Liberais pedem “coragem” para despedir na Função Pública. “Estado não pode ser entidade para dar emprego”

A líder da IL assume que "com certeza" teria coragem para despedir se chegasse à conclusão que há funcionários públicos a mais e acusa o Governo de não ter um diagnóstico das "necessidades reais".

A presidente da Iniciativa Liberal (IL), Mariana Leitão, admite, em entrevista ao ECO, que se chegasse à conclusão que havia funcionários públicos a mais teria “com certeza” “coragem” para despedir e acusa o Governo de não ter um diagnóstico que permita fazer um levantamento das “necessidades reais” de recursos humanos no Estado.

“Nos últimos dez anos, aumentámos em mais de 100 mil o número de funcionários públicos. Desde que Luís Montenegro é primeiro-ministro, já aumentámos mais 13 ou 14 mil. A pergunta que gostava de saber é qual foi a aferição de necessidades que foi feita para perceber que era necessário contratar estas pessoas?”, questiona.

Tendo em conta que o “Estado Social está esgotado”, Mariana Leitão defende novos instrumentos de estímulo à poupança para a reforma e considera que há “benefícios fiscais” a mais. Para a líder dos liberais, os incentivos deveriam ser alargados a todos, porque se o Estado conseguiu “baixar impostos aqui, porque é que não os consegue baixar para outras pessoas?”, interroga.

A IL tem sido muito vocal sobre a reforma do Estado e a necessidade de diagnósticos sobre a Administração Pública. É preciso avançar com despedimentos na Função Pública?

É preciso mudar a cultura, a forma como olhamos para a Administração Pública. O que é que quero dizer com isto? É preciso, acima de tudo, valorizar os bons funcionários públicos. Atenção, a Administração Pública é uma coisa essencial no nosso país, é aquilo que põe os serviços públicos a funcionar. Portanto, é preciso garantir que os bons funcionários públicos são valorizados, que as pessoas que é preciso contratar são contratadas, que se consegue ir buscar os melhores, que se consegue garantir carreiras atrativas para que as pessoas sintam vontade e queiram trabalhar na Administração Pública.

Mas há funcionários públicos a mais?

Vou ser sincera, há muitas coisas que não consigo perceber e que tento perguntar ao Governo e o Governo também não sabe. Nos últimos dez anos, aumentámos em mais de 100 mil o número de funcionários públicos. Desde que Luís Montenegro é primeiro-ministro, já aumentámos mais 13 ou 14 mil. A pergunta que gostava de saber é qual foi a aferição de necessidades que foi feita para perceber que era necessário contratar estas pessoas? Quando perguntamos ao Governo em que setores, qual é a categoria profissional, quanto é que ganham, o Governo não consegue sequer responder. Chegamos à situação em que o ministro da Educação vem dizer que tem 120 mil professores registados. E, por outro lado, os últimos ordenados pagos nos professores eram 129 mil. Há aqui uma discrepância. São nove mil pessoas. Como é que olhamos para estas situações e ficamos completamente inertes a achar que isto é normal? Não é normal. Antes de se fazer grandes afirmações de que é preciso despedir funcionários públicos, é preciso perceber o estado da Administração Pública. É preciso saber quantas pessoas é que lá trabalham, o que é que fazem…

Mariana Leitão, presidente da Iniciativa Liberal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Mas é isso que o ministro da Reforma do Estado diz que está a fazer, não é?

Está a fazer, mas como é que chegamos a uma situação em que há, pelos vistos, um registo que diz que nove mil pessoas recebem ordenado, mas não estão colocadas a fazer nada. O que é que estão a fazer? Estamos ou não a pagar vencimentos a pessoas que não estão a fazer nada? Quando um Governo nem sequer consegue responder a isto há de facto muita coisa que está errada. Aquilo que pretendemos é uma avaliação séria, um diagnóstico credível. O ministro da Reforma do Estado afirmou categoricamente que não vai despedir ninguém e o senhor primeiro-ministro disse o mesmo. Como é que podem saber? Como é que se não têm números, não têm dados, não fazem a mais pequena ideia do estado real da Administração Pública, podem fazer esta afirmação? Depois dizem que, na média, temos mais ou menos o mesmo número de funcionários públicos que outros países da OCDE. Ou seja, estamos a falar de países que prestam muito mais serviços públicos e com muito mais qualidade. Para fazermos menos e pior precisamos do mesmo número de funcionários públicos. Quando se usa estes subterfúgios para justificar, no fundo, a completa inação perante esta situação. Eu percebo, tanto o PSD e o PS…

Para fazermos menos e pior precisamos do mesmo número de funcionários públicos. Quando se usa estes subterfúgios para justificar, no fundo, a completa inação perante esta situação.

Fazer essa afirmação de despedimentos teria muitos custos políticos.

A questão é essa. Percebo que tanto o PSD como o PS, e até mesmo o Chega, não queiram falar deste tema, queiram fugir deste tema. Porquê? Porque tem custos eleitorais. É óbvio. Ou seja, sei que é isso que eles pensam. Agora, não podemos dizer que temos ímpeto reformista, ou impulso reformista, e não ter a coragem sequer de olhar para este assunto com seriedade. É só isso que pedimos.

Se chegar à conclusão que existem funcionários públicos a mais, é uma coragem que a IL tem?

Com certeza. O Estado não pode ser uma entidade que serve para dar emprego às pessoas. Não é esse o papel do Estado. É óbvio que precisa de recursos humanos, como qualquer entidade, como qualquer empresa. Para termos recursos humanos qualificados, com brilho, com motivação, eles têm de ser bem tratados. Ora, o que é que acontece? Na maior parte das carreiras onde faltam profissionais ou onde precisávamos de ter melhores condições, o Governo não consegue dar melhores condições porque tem restrições orçamentais, porque se calhar não faz esta avaliação séria daquilo que são as reais necessidades da Administração Pública e dos seus vários setores. Pode fazer-se processos de reconversão, pode pegar em pessoas que neste momento estão em funções que se calhar já podiam ser todas elas digitalizadas e automatizadas e dar-lhes formação para as pôr em funções onde fazem falta e há depois a situação de se aquela pessoa não é competente, não trabalha ou não dá o contributo a um nível minimamente satisfatório. Em qualquer organização, o que é que aconteceria a uma pessoa que não cumpre os objetivos ou que é desleixada?

O Estado não pode ser uma entidade que serve para dar emprego às pessoas. Em qualquer organização, o que é que aconteceria a uma pessoa que não cumpre os objetivos ou que é desleixada?

Portanto, para a IL a reforma de Estado implica necessariamente despedimentos.

Não, a reforma do Estado implica saber o que é que o Estado tem, em primeira instância, ter uma noção concreta da realidade do Estado, depois ir aferir necessidades e adaptar a realidade do Estado às necessidades. E se chegarmos à conclusão que aquilo que o Estado tem é demais, ou não serve, ou não está adaptado às reais necessidades das pessoas a quem prestamos os serviços públicos, aí sim é preciso ter coragem para tomar as medidas necessárias. Qual é que é o problema? Diagnósticos fazem-se há décadas. Não se tem coragem para se fazer as afirmações e depois ser consequente com essas afirmações. Quando vejo um Governo anunciar que vai ter um Ministério da Reforma do Estado, tem um ministro Adjunto da Reforma do Estado, faz um debate quinzenal com o título ‘impulso reformista’ e depois, nas questões cruciais, elementares, estruturais de uma reforma do Estado ‘nem pensar nunca na vida vamos despedir ninguém’ é porque não está a ser sério, nem consequente com a tal vontade que diz ter.

E se chegarmos à conclusão que aquilo que o Estado tem é demais, ou não serve, ou não está adaptado às reais necessidades das pessoas a quem prestamos os serviços públicos, aí sim é preciso ter coragem para tomar as medidas necessárias.

No programa eleitoral a IL tinha uma proposta para aumentar a dedução do valor investido em PPR. Nunca chegou a avançar um valor concreto. Mais do que o montante, não seria mais importante pensar na forma como o benefício é calculado, porque concorre diretamente com as despesas gerais?

Essa é uma proposta de promoção da poupança, que é uma coisa fundamental. Temos um modelo de Estado Social, e não sou só eu que o digo, o chanceler alemão, o Presidente francês disseram exatamente o mesmo há relativamente pouco tempo, que está esgotado. Este modelo já falhou, falhou no sentido em que acabou, já não consegue ser sustentável.

Temos de encontrar alternativas.

Temos de ter soluções, porque as pessoas que hoje têm 20 a 30 anos, dificilmente vão chegar à idade da reforma e ter uma reforma digna. Já nós vamos ter alguma dificuldade em tê-la. Se este modelo está esgotado, temos de arranjar alternativas. O objetivo dessa proposta, acima de tudo, é promover a poupança. É tão simples quanto isso.

Não haveria uma forma mais eficaz de incentivar essa poupança?

Pode haver inúmeras formas de incentivar a poupança, mas já sabemos que há sempre muita relutância. Temos no nosso programa, propostas para criar o pilar de capitalização. Temos uma lógica de funcionamento das contribuições e da Segurança Social que assenta também numa lógica das pessoas, além da contribuição que fazem para a Segurança Social, terem mecanismos de poupança que não sejam taxados e que possam ser amortizados, ou deduzidos nos impostos que pagam. Esses mecanismos devem ser fomentados. Isto devia ser quase um conselho para os mais jovens: é muito importante haver uma lógica de poupança, porque o Estado não consegue garantir que a Segurança Social é sustentável. Neste momento, há um certo equilíbrio. Mas, todos os anos, são muito mais as pessoas que se reformam do que as que entram para o mercado de trabalho, o que significa que é muito mais o que vamos pagar de pensões do que as contribuições que estamos a receber. Este desequilíbrio hoje está um bocadinho, aparentemente, mais equilibrado por causa de outros fatores, nomeadamente a imigração. Mas a verdade é que os fluxos migratórios são alteráveis. Hoje vem muita gente para Portugal, amanhã podem ir para outros sítios. E estas pessoas vão ter de beneficiar dos descontos que estão a fazer.

Mas, quando há este desequilíbrio, temos de ter alternativas. E as alternativas, obviamente, também passam muito por as pessoas terem uma lógica de poupança, que o Estado promove zero. Tudo o que poderia ser útil para promover, nomeadamente, essa proposta que fizemos, nunca tem grande acolhimento. Vai ficar sempre esta lógica um bocado errada de olhar para o próprio problema.

Mariana Leitão, presidente da Iniciativa Liberal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

A Unidade Técnica de Avaliação Tributária e a Aduaneira entregou um relatório com uma proposta de redução de benefícios fiscais — cortes em 20 benefícios fiscais –, que poderia gerar uma poupança de 1,7 mil milhões de euros. Devem ser eliminados alguns benefícios fiscais. Quais?

Há alguns benefícios fiscais que tenho muita relutância. Por exemplo, temos um programa que é, no fundo, um benefício fiscal, para os jovens que emigraram e que depois voltam para o nosso país e que durante alguns anos pagam uma taxa de IRS muito mais baixa. Creio que a taxa é 15%. Se conseguimos ter isso em vigor para os jovens que emigraram e que voltam para o nosso país como forma de fomentar o regresso, porque é que não temos isso para todos?

O que queremos é que os ditos benefícios fiscais sejam para as pessoas todas, que todos possam ter acesso a esses benefícios fiscais.

A Iniciativa Liberal não subscreve uma lógica de benefícios fiscais por aí além, porque estamos a discriminar sempre realidades que em muitas circunstâncias até podem ser semelhantes. O que queremos é que os ditos benefícios fiscais sejam para as pessoas todas, que todos possam ter acesso a esses benefícios fiscais. Agora, é óbvio que podem ser úteis num ou noutro no setor, num determinado momento, como forma de resolver uma determinada questão. Quisemos trazer os nossos jovens de volta para o nosso país, e bem, compreendo. Criámos um regime mais favorável. Mas nunca podem ser coisas que depois permanecem no tempo para sempre, porque devem ser situações de exceção para corrigir uma determinada situação ou para promover uma determinada questão que se queira e que faça sentido naquele momento, mas não podem estar em vigor para sempre. Percebo que haja de facto uma poupança significativa com isso. Há, de facto, demasiados benefícios fiscais. O desafio que deixo muitas vezes é olhar-se para os benefícios fiscais e perceber se o Estado conseguiu baixar impostos aqui, porque é que não os consegue baixar para outras pessoas?

Se se conseguiu criar condições favoráveis, se se percebeu que aquilo era fundamental para que os jovens se sentissem atraídos pelo nosso país, então porque é que isso não está em vigor? Com as taxas que temos atualmente de IRS e com a crise de habitação que temos, o que está a acontecer é os jovens irem-se embora. É preciso também olhar para isso com alguma seriedade e perceber que essas exceções devem ser isso mesmo, exceções e não mais do que isso. E muitos desses benefícios fiscais já estão em vigor há décadas.

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