Américo Oliveira Fragoso integra a VdA desde 2013. É sócio co-responsável da área de Laboral. Em entrevista à Advocatus, o advogado fala sobre o mercado laboral e as recentes alterações legislativas.
Américo Oliveira Fragoso integra a VdA desde 2013. Sócio co-responsável da área de Laboral onde tem trabalhado na prestação de assessoria a clientes nas diversas áreas do Direito do Trabalho e da Segurança Social, ao nível das relações individuais bem como das relações coletivas de trabalho.
Participou em diversos processos de reestruturação societária, em representação de clientes nacionais e estrangeiros, prestando aconselhamento na vertente da transmissão, aquisição e venda de empresas ou de áreas de negócio e conduzindo procedimentos para a cessação de contratos de trabalho.
A assessoria prestada inclui também a planificação e implementação de planos de pensões e de benefícios em empresas, bem como aconselhamento nos temas de futuro da assessoria Laboral relacionados com digitalização, IA e Labour Tech. Trabalha ainda regularmente em diversos processos de contencioso laboral. Em entrevista ao ECO/Advocatus, o advogado fala sobre o mercado laboral e as recentes alterações legislativas.
Quais as novidades legislativas e no mercado laboral a marcar a área Laboral em 2025?
Considerando o atual contexto político – marcado pela demissão do Governo e dissolução da Assembleia da República ocorridas, respetivamente, a 11 e 20 de março, e pela consequente realização de eleições legislativas previstas para o próximo dia 18 de maio – torna-se difícil antecipar quais serão as novidades legislativas na área laboral em 2025.
É importante recordar que a legislação laboral foi alvo de uma ampla reforma em 2023, no âmbito do chamado programa da Agenda do Trabalho Digno e que, após a mudança de Governo em abril de 2024, a nova administração tinha manifestado a intenção de revisar alguns aspetos dessa reforma, nomeadamente, o teletrabalho, o banco de horas e o período experimental, a presunção do contrato de trabalho e o trabalho nas plataformas digitais, a remissão abdicativa dos créditos laborais, a suspensão dos despedimentos pela ACT e o outsourcing. A eventual revisão destas matérias dependerá agora da orientação política do Governo que resultar das eleições de maio.
No âmbito da legislação europeia, aguardamos a transposição de três Diretivas que poderão trazer algumas alterações ao nosso ordenamento jurídico: a Diretiva (UE) 2024/2831, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais; a Diretiva (UE) 2023/970, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 2023, para reforçar a aplicação do princípio da igualdade de remuneração por trabalho igual ou de valor igual entre homens e mulheres através de transparência remuneratória e mecanismos que garantam a sua aplicação; e a Diretiva (UE) 2022/2041, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativa a salários mínimos adequados na união europeia. Em particular, a transposição desta última Diretiva deveria ter ocorrido até 15 de novembro de 2024, mas a respetiva iniciativa legislativa, já aprovada na generalidade, acabou por caducar com a demissão do Governo, sendo expectável que este tema seja uma prioridade para o novo Executivo, embora sejam de prever apenas ajustes pontuais à legislação existente em Portugal. Quanto às duas primeiras Diretivas, os prazos de transposição terminam em 2026, pelo que é possível que as adaptações legislativas que delas decorrem para o ordenamento jurídico nacional não se concretizem ainda este ano.
Considerando o atual contexto político – marcado pela demissão do Governo e dissolução da Assembleia da República ocorridas, respetivamente, a 11 e 20 de março, e pela consequente realização de eleições legislativas previstas para o próximo dia 18 de maio – torna-se difícil antecipar quais serão as novidades legislativas na área laboral em 2025″
A nossa legislação laboral compatibiliza-se com um país de salários altos e de pleno emprego e emprego estável?
A questão convoca diferentes temáticas que extravasam a avaliação sobre a legislação laboral nacional. Em rigor, e embora seja manifesto que os salários altos e o pleno emprego constituem desígnios coletivos, julgo, todavia, que a resposta para os alcançar não se encontra apenas nas especificidades da nossa legislação laboral.
As razões para que Portugal se caracterize, por comparação a outros países, como um país de baixos salários, são essencialmente estruturais e encontram justificação em fatores económicos, sociais, fiscais e também históricos.
A defesa de políticas nacionais de salários altos e de pleno emprego não é efetiva se não se gerar riqueza e as economias não forem competitivas, o que, no caso de Portugal, implica também necessariamente, no meu entendimento, uma reflexão sobre o papel e dimensão do Estado e uma clara definição sobre as suas prioridades de intervenção. Dito de outra forma, não se pode impor por decreto uma política de salários altos, pleno emprego e emprego estável se as empresas e entidades que os suportam não tiverem (nem lhes forem conferidas) condições para o efeito, sob pena de se criarem situações artificiais que, a prazo, não serão sustentáveis.
Feita esta ressalva sobre algumas das razões que dificultam o pagamento de salários altos em Portugal e respondendo diretamente à questão colocada, entendo que a legislação laboral portuguesa, embora não impeça objetivamente que as empresas paguem salários altos, a verdade é que, em muitas das suas matérias cruciais, não tem contribuído para que tal suceda, mantendo uma visão sobre as relações laborais ultrapassado em diversos aspetos. A atual legislação não tem promovido, salvo casos pontuais, as prioridades dos trabalhadores e empresas que se têm transformado ao longo dos tempos.
Concretizando, não obstante as constantes e sucessivas alterações à legislação laboral, a verdade é que a mesma se continua a pautar, entre outros fatores: (i) pela rigidez de muitos dos seus institutos e princípios, alguns deles datados e desajustados às novas realidades; (ii) pela escassez de mecanismos de flexibilidade, sobretudo em matérias retributivas e relacionadas com os tempos de trabalho; (iii) pelas restrições à autonomia privada das partes na regulação das relações laborais; (iv) pela desequilibrada proteção conferida aos trabalhadores em matéria de cessação; (v) pela visão enviesada de que todas relações contratuais de prestação de serviço são potencialmente falsas relações laborais e que, portanto, merecem enquadramento laboral; e, finalmente, (vi) por uma atuação errática em matéria de regulação da contratação coletiva tornando-a pouco apelativa e destituída de dinamismo.
Em síntese, considerando todos estes aspetos sobre a legislação laboral, a que se juntam também os aspetos estruturais que referi, parece-me evidente que a nossa legislação laboral não contribui, de todo, para conferir maior competitividade ao nosso mercado laboral, o que seria um dos fatores cruciais para assegurar o aumento salarial, estabilidade salarial e pleno emprego.
Em rigor, a descrita rigidez do nosso quadro legal acaba, na sua quota de responsabilidade, por ser perniciosa nos seus efeitos práticos, como aliás se atesta pelo facto de Portugal, infelizmente e paradoxalmente, continuar a apresentar como um dos seus principais fatores de competitividade precisamente os seus baixos salários. É, portanto, manifesto que, enquanto país, não estamos a trilhar o caminho certo em matéria de competitividade do nosso mercado laboral.
A defesa de políticas nacionais de salários altos e de pleno emprego não é efetiva se não se gerar riqueza e as economias não forem competitivas, o que, no caso de Portugal, implica também necessariamente, no meu entendimento, uma reflexão sobre o papel e dimensão do Estado e uma clara definição sobre as suas prioridades de intervenção”
Que condições precisam de existir para que tal seja uma realidade?
Tal como referi anteriormente, as condições para que Portugal não seja um país de salários altos e pleno emprego resultam, no meu entendimento, essencialmente de razões estruturais, sociais, fiscais e históricas.
Em coerência com o exposto, julgo que a possível transformação de Portugal num país de salários altos e de pleno emprego implicará uma alteração estrutural consensual e profunda de diversos aspetos que condicionam a nossa competitividade e limitam a gestão da nossa limitada riqueza que se alicerça ainda muito em fundos europeus.
Em particular, entre outros aspetos, entendo que é necessário repensar profundamente o papel, missão e dimensão do Estado na nossa comunidade, ajustando-o, de forma descomplexada, aos nossos níveis de riqueza de acordo prioridades que sejam consensualizadas. Mais do que um Estado burocrático com uma missão constitucional ambiciosa que, em termos práticos, se desmultiplica, direta ou indiretamente, em entidades e serviços, de utilidade discutível e pouco eficientes, é necessário um Estado de missão menos ambiciosa, de menor dimensão, de matriz mais reguladora, com serviços menos burocráticos, mais eficientes e focados em temas prioritários para a nossa comunidade.
A desejável redução das cargas tributárias que esta transformação acarretaria, associada aos incentivos ao mérito, menores condicionamentos burocráticos e abertura de maior espaço à iniciativa privada, julgo que seriam fatores transformacionais em Portugal, que, entre outros, para além da aposta na Educação e Inovação, poderiam exponenciar a competitividade do país e das empresas nacionais, e consequentemente conduzir a um mercado de salários altos e de elevado emprego.
E o que precisa de mudar?
Como referido, muitas transformações estruturais teriam de ocorrer para que Portugal passasse a ser um país de salários altos, pleno emprego, e emprego estável. Devo, contudo, referir que, em relação ao objetivo do “emprego estável”, tenho dúvidas sobre o seu alcance prático. Se por estabilidade se procura repescar a ideia de “emprego para vida”, entendo que tal não só é desajustado para o atual contexto, como pode ser prejudicial para a competitividade e produtividade.
Em todo o caso, e não querendo repetir ideias – designadamente a de que a alteração da legislação laboral é apenas uma, e não necessariamente a mais relevante, das transformações necessárias – vou focar-me apenas, de forma sintética, em algumas temáticas da legislação laboral que, no meu entendimento, justificariam alterações que seguramente contribuiriam para o aumento de competitividade do nosso mercado laboral.
Em primeira linha, um dos grandes dos problemas que atualmente identifico na legislação laboral resulta da circunstância de a maioria de os nossos regimes laborais terem sido construídos com base no arquétipo de referência de um modelo de trabalhador indiferenciado (baixa formação, salário reduzido, único sustento da família, etc.) que carece de elevada proteção laboral que é assegurada através de uma cartilha legal de direitos laborais reforçados.
A evolução da legislação laboral tem ao longo dos anos acrescido importantes patamares de proteção a todos os trabalhadores, continuando, contudo, a enquadrá-los, em regra e sem grandes evoluções, no modelo de trabalhador indiferenciado acima indicado. A legislação portuguesa tem, portanto, ignorando as especificidades resultantes de um mercado de trabalho atualmente terciário, com trabalhadores qualificados, com um maior poder negocial e que, objetivamente, beneficiam de níveis de proteção de que não carecem. Paradoxalmente, é-lhes restringida liberdade contratual para estipularem soluções ajustadas às suas concretas especificidades.
A ausência de revisão deste aspeto crucial da legislação laboral, que nem sempre é enfatizada, constitui, no meu entendimento, um dos aspetos que manifestamente não contribui para uma política de salários altos e pleno emprego em Portugal, pois impõe às partes soluções laborais que, por não serem ajustadas aos seus interesses, acabam por ser perniciosas no funcionamento do sistema. Esta visão não significa, de todo, uma aniquilação do papel garantístico das normas laborais – que sempre será necessário – mas apenas um afinamento e ajustamento dos seus regimes à diversidade das partes, que é muito distinto daquele em originariamente as normas laborais foram criadas, tanto do lado do trabalhador, como do empregador.
Em segunda linha, enunciaria o tema dos regimes de flexibilidade laboral, dos quais a nossa legislação está muito carenciada. Os esquemas de flexibilidade laboral, sobretudo em matéria de tempos de trabalho, mas não só, revelam-se decisivos enquanto modelos de ajustamento da relação laboral às reais necessidades das partes. Não são, diferentemente do que por vezes se apregoa, mecanismos de diminuição de direitos ou de garantias dos trabalhadores, mas sim de composição ajustada de interesses entre as partes, do qual, por exemplo, o regime do banco de horas individual – revogado do Código do Trabalho – era um excelente exemplo.
A promoção de diferentes regimes de flexibilidade laboral, entre outras, por exemplo de flexibilidade remuneratória, constitui um dos aspetos decisivos para a melhoria dos níveis de competitividade do mercado laboral nacional.
Finalmente, e em terceira linha, julgo ser necessário proceder a uma revisão dos mecanismos de proteção em matéria de cessação dos contratos de trabalho. Embora reconheça que a minha visão não é seguramente consensual, julgo que seria importante ajustar a nossa legislação em matéria de cessação aos pressupostos de que, por um lado, nem todos os trabalhadores carecem do mesmo nível de garantias no momento da cessação, e, por outro, de que a proteção legal assente na possibilidade de reintegração do trabalhador ilicitamente despedido constitui uma forma artificial de perpetuação de uma relação, na maioria das vezes, já sem viabilidade e que não serve os interesses de nenhuma das partes.
Do mesmo modo, entendo, que se deveria privilegiar também a consagração legal de um regime de fixação de compensações (majoradas) para os casos de cessação dos contratos que não tenham respaldo no atual conceito de justa causa (pex: os casos não culposos de recorrente mau desempenho/má performance), constituindo-se o pagamento de tais compensações condição para a cessação dos contratos. Tudo isto, evidentemente, sem prejuízo da manutenção do atual regime de despedimento com justa causa (objetiva e subjetiva), que se continuaria a aplicar para os casos em que efetivamente exista justa causa.
Estas alterações seriam transformadoras, pois tendencialmente reduziriam a conflitualidade laboral no momento da cessação e trariam também maior estabilidade e previsibilidade ao sistema laboral, sem que tal representasse uma maior desproteção dos trabalhadores.
Fala-se de falta de simplificação no acesso à justiça. É uma realidade nos tribunais de trabalho?
É verdade que existe um caminho a trilhar na simplificação do acesso à justiça por parte de todos os cidadãos e que não é exclusivo da jurisdição laboral, a qual, aliás, não compara mal com jurisdições de outros ramos.
Em qualquer caso, julgo que esse processo de simplificação da justiça laboral deverá ser realizado não só através da simplificação e melhoria da qualidade da legislação laboral processual e substantiva, como também, e sobretudo, através da redução dos custos inerentes ao acesso e benefício da mesma, que elegeria como principal aspeto a condicionar o acesso à justiça laboral.
É inegável que o elevado custo para todas as partes no acesso à justiça está diretamente relacionado não só com a morosidade dos processos laborais, como também, e cada vez mais, com a imprevisibilidade do seu desfecho, constituindo fatores relevantes na tomada de decisão de litigar e de aceder à justiça.
Embora a morosidade dos tribunais de trabalho seja menor por comparação a outros tribunais, a verdade é que, ainda assim, pela natureza das relações dinâmicas que estão em causa, continua a ser suficientemente morosa para ser um decisivo fator dissuasor no recurso à mesma, sobretudo por aqueles que têm menos meios.
A lei portuguesa regulamenta adequadamente o estatuto dos trabalhadores de plataformas digitais?
A meu ver, infelizmente e não obstante a oportunidade para o fazer, a lei portuguesa não regulou esta realidade de forma adequada.Basta observar as decisões judiciais que têm sido proferidas na sequência da introdução, no Código do Trabalho, em maio de 2023, da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, para se depreender que a norma não é clara e gera insegurança jurídica.
De facto, os Tribunais têm vindo a decidir em diversos sentidos: há decisões que, com base na nova presunção de laboralidade, concluem pela existência de uma relação de trabalho subordinado; outras, recorrendo à mesma presunção, concluem pela inexistência de relação de trabalho subordinado; há também decisões que, apesar de presumirem uma situação de trabalho subordinado, acabam por considerar que essa presunção foi ilidida; e outras ainda entendem que a nova presunção de laboralidade não se aplica por motivos de índole temporal, sendo que algumas dessas recorrem posteriormente à presunção tradicional para concluir pela existência de uma relação de trabalho subordinado. Esta falta de consenso na aplicação do novo quadro normativo às situações concretas gera incertezas, tanto para as plataformas como para os estafetas.
A disparidade de decisões jurisprudenciais tem gerado um intenso debate sobre o atual conceito de subordinação jurídica, no qual assenta a identificação do trabalho subordinado, evidenciando a inadequação de certos conceitos fundamentais do Direito do Trabalho face às novas formas de trabalho na era digital.
A forma inapropriada como o Código do Trabalho regulou esta matéria, associada à consequente disparidade de decisões judiciais, tem alimentado a perceção de que, ultimamente, se dá uma atenção exacerbada a este tema em Portugal.
No entanto, a verdade é que o trabalho nas plataformas digitais é uma realidade cada vez mais comum e com tendência para crescer. Trata-se de um fenómeno incontornável e cuja regulamentação — incluindo a consagração de uma presunção legal de laboralidade — será obrigatória para todos os Estados-Membros a partir de 2 de dezembro de 2026, data-limite para a transposição da Diretiva (UE) 2024/283, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais.
Quais as novas condições para considerar um despedimento por extinção do posto de trabalho válido? Usa-se e abusa-se deste mecanismo nas empresas portuguesas?
O despedimento por extinção do posto de trabalho constitui uma forma válida de cessação das relações laborais. Não me revejo, portanto, na observação – por dela não ter conhecimento – de que as empresas portuguesas usem ou abusem deste mecanismo. A minha experiência diz-me precisamente o inverso: as empresas são muito criteriosas e parcimoniosas no recurso a este instrumento de cessação.
Aliás, se tal abuso das empresas eventualmente sucedesse, estou certo de que os Tribunais do Trabalho o censurariam de forma cabal, face à cada vez mais exigente interpretação que fazem dos muito restritivos requisitos legais sobre a matéria.
Os exigentes requisitos legais que conformam o despedimento por extinção do posto de trabalho apenas evidenciam a elevada proteção que este modelo de cessação representa para os trabalhadores. Nessa linha de proteção, destaco, entre outros aspetos, por exemplo, o facto de que, existindo trabalhadores comparáveis, os critérios de seleção do trabalhador elegível para o despedimento por extinção do posto, são definidos taxativamente na lei, o que resultou também de uma alteração legal ao anterior regime que permita, dentro de determinadas premissas, a definição pelo empregador dos critérios de seleção.
Ora, se a esta proteção legal se associar uma jurisprudência que tem evoluído no sentido de intensificar o crivo de apreciação dos requisitos legais, não vejo como se possa banalizar ou abusar deste tipo de despedimento.
Em rigor, as alterações legais que têm vindo a ser realizadas em matéria de despedimento por extinção do posto de trabalho apenas têm vindo a intensificar a proteção dos trabalhadores, não incentivando o recurso a este tipo de despedimento.
Os exigentes requisitos legais que conformam o despedimento por extinção do posto de trabalho apenas evidenciam a elevada proteção que este modelo de cessação representa para os trabalhadores. Nessa linha de proteção, destaco, entre outros aspetos, por exemplo, o facto de que, existindo trabalhadores comparáveis, os critérios de seleção do trabalhador elegível para o despedimento por extinção do posto, são definidos taxativamente na lei, o que resultou também de uma alteração legal ao anterior regime que permita, dentro de determinadas premissas, a definição pelo empregador dos critérios de seleção”
O direito a desligar no teletrabalho é um direito efetivo? Há sanções por incumprimento, na prática?
A título introdutório, noto que o direito a desligar – ou, nos termos do Código do Trabalho, o dever de abstenção de contacto do empregador – sendo, na realidade, um direito de aplicação geral, tem, contudo, em termos práticos, um maior impacto no regime de teletrabalho, uma vez que o acesso permanente aos meios de trabalho esbate as fronteiras entre a vida profissional e pessoal do trabalhador.
De um ponto de vista teórico, o direito a desligar é um direito efetivo, na medida em que o dever de abstenção de contacto por parte do empregador se encontra expressamente previsto no Código do Trabalho e a sua violação constitui contraordenação grave, sujeita a coima.
Na prática, contudo, não serão frequentes os casos em que um trabalhador, durante a pendência da relação laboral, apresente uma queixa à ACT por violação deste dever, dado o receio de que tal atitude possa vir a colocar em risco a manutenção daquela relação, ou que implique consequências prejudiciais para a mesma.
Ainda assim, parece-me possível afirmar que, em Portugal, sobretudo nas posições frequentemente desempenhadas em regime de teletrabalho e de trabalho híbrido, prevalece uma cultura generalizada de disponibilidade permanente, sendo muitas vezes o próprio trabalhador quem se sujeita, de forma voluntária, a essa disponibilidade, na expectativa de que tal atitude venha a ter um impacto positivo na sua avaliação de desempenho. No entanto, quanto às gerações mais novas, julgo observar-se uma mudança de paradigma, sendo mais frequente recusar/censurar contactos profissionais em horário extralaboral e/ou até recorrer aos canais internos de denúncia (whistleblowing) para denunciar situações de incumprimento reiterado deste direito.
Fala-se numa tendência de recuo no teletrabalho. É real ou apenas mais uma perceção?
Tenho a convicção de que as notícias que amiúde circulam sobre o regresso em massa ao trabalho presencial de trabalhadores de grandes multinacionais, bem como a divulgação de estudos sobre os danos que as organizações sofrem com o trabalho exclusivamente remoto, têm contribuído para a perceção, mais ao menos convicta, de que existe um recuo no recurso ao teletrabalho.
De acordo com a minha experiência, não tenho identificado um recuo no teletrabalho e nem os dados oficiais, aliás, evidenciam isso. O que existe sim, é a constatação de que a grande maioria dos esquemas de teletrabalho assentam e têm caminhado, cada vez mais, para regimes híbridos com maior ou menor intensidade do trabalho presencial, o qual vai sendo gerido entre as partes em função das necessidades.
Em certa medida, o que tenho detetado é precisamente a capacidade de as partes encontrarem mecanismos de funcionamento, de maior flexibilidade, que permitem, com bom senso acomodar os diferentes interesses. Não posso, contudo, deixar de frisar que o regime do teletrabalho português, ainda que tenha sido revisto recentemente, continua a merecer uma reflexão legislativa, porquanto continua a responder a desafios a laborais específicos, tendo como base o modelo comum de relação laboral assente no regime presencial integral, o que causa diversos constrangimentos à gestão da relação.
Em Portugal, sobretudo nas posições frequentemente desempenhadas em regime de teletrabalho e de trabalho híbrido, prevalece uma cultura generalizada de disponibilidade permanente, sendo muitas vezes o próprio trabalhador quem se sujeita, de forma voluntária, a essa disponibilidade, na expectativa de que tal atitude venha a ter um impacto positivo na sua avaliação de desempenho”
Portugal é um país de despedimento por justa causa, despedimento coletivo ou de extinção do posto de trabalho?
A pergunta sobre a tipologia de despedimento preferencial em Portugal parece-me muito redutora enquanto bitola de caracterização do país, até porque, existem outras formas de cessação das relações laborais.
O mercado laboral português caracteriza-se, infelizmente, não só pelos baixos salários, pelas relações laborais duradoras e/ou estagnadas, como também pelas dificuldades de empregabilidade nos jovens e pessoas acima dos 55 anos, a que se associa o estrutural envelhecimento demográfico do país. Por outro lado, o mercado é também caracterizável pela pouca oferta de trabalho atrativa para os cargos mais qualificados e rigidez dos instrumentos laborais, a que se acrescem problemas estruturais de produtividade, competitividade e sustentabilidade de muitas das empresas, na sua maioria, micro ou pequenas dimensão.
Feita esta caracterização da nossa realidade laboral, diria que a enunciação dos diferentes modelos de despedimento (do qual se excluiu deliberadamente o despedimento por inadaptação pela sua irrelevância/inexistência prática) é a nossa menor preocupação enquanto país.
As indemnizações devidas em caso de despedimento sem justa causa são justas e adequadas, em Portugal?
A avaliação da justiça ou adequação das indemnizações em casos de despedimento sem justa causa é uma avaliação que tenho dificuldade em realizar, pois a apreciação variará em função do específico caso concreto.
De qualquer forma, é preciso ter presente que as consequências de um despedimento ilícito são muito penalizadoras para as empresas e não se cifram apenas no montante indemnizatório conferido ao trabalhador, pois a este acrescer-se-ão também outros montantes, designadamente, e com muito impacto, os salários intercalares e, eventualmente, outros que sejam também peticionados pelos trabalhadores.
A este respeito, e como tive já oportunidade de referir, existe também a possibilidade alternativa de reintegração do trabalhador despedido, o que constitui um efeito que, pelas suas consequências, pode ser ainda mais penalizador para as partes do que o mero ressarcimento indemnizatório associado à ilicitude do despedimento.
Transparência salarial: a que empresas impacta mais?
A generalidade das obrigações impostas pela Diretiva da Transparência Remuneratória aplicar-se-á a todas as empresas, do setor público ou privado, independentemente da sua dimensão.
A exceção residirá na obrigação de comunicação de informações sobre as disparidades remuneratórias existentes entre os trabalhadores femininos e masculinos, que se aplicará às empresas que empreguem entre 100 e 149 trabalhadores apenas a partir do ano de 2031, relativamente ao ano civil anterior, e da qual poderão ficar isentas as empresas com menos de 100 trabalhadores.
Tendo em conta que a Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, já exige que empregadores com mais de 50 trabalhadores implementem um plano de avaliação das diferenças remuneratórias, é possível que Portugal opte por manter este mesmo limite no contexto das obrigações decorrentes da Diretiva, o que limita ainda mais o número de empregadores potencialmente menos impactados pela Diretiva.
