da AFIA. Desvio de investimentos para EUA compensa "pipeline longo e caro".

O presidente da AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel destaca a performance das 350 empresas nacionais do setor, mas adverte que o número é insuficiente para fazer subir a fasquia de vendas dos atuais 14,6 mil milhões de euros para um nível superior a 16 mil milhões. É preciso continuar a captar o interesse de investidores estrangeiros para “fazerem uso das empresas que já cá estão a funcionar, das universidades e dos centros tecnológicos” do país.

A sentir desde outubro um abrandamento da procura no setor automóvel, que obrigará os industriais portugueses de componentes a “adaptar o chão-de-fábrica” ao recuo das encomendas, José Couto relata ao ECO que há também várias empresas portuguesas que “alteraram os seus projetos de investimento para se deslocarem para os EUA”. Pela atratividade dos apoios do outro lado do Atlântico, mas também porque a manutenção da produção em território nacional exige um “pipeline longo e caro”.

Qual o perfil das 350 empresas que produzem componentes para a indústria automóvel em Portugal?

As micro e pequenas e médias empresas (PME) serão à volta de 91% do total, as restantes 9% são grandes empresas. Temos empresas internacionais fortes do ponto de vista da faturação e que são fornecedores de primeira linha (Tier 1); depois um conjunto de empresas médias nacionais, que têm à volta dos 250 a 300 trabalhadores. É nas empresas de grande e média dimensão que está alocado o valor mais alto de faturação e de exportação.

E que importância assume o capital estrangeiro neste setor?

Há muitas empresas internacionais a atuar em Portugal, mas a maioria são de capital nacional e têm um peso importante na faturação. Temos hoje um conjunto de empresas nacionais que se foram reforçando em termos de capital e em volume. Podemos dizer que há empresas médias nacionais que competem em termos europeus, com reforço do investimento, em que as competências tecnológicas e das pessoas [que nelas trabalham] são hoje uma referência.

O setor continua a ter capacidade para atrair investimento estrangeiro?

É importante ter empresas de média dimensão em Portugal, que são capazes de ser fornecedores de primeira linha para a indústria automóvel, porque isso é uma forma de poderem consolidar investimentos em Portugal. Quando vem para Portugal, o investimento estrangeiro quer saber que tipo de empresas pode aqui encontrar ao nível de fornecedores de componentes. Os investidores estrangeiros querem saber que tipo de fornecedores podem ter em Portugal e encontrar espaço para produzir aqui. E se tiver fornecedores em Portugal, isso é muito mais interessante do que estar a importar componentes.

Mas continuam a entrar no mercado nacional novas empresas estrangeiras?

Houve uma série delas que investiram em Portugal na área da indústria automóvel. Continua a haver espaço e gostaríamos que a economia portuguesa pudesse crescer com essas empresas, porque significa que elas encontram no país um ambiente propício, não só ao nível de fornecedores, mas também na área dos serviços, da tecnologia, das universidades e da qualidade dos recursos humanos. Os investidores estrangeiros avaliam o ambiente que há aqui para a criação de valor acrescentado e para serem competitivas a nível internacional.

Continua a haver espaço para mais investimento estrangeiro e gostaríamos que a economia portuguesa pudesse crescer com essas empresas porque significa que encontram no país um ambiente propício, não só ao nível de fornecedores, mas também nos serviços, tecnologia, universidades e qualidade dos recursos humanos.

Há interesse e capacidade para fazer crescer as vendas da indústria nacional de componentes para os EUA?

Em 2022, os EUA tiveram um crescimento interessantíssimo. O ano de 2023 já não foi tão forte quanto seria de esperar. Nas nossas exportações, os EUA representam hoje 5,6% do total. Ora, é um valor interessante para um mercado que há uns anos estava moribundo, que não era um destino para a indústria portuguesa.

Mas também é verdade que é mais fácil algumas empresas deslocarem-se para produzir nos EUA do que manterem a produção aqui porque o pipeline é longo e caro. Mas é relevante esta quota de mercado que tivemos no ano passado. Acredito que nalguns componentes possa até melhorar. Seria uma agradável surpresa se aumentasse em 2024.

Há também muitas fabricantes portuguesas a deslocalizar a produção para os EUA para estarem mais próximas do mercado?

Sim. Empresas portuguesas e europeias, até pela proposta que os EUA fizeram para o apoio à produção dentro do país. Há muitas fabricantes portuguesas e europeias de Tier 1 que alteraram os seus projetos de investimento para se deslocarem para os EUA. No caso português, de facto também há empresas que pensaram ter lá uma área de produção e que estão mesmo a concretizar esses planos.

E as eleições agendadas para este ano nos EUA não alteram essas boas perspetivas?

Daqui até às eleições de novembro [que irão opor o democrata Joe Biden ao republicano Donald Trump], há muitas empresas que poderão ou não concretizar os investimentos, outras colocarão a decisão em espera. Mas no caso do México, por exemplo, há um aumento enorme da capacidade instalada por parte das empresas europeias.

É mais fácil algumas empresas deslocarem-se para produzir nos EUA do que manter a produção aqui porque o pipeline é longo e caro. Há muitas empresas portuguesas e europeias que alteraram os seus projetos de investimento para se deslocarem para os EUA.

O setor tem a escala de que precisa para competir com esses concorrentes?

Com 350 empresas temo-nos dado bem, mas para aumentarmos para os 16 ou 17 mil milhões de euros de faturação teremos de aumentar também o número de empresas. A nossa preocupação é sempre captar o interesse de investidores estrangeiros para se instalarem em Portugal e ‘fazerem uso’ das empresas que já cá estão a funcionar, das nossas universidades e centros tecnológicos, para fortalecer o ecossistema e que ele se possa também regenerar. A concorrência é sempre boa.

E estão a estimular também a consolidação no setor?

Procuramos também isso. Temos esse desígnio com o Ministério da Economia de que é preciso encontrar formas e instrumentos de juntar empresas, aumentar a dimensão para podermos ser mais competitivos. Como? Desde logo, com alguns instrumentos financeiros que permitam favorecer este espírito de juntar empresas e criar soluções em que o capital não seja um problema.

José Couto, presidente da AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel

Quais são essas fórmulas que a indústria nacional está a adotar para se manter competitiva?

Falamos de tecnologia. A única forma de estarmos nos novos veículos automóveis é termos processos de desenvolvimento de tecnologia interna para poder responder com soluções tecnológicas cada vez mais competitivas. A única forma de nos mantermos nesta senda é sermos competitivos e, para isso, temos de integrar cada vez mais competências internas do ponto de vista tecnológico e no processo de digitalização estarmos cada vez mais intrincados com os nossos clientes.

Ainda não conseguimos ser tão produtivos como os nossos concorrentes europeus, mas nalguns casos temos muito bons índices de produtividade, o que tem uma influência muito positiva na competitividade.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Há fabricantes portuguesas a alterar projetos de investimento para os EUA”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião