“Nada contra que as contas das sociedades possam ser públicas”

Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha Ecija, e José Luís da Cruz Vilaça, sócio fundador da CVA, falam pela primeira vez e em exclusivo sobre a fusão dos dois escritórios.

Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha Ecija, e José Luís da Cruz Vilaça, sócio administrador e fundador da CVA, falam à Advocatus, pela primeira vez e em exclusivo, sobre a fusão dos dois escritórios.

A área do Direito Europeu e da Concorrência era algo que estava, “há muito, sinalizado, e como sendo crítico para prosseguir a nossa estratégia de sermos uma verdadeira one stop shop”, explica Antas da Cunha. Por outro lado, Cruz Vilaça garante que o seu escritório beneficia “automaticamente das sinergias que se geram pela integração numa grande sociedade full service, que cobre um amplo espetro de valências”.

Porque escolheram a Cruz Vilaça para esta fusão/integração? No caso da CVA, quais as vantagens que terão em estar numa estrutura maior e de cariz internacional?

Fernando Antas da Cunha (FAC): Sendo a Antas da Cunha uma sociedade full service, continua a existir espaço, bem como necessidade, de reforçar ou criar áreas que ainda não temos, ou áreas que necessitam de ser reforçadas. Numa sociedade como a dimensão da nossa, a área do Direito Europeu e da Concorrência era algo que estava, há muito, sinalizado, e como sendo crítico para prosseguir a nossa estratégia de sermos uma verdadeira one stop shop.

Ora, sabemos que não existem muitas sociedades com esta especialidade, nem tão pouco muitos advogados disponíveis no mercado. Tendo existido a oportunidade de uma integração de uma boutique com a reputação e reconhecimento nacional e internacional como as da Cruz Vilaça, não hesitamos um segundo, e colocámos todos os esforços e energias para conseguirmos chegar a um acordo. Não temos qualquer dúvida em afirmar que integramos a melhor equipa existente nesta área.

José Luís da Cruz Vilaça (JLCV): Uma sociedade boutique altamente especializada, como é a CVA, beneficia automaticamente das sinergias que se geram pela integração numa grande sociedade full service, que cobre um amplo espectro de valências. Uma operação de integração deste tipo permite-nos, antes de mais, beneficiar de efeitos de escala, bem como das eficiências geradas pelo cross selling interno e pela existência de serviços de apoio profissional que servem todo o Escritório. Por outro lado, a desejável interpenetração crescente entre os nossos domínios de prática e as outras áreas de atividade da Antas da Cunha apoia-nos em tudo o que sejam áreas (transacional, societário, contencioso, administrativo ou outros ramos especializados) conexas com as nossas especialidades core. Criam-se, assim, para todo o Escritório, novas e imensas oportunidades de serviço integrado aos clientes.

 

Que balanço faz destes quase dez anos, desde que está à frente do escritório da Antas da Cunha?

FAC: Impossível ser melhor. Tem sido um caminho incrível. Factos como, por exemplo, sermos a sociedade que mais cresce há cinco anos consecutivos, termos sido reconhecidos pelo Financial Times como a Sociedade mais Inovadora da Europa Ocidental, contarmos com um talento extraordinário, termos criado áreas que não existiam no mercado, termos crescido de sete para 180 pessoas, fazem destes primeiros nove anos um enorme sucesso.

E em termos de volume de negócios do escritório?

FAC: Em 2015, quando iniciámos, tínhamos uma faturação de 800 mil euros. Contamos acabar 2024 com perto de 16 milhões de euros.

Não tenho quaisquer dúvidas de que muitas sociedades vão aproveitar o novo regime legal para deixar de estarem obrigatoriamente sujeitas ao regime da transparência fiscal. É absolutamente ridículo e não faz qualquer sentido. As sociedades devem ser livres de escolher o regime que mais se adequa à sua própria realidade

Fernando Antas da Cunha

A chegada da CVA vai ajudar nesse volume de negócio em que sentido?

FAC: Com toda a certeza. A CVA já era uma sociedade muito rentável. Ao integrar-se na Antas da Cunha, fará com que o crescimento ao nível do volume de negócios seja acelerado.

Que mais-valias considera que a Cruz Vilaça traz aos seus clientes?

FAC: Cada vez mais, em termos de legislação e regulação, estamos sujeitos ao Direito Europeu. Por vezes tendemos a esquecer que a resolução dos problemas poderá estar, precisamente, no âmbito desse Direito. Na Antas da Cunha, sempre trabalhámos com equipas multidisciplinares. Ao contarmos com uma equipa com o conhecimento como o da CVA, as soluções para os problemas dos nossos Clientes saem muitíssimo reforçadas.

Já o Direito da Concorrência cada vez assume maior destaque, em particular num contexto de fusões e aquisições. Acresce que, ao crescermos no âmbito da dimensão internacional dos nossos clientes, contar com esta especialidade é algo que nos deixa muito confortáveis.

Finalmente, tendo a CVA um conjunto de relações privilegiadas, não só com os clientes aos quais presta serviços, como com as sociedades internacionais de advogados com que se relaciona, cria uma enorme oportunidade de cross selling com outras áreas do escritório.

JLCV: Gostaria apenas de acrescentar às judiciosas considerações do Fernando que a omnipresença do Direito Europeu exige, hoje em dia, o contributo de um sólido conhecimento global do ordenamento jurídico da União Europeia, dos seus mecanismos e das suas relações com os direitos nacionais dos Estados membros, incluindo Portugal. Neste plano, tão importante como identificar corretamente o problema a resolver é descobrir o caminho para chegar à solução. Quantas vezes esse caminho se encontra no Direito da UE, sem que disso se suspeite à partida. Acrescentaria que o direito da concorrência constitui, para as empresas, um pano de fundo inevitável em termos de compliance e de prevenção relativamente a qualquer transação e à sua atividade em geral. Enfim, o facto de termos, na CVA, uma atividade que nos relaciona com empresas e sociedades de advogados em quatro ou cinco continentes é uma circunstância que aproveitará a sociedade de que passamos agora a fazer parte.

Qual o plano estratégico da Antas da Cunha Ecija para os próximos três anos?

FAC: Ao nível do volume de negócios, no início de 2023, por ocasião de uma reunião de sócios ao nível internacional, apresentámos um plano estratégico para cinco anos, a terminar em 2028. Justificando como atingir o crescimento a que nos propomos, apresentámos como meta duplicar a faturação que tínhamos tido no ano de 2022, ou seja, aproximadamente 10 milhões €. Estando praticamente no final do ano de 2024 e faltando ainda 3 anos para o final de 2028, estamos muito confortáveis quanto ao cumprimento dos objetivos a que nos propusemos.

Ao nível do posicionamento da firma, temos vindo a subir degraus muito significativos em todas as áreas do escritório, pelo que queremos continuar a crescer ao nível da reputação e capacidade da sociedade. Finalmente, ao nível do posicionamento de Clientes, temos vindo a crescer muito naquilo que denominamos “exportação de serviços”, ou seja, atrairmos clientes internacionais, pelo que temos um longo caminho até atingirmos as percentagens de faturação com este tipo de clientes. Para tal, será fundamental a criação de alianças estratégicas, tais como aquelas que já temos vindo a concretizar.

O nome do escritório vai manter-se?

FAC: Sim, o nome do escritório não se vai alterar. Sem prejuízo, sendo o nome Cruz Vilaça tão reputado ao nível do Direito Europeu e da Concorrência, estamos a estudar formas de o manter como fazendo parte do presente e do futuro da Antas da Cunha.

O país precisa de estabilidade política, que garanta uma governação eficaz e eficiente. Uma crise política nestas circunstâncias seria muito prejudicial a Portugal. Seja quem for que inviabilize o OE deverá pensar nos custos, de reputação e económicos, para o país

José Luís da Cruz Vilaça

Quais são as expectativas para o setor da advocacia em 2025?

JLCV: Vivemos tempos algo turbulentos e o exercício da advocacia em Portugal, para mais objeto de reformas recentes na sua organização e regulação, acaba por estar, como sempre, no olho do furacão. Em termos de negócio enquanto tal, pode dizer-se que as perspetivas não são más, sobretudo se a atividade económica prosseguir um percurso de recuperação em relação ao passado recente, tendo a pandemia como o ponto mais relevante e decisivo em termos de efeitos, e efeitos poderosos, sobre a generalidade das empresas, dos serviços e dos países. No que respeita ao papel dos advogados na reforma do sistema de justiça em Portugal, que é decisivo, requer-se a sua participação e presença na respetiva discussão e posterior execução, que tardam. As frentes de reforma são múltiplas e devem ser abordadas com determinação e visão de conjunto, porque os problemas são numerosos e graves, desde a morosidade e a burocratização, até à resposta aos novos contenciosos em áreas de tecnologia de ponta, passando pela formação dos operadores e pela reforma da justiça penal, administrativa e fiscal. Institucionalmente, a expectativa é que as escolhas feitas, e a fazer, para alguns dos órgãos mais importantes do aparelho de justiça em Portugal, a começar pelo novo Procurador-geral da República, coloquem como prioridade a respetiva reforma, de forma a devolver aos agentes jurídicos e judiciais, a respeitabilidade e credibilidade em grande parte perdidos.

FAC: Acredito que vamos assistir a mais movimentos de concentração e alguma propensão para algumas firmas internacionais olharem para o nosso mercado. Acreditamos, igualmente, que vai haver uma contínua procura por talento, o que torna o exercício de retenção mais exigente. Ao nível do desempenho económico, não prevemos que as coisas sejam muito diferentes do que têm sido nos últimos anos.

Que reforma espera a curto prazo para Portugal em 2025?

JLCV: A reforma do modelo de formação de magistrados e advogados. Tornar a justiça em Portugal, de lenta e ineficaz, a uma justiça rápida e de qualidade: de outro modo, enfraquece a democracia e pesa sobre a economia. Exige-se a racionalização dos procedimentos, a simplificação dos processos, uma aplicação eficaz e eficiente das novas tecnologias, mas também uma formação que ponha os candidatos ao exercício de qualquer profissão e mandato jurídico em contacto com as realidades, de preferência com um tronco comum de formação que a todos permita, em igualdade de circunstâncias, uma escolha de via profissional mais informada. Os megaprocessos estão no cerne dos problemas, novos e mais céleres métodos de resolução de conflitos devem ser adotados, como já sucede com a arbitragem institucionalizada em matéria fiscal. Maior transparência, limites de tempos de palavra e de páginas, uma redação de sentenças e acórdãos que o cidadão compreenda e que dispense infindáveis repetições desnecessárias, uma política de comunicação de uso e compreensão fáceis. Como já se tornou evidente, a reforma da política de justiça penal é também urgente. Uma reforma que, tal como se espera que a justiça venha a ser em Portugal, seja célere e logo aplicada.

Quais são os principais desafios que a transformação digital acarreta para as sociedades de advogados?

JLCV: O desafio primordial é o mais lógico: usar os recursos digitais para otimizar o exercício da advocacia, tirando deles todas as vantagens possíveis. Sem receio da concorrência que pode resultar da utilização dos novos métodos e ferramentas resultantes da aplicação das novas tecnologias, em que avulta, ainda como desafio e ponto de interrogação sobre o futuro, a própria inteligência artificial, a qual será, estou certo, um poderoso e, mais tarde ou mais cedo, obrigatório, instrumento de exercício da profissão. E é também, cada vez mais, um meio para chegar a um fim crucial para qualquer sociedade de advogados: identificar e gerar condições e instrumentos para melhor satisfazer as necessidades dos seus clientes.

FAC: O desafio principal será o nível dos próprios advogados. O modelo que hoje temos de funcionamento e de prestação dos nossos serviços está a mudar radicalmente e muito mais rápido do que aquilo para o que estamos preparados. Todas as ferramentas que temos ao nosso dispor, em maior quantidade e a preços mais acessíveis, fazem com que esta revolução seja inevitável. Estamos convencidos de que o perfil dos advogados também terá de mudar, ou seja, muito mais centrado no conhecimento profundo das atividades e das empresas dos nossos clientes, ao invés de um perfil mais executivo. O elemento distintivo vai ser o conhecimento profundo das diferentes indústrias e da proximidade junto dos nossos clientes.

A figura do rainmaker é um clássico dos escritórios. Que relação tem com o tema: pressão ou neutralidade?

JLCV: Na nossa opinião, numa sociedade de advogados não é tão importante quem convoca a chuva e o bom tempo, mas antes de que forma eles – a chuva e o bom tempo – se espalham pela sociedade, beneficiam e inspiram todos os advogados. Mas é fundamental que uma sociedade tenha uma referência com a qual se identifique, em particular quando se trata do seu fundador. A Antas da Cunha tem essa referência e essa é uma das suas forças. O direito é uma profissão de pessoas para pessoas, e os novos recursos digitais deverão também ser um meio para um fim, isto é, para comunicar e apresentar ao público a sua oferta de serviços, os seus recursos – a sua identidade e cultura societária, acima de tudo. O rainmaker continuará a ser uma figura central no funcionamento dos escritórios, tendo sempre em vista o interesse geral, o desenvolvimento, a coesão e a preservação da cultura profissional da sociedade a que pertence.

FAC: Numa atividade de serviços profissionais, a figura do rainmaker é incontornável. É verdade que devemos prosseguir um objetivo de construção de marca, ou seja, a marca em si mesma sobrepor-se aos sócios. Sem prejuízo, a figura do rainmaker é central na construção e manutenção de uma marca que se pretende forte e duradoura. Naturalmente que ele precisa de toda uma equipa que garanta a entrega, a qualidade, a velocidade de resposta. Assim, uma verdadeira equipa é aquela que congrega diferentes perfis que se complementam entre si.

Concorda que a faturação das sociedades de advogados deveria ser pública?

JLCV: Não vejo qualquer problema nisso, quanto aos montantes globais, uma vez que o mais releva do segredo profissional, que é um dever “sagrado” dos advogados. Para além disso, é importante que, sendo-o, o seja de forma contextualizada – isto é, saber-se, também publicamente, qual a dimensão da sociedade em causa, o que respeita de forma direta à respetiva rentabilidade, para além de todas as dificuldades, exigências e responsabilidade que recaem sobre os profissionais do direito em geral e os advogados em particular. Na sociedade moderna, e de forma aguda no espaço público hoje tão povoado, comentar questões financeiras, e desde logo quanto ganha quem, assume cada vez mais um papel relevante e presta-se a especulações que não têm, eventualmente, nada a ver com o essencial. Será importante que essa publicidade não contribua para uma ainda maior discriminação e crítica fácil aos advogados.

FAC: A cultura da Antas da Cunha assenta numa base de transparência e verdade. Neste sentido, absolutamente nada contra que as contas das sociedades possam ser públicas.

O poder político está (finalmente) com vontade de mudar o estado das coisas na área do combate à corrupção?

JLCV: Parece estar, mas se me permite uma dose de ironia, já parece há muito tempo. Nem se pode dizer que não haja recursos suficientes, incluindo os normativos, para que a corrupção seja, não digo erradicada, porque isso não parece sequer viável – por mais que a expulsem pela porta da frente acaba sempre por entrar pela janela do lado -, mas contida e reduzida. Para o lograr, deverão conjugar-se três fatores:

Vontade política, para permitir que o combate à corrupção tenha à disposição os meios suficientes à obtenção de resultados positivos e para que ninguém fique impune, seja qual for o seu estatuto; que se proceda às reformas indispensáveis para que a justiça, particularmente em crimes dessa natureza, aja de forma célere, clara e eficaz; que o juízo moral, coletivo, sobre os atos de corrupção, lance um efetivo anátema sobre os prevaricadores e exija para eles uma punição exemplar.

O que é que é ou será inadiável na justiça, para si?

JLCV: Independência dos juízes. Celeridade. Transparência e clareza. Respeito escrupuloso pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito. Respeito pelos agentes da justiça. Devolver prestígio e respeitabilidade ao setor e aos que o servem. Cumprimento rigoroso das regras deontológicas.

Institucionalmente, a expectativa é que as escolhas feitas, e a fazer, para alguns dos órgãos mais importantes do aparelho de justiça em Portugal, a começar pelo novo Procurador-geral da República, coloquem como prioridade a respetiva reforma, de forma a devolver aos agentes jurídicos e judiciais, a respeitabilidade e credibilidade em grande parte perdidos

José Luís da Cruz Vilaça

O Governo deveria fazer um acordo com o PS para a viabilização do OE?

JLCV: O país precisa de estabilidade política, que garanta uma governação eficaz e eficiente. Uma crise política nestas circunstâncias seria muito prejudicial a Portugal. Seja quem for que inviabilize o OE deverá pensar nos custos, de reputação e económicos, para o país. Isto dito, cada partido terá naturalmente de prestar contas ao respetivo eleitorado, o que passa por não viabilizar instrumentos de política que possam chocar com as convicções daqueles que neles votam. No fundo, exige-se bom senso de todas as partes envolvidas e, sobretudo, que se evitem crispações e radicalismos sectários.

E deve ceder na descida do IRC e IRS Jovem?

JLCV: Não sei é se essa descida, nos termos em que está prevista, representa o apoio que os jovens portugueses necessitam. Nem se a descida do IRC chega para reanimar a economia portuguesa. Mas num país fustigado com impostos e com um baixo nível médio de rendimentos, o ótimo é inimigo do bom e o pior seria que medidas populares, mas pouco sustentáveis, levassem a um novo e preocupante desequilíbrio das contas públicas. Mas isto dito, empresas e jovens são peças basilares do funcionamento de qualquer sociedade e Portugal não foge à regra (na verdade, talvez a confirme e de forma clara e incisiva) – é indispensável que o país consiga reter os seus jovens, dando-lhes condições adequadas a uma vida digna, sobretudo quando ela, na sua forma mais ativa, está a começar. Para isso, o importante, mais do que medidas avulsas e pontuais, é a competitividade da economia, isto é, das empresas, não tolhidas por cargas fiscais, e outras, absurdas, porque contraproducentes.

Montenegro deveria dar uma nova oportunidade ao Chega nas negociações para o OE?

JLCV: É um problema entre o Chega e o primeiro-ministro e que só entre eles deve ser dirimido. Uma coisa sei: decisões de votar ou não o OE, prévias ao conhecimento do seu conteúdo, são no mínimo estultas.

Um dos temas que tem provocado alguma polémica é o tema que é muito querido aos advogados da Caixa de Previdência. Pergunto a vossa opinião relativamente à possível integração dos advogados no regime geral da Segurança Social?

JLCV: A existência de uma Caixa de Previdência autónoma dos advogados é uma das grandes vantagens do seu estatuto, pois lhes permite gerir a sua carreira, nomeadamente a contributiva, sem depender do Estado. Na minha opinião, o sistema da CPAS merece ser preservado, quiçá introduzindo elementos de flexibilização que favoreçam os mais jovens advogados e levando a contribuições mais relevantes por parte das grandes (e médias) sociedades de advogados.

FAC: Somos objetivamente contra. Antes do mais, trata-se de uma enorme injustiça. Durante décadas as sociedades de advogados e os advogados, precisamente por terem um regime que lhes é próprio, a maior parte das vezes tiveram de se substituir à segurança social. Historicamente, o nosso sistema de previdência assenta, essencialmente, na defesa da reforma dos advogados. Durante toda a vida útil de uma carreira, ou é o próprio advogado que assume o risco das eventuais incapacidades a que possa vir a estar sujeito ou, no caso das sociedades de advogados, de forma inequívoca, são as que pagam o período de parentalidade, assim como os períodos de doença dos seus associados.

E relativamente às alterações aos estatutos e lei dos atos próprios, ainda da responsabilidade do governo socialista. A independência da advocacia pode estar em causa?

JLCV: Talvez se tenha ido longe de mais. Mas também é certo que a multidisciplinariedade é uma realidade incontornável e provavelmente inevitável. Recordo que há muitas outras atividades e profissões, a começar pelos consultores financeiros e de gestão, que vêm bebendo nas águas do direito, oferecendo serviços mistos e com grande sucesso. Os advogados não podem, nem devem, ser discriminados. Mas o que venha a suceder deve preservar escrupulosamente a deontologia de cada atividade e profissão.

Quanto a outro tema polémico que é o da transparência fiscal. Acham que alguns escritórios vão se tornar sociedades multidisciplinares só para deixarem de ter este regime fiscal?

JLCV: A transparência fiscal é um regime com tantos aspetos positivos como com consequências gravosas para quem é obrigado a estar-lhe sujeito. Muitos escritórios terão naturalmente essa tendência e não me parece que seja uma má ideia.

FAC: Não tenho quaisquer dúvidas de que muitas sociedades vão aproveitar o novo regime legal para deixar de estarem obrigatoriamente sujeitas ao regime da transparência fiscal. É absolutamente ridículo e não faz qualquer sentido. As sociedades devem ser livres de escolher o regime que mais se adequa à sua própria realidade.

Quais as diferenças do mercado da advocacia de hoje, face há 20 anos?

JLCV: A evolução mais recente no que toca aos recursos e mecanismos trazidos pelas tecnologias, o elevado grau de especialização a que se submetem os mais jovens, em particular, com exigências novas por parte das empresas, a tendência para a multidisciplinariedade e uma cada vez maior globalização da prestação de serviços jurídicos: difícil é encontrar pontos de contacto que recordem aquilo a que poderia chamar “os tempos heróicos da advocacia”.

Vivemos num Mundo completamente novo, também na advocacia. Não sei se admirável, mas pelo menos é preciso saber estar e viver nele.

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