Naturalmente, os empregadores obrigados a comunicar informações sobre disparidades remuneratórias enfrentarão o impacto da Diretiva de forma mais imediata – tanto mais imediata quanto mais cedo essa obrigação entrar em vigor e quanto maior for a sua frequência, o que irá depender do número de trabalhadores empregados. Esse escrutínio irá necessariamente acelerar a necessidade de cumprir com as restantes obrigações previstas na Diretiva, no sentido de evitar situações de disparidade remuneratória.
Quais os desafios de desenho e de implementação?
Conforme referido anteriormente, em Portugal já vigora a Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, cuja finalidade é promover a igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor, e nos termos da qual os empregadores são obrigados à apresentação de um plano de avaliação das diferenças de remuneração em função do género identificadas através da informação fornecida anualmente no Relatório Único e após serem notificados pela ACT para o efeito.
Nos últimos anos, o cumprimento desta lei tem sido amplamente monitorizado pela ACT. Assim, o tema da transparência salarial não é novidade no nosso país.
Sem prejuízo, a transposição da Diretiva da Transparência Salarial irá certamente trazer novos desafios, pois envolve um conjunto de obrigações que irão alterar de forma considerável o enquadramento desta matéria. Penso, por exemplo, na definição ou revisão de critérios salariais transparentes e de planos de carreira, na gestão de expectativas dos trabalhadores (que passarão a ter um maior conhecimento e a poder comparar-se com outros), na adaptação das tecnologias necessárias a garantir o cumprimento das obrigações previstas na Diretiva, no cumprimento dos prazos legais, e, sobretudo, nos custos associados e nos recursos necessários para implementar todas estas alterações.
Apreciação da lei: ficou no sítio certo?
A transparência salarial é, sem dúvida, um tema de grande relevância na sociedade atual e a publicação desta Diretiva constitui um passo relevante nessa direção.
Receio, porém, que a Diretiva tenha sido demasiado ambiciosa na estipulação das obrigações impostas aos empregadores, o que poderá resultar em dificuldades no seu cumprimento.
A verdade é que, com o prazo para a transposição da Diretiva a terminar a 7 de junho de 2026, seria vantajoso para as empresas começarem desde já a implementar algumas medidas em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela mesma.
Que medidas concretas devem as empresas adotar para garantir transparência salarial: Relatórios anuais de remunerações (para empresas com +100 trabalhadores) e uma avaliação de categorias sob critérios objetivos, por exemplo?
Embora o prazo para a transposição da Diretiva termine a 7 de junho de 2026 e ainda não sejam conhecidos os termos exatos da sua implementação no nosso país, os empregadores podem já começar a adotar algumas medidas que tenham em vista promover a transparência salarial. Entre essas medidas, destacam-se: a implementação e/ou revisão da política remuneratória transparente em vigor; a realização de ações de formação em matéria de discriminação remuneratória; a identificação dos postos de trabalho existentes e análise das suas diversas componentes para apuramento de eventuais diferenças remuneratórias entre postos de trabalho de igual valor; a elaboração de planos de ação para igualdade remuneratória; a revisão de estruturas remuneratórias e de progressão na carreira; ou a revisão da informação colocada em processos de recrutamento e de seleção.
Para as empresas, encarar desde já as medidas da Diretiva como uma oportunidade pode trazer vantagens significativas, pois, ao eliminarem fatores de discriminação, tornam-se mais atrativas e promovem a constituição de equipas de trabalho mais diversas. Esta diversidade, por sua vez, está associada a benefícios e pode representar uma clara vantagem competitiva.
As sanções para empresas que não cumpram as regras de transparência são suficientes e proporcionais?
A Diretiva apenas refere, a este propósito, que os Estados-Membros devem estabelecer as regras relativas a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas aplicáveis em caso de violação dos direitos e obrigações relacionados com o princípio da igualdade de remuneração. Assim, a resposta a esta questão depende da transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico nacional.
Sem desvalorizar a importância do regime sancionatório associado a quaisquer obrigações, considero que, quando o objetivo principal é alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres, o foco não deve incidir prioritariamente nas sanções em caso de incumprimento, sendo crucial definir de que forma o Estado, nomeadamente através da ACT e/ou da CITE, pode apoiar os empregadores na adaptação e conformidade das suas práticas com as obrigações provenientes da Diretiva. Isto é, o objetivo principal não deve ser o de sancionar os empregadores, mas sim incentivá-los e apoiá-los a garantir o cumprimento efetivo das obrigações previstas na Diretiva.
Como pode um trabalhador contestar uma diferença salarial discriminatória?
Um trabalhador que se considere lesado na sequência da violação de um direito ou obrigação relacionado com o princípio da igualdade de remuneração tem à sua disposição diversos meios para reagir: internamente, poderá apresentar uma denúncia através dos canais de whistleblowing da empresa; externamente, poderá recorrer às autoridades laborais (ACT ou CITE) ou aos tribunais.
Importa destacar que, ao abrigo desta Diretiva, os Estados-Membros são obrigados a implementar uma regra que determina a inversão do ónus da prova nos casos em que o trabalhador alegue o incumprimento do princípio da igualdade de remuneração.
Assim, basta que o trabalhador apresente elementos factuais que permitam presumir a existência de discriminação, direta ou indireta, cabendo então ao empregador demonstrar que não houve tal discriminação.
Além disso, relativamente aos prazos de prescrição para o exercício de direitos relacionados com a igualdade de remuneração, a Diretiva estabelece que estes prazos não devem começar a contar antes de o trabalhador ter conhecimento da infração ou de se poder razoavelmente presumir que tomou conhecimento da mesma. Os Estados-Membros podem também determinar que os prazos de prescrição não comecem a contar enquanto a infração estiver em curso ou antes de cessar o contrato de trabalho. Em qualquer caso, os prazos de prescrição não poderão ser inferiores a três anos.
Não estou nada convicto que o trabalho das pessoas venha a ser, de forma linear, substituído pela IA. Inversamente, estou profundamente convencido de que a substituição dos trabalhadores, em função das especificidades dos setores, será essencialmente imposta não pela IA propriamente dita, mas por outros trabalhadores que saibam trabalhar com IA”
Quais os maiores obstáculos à implementação efetiva da transparência salarial em Portugal?
Como já mencionado anteriormente, os maiores obstáculos à implementação efetiva da transparência salarial estão relacionados com a burocracia e os custos associados às exigências impostas pela Diretiva, bem como com a necessidade de uma mudança de mentalidade profundamente enraizada numa cultura de falta de transparência salarial.
Já começámos a sentir ímpeto de reestruturação das empresas por substituição do trabalho por IA?
Antes de responder à pergunta, deixe-me apenas deixar a nota de que não estou nada convicto que o trabalho das pessoas venha a ser, de forma linear, substituído pela IA. Inversamente, estou profundamente convencido de que a substituição dos trabalhadores, em função das especificidades dos setores, será essencialmente imposta não pela IA propriamente dita, mas por outros trabalhadores que saibam trabalhar com IA.
A literacia em IA é, portanto, crucial, e constitui um dos maiores desafios do mercado de trabalho. Esta nota serve apenas evidenciar que, embora não tenha dados para atestar se em Portugal já ocorreram reestruturações fundadas especificamente na substituição do trabalho por IA, não me parece que a introdução de IA nos mecanismos de produção seja um catalisador em matéria de reestruturações com a intensidade e dimensão com que alguns antecipam.
Na minha opinião, o interesse da IA nas relações laborais emerge antes de outros aspetos estruturais. Sem preocupações de exaustividade, julgo ser muito mais estimulante analisar o papel transformacional da IA nas relações laborais, em particular na forma como estas, fundadas na tradicional dicotomia entre trabalhador e empregador, integrarão um novo instrumento capaz de tomar também decisões e moldar as condutas das partes.
Em certa medida, a IA será um elemento disruptivo na gestão tradicional das relações laborais. Por outro lado, julgo também ser mais interessante enquadrar os desafios da IA e seu respetivo papel nos diferentes momentos das relações laborais, desde a contratação, à execução e cessação. Sendo que, associada à IA, estará sempre agregada a temática incontornável da qualidade dos dados e dos riscos do enviesamento que o processamento dos mesmos pode acarretar.
Em síntese, mais do que o enfoque habitual sobre o aumento do risco do despedimento de trabalhadores e extinção de postos de trabalho causados pela integração de IA, subscreveria antes uma visão focada na oportunidade transformacional positiva que a IA trará ao mercado e às relações laborais em geral.
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“Não estamos a trilhar o caminho certo na competitividade do mercado laboral”
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