A Iniciativa Liberal considera que o próximo Orçamento deveria focar-se na recapitalização das empresas, após o impacto da pandemia, e num "choque fiscal" que promova o crescimento económico.
Já arrancaram as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
A Iniciativa Liberal não nega que é positiva a descida do IRS, se se confirmar a abertura demonstrada pelo Governo, mas alerta que tal vai aumentar a progressividade do imposto, a qual crítica e responsabiliza pela “fuga de jovens talentos para fora do país”. Em entrevista ao ECO, João Cotrim Figueiredo alerta que, uma vez que essa descida pode ser acompanhada pelo englobamento obrigatório, não é certo que todos os contribuintes fiquem a ganhar com as mudanças que se perspetivam no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).
Para o deputado único da IL este Orçamento será eleitoralista, preparando “as condições para que o OE2023 seja, esse sim, descaradamente eleitoralista”. Acusando o Partido Socialista de não ter uma visão para o país, Cotrim Figueiredo diz que a “iniciativa privada é o parente pobre” tanto do Orçamento como do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Em contraste, garante que se fosse a IL a governar o foco estaria na recapitalização das empresas e no alívio da carga fiscal.
Será favorável a uma redução do IRS através da revisão dos escalões, como o Governo está a negociar à esquerda?
De facto, nós defendemos um alívio fiscal, mas fazê-lo através do aumento de escalões o que na prática faz é aumentar a progressividade do imposto. Parece uma questão técnica, mas é uma questão política e social da maior importância. A alta progressividade do imposto individual (IRS) em Portugal tem sido responsável, em boa parte, pela fuga de jovens talentos para fora do país. É muito rápido chegar aos escalões máximos a partir do momento em que se tem dois, três, quatro anos de experiência profissional com uma qualificação adequada. Quando fazemos contas às dezenas de milhares de jovens que emigraram porque não conseguiam subir na vida a trabalhar em Portugal é disto que estamos a falar. A nossa proposta é exatamente o inverso: é reduzir o número de escalões. Não podendo dizer que um alívio da carga fiscal sobre algumas camadas da população é algo que nos desagrade, a forma como lá se chega é típica desta forma socialista de encarar o imposto.
Esta redução pode ser acompanhada pelo englobamento de rendimentos. Como vê esta medida?
Esse é um problema adicional. Isso implica que não só os rendimentos do trabalho, mas todos os outros rendimentos estando englobados passam eles também a ser vítimas desta progressividade que eu estava a criticar. Estamos longe ainda de dizer que o panorama em termos de IRS para o ano de 2022 vai ser substancialmente melhor do que este ano.
Seria uma medida gravosa para a economia portuguesa?
No imediato é um aumento de impostos porque hoje em dia só quem não tem uma taxa média superior à taxa liberatória (28%) é que tem vantagem a englobar. Sendo forçado a englobar, esses pagarão mais impostos do que pagariam nas atuais circunstâncias. Não é um incentivo à retoma da economia.
No passado disse que o país está a pagar a “fatura” dos acordos à esquerda. O englobamento seria uma fatura demasiado elevada?
Quando se vai a um restaurante e no fim vem a fatura, podemos não gostar da fatura, mas a decisão de ir ao restaurante foi nossa. A decisão de negociar com a esquerda foi do PS. Tem que se dizer que o PS está transformado numa autêntica máquina de manter o poder e de tentar ganhar eleições. Um dos motivos pelos quais a discussão orçamental para 2022 nos preocupa é que já há demasiados sinais de que o Governo vai fazer cedências cirúrgicas, seja na matéria fiscal seja na legislação laboral ou no aumento da função pública. Estamos a ver uma navegação à vista com o intuito de assegurar determinadas clientelias, mas por detrás disto não está nenhuma visão de país ou de sociedade, está apenas uma vontade de ganhar as eleições seguintes.
O OE2022 vai ser um orçamento eleitoralista?
Eleitoralista neste sentido ainda mais perigoso: não é só na ótica de distribuir benesses para algumas clientelias; é preparar as condições para que o OE2023 seja, esse sim, descaradamente eleitoralista. Já no passado, recordo, houve tabelas de retenção na fonte de IRS excessivas para que a devolução do IRS nas vésperas das eleições europeias de 2019 fosse maior do que teria sido em condições normais. As pessoas fizeram uma espécie de empréstimo forçado ao Estado e depois em abril seguinte, um mês antes das Europeias, quando receberam um reembolso superior ao que era normal ficaram encantadas e talvez tenham atribuído ao Governo grandes méritos. Isso é absolutamente criticável.
A iniciativa privada é o parente pobre no Orçamento e no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Fala-se da descida dos impostos sobre os cidadãos, mas não sobre as empresas. É um erro?
A iniciativa privada é o parente pobre no Orçamento e no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). É uma visão de como incentivar a retoma completamente baseada em investimento público e ainda por cima financiado por fundos europeus que, é bom recordar, mais tarde ou mais cedo terão de ser pagos. A única maneira que teremos para pagar a dívida pública e privada, se não houver crescimento económico, é através de mais impostos. Mesmo estas questões que têm sido faladas como balões de ensaio para contentar as pessoas de reduções dos escalões intermédios de IRS, mesmo essas têm de ser vistas à luz das outras medidas fiscais que vão constar do Orçamento porque eu não tenho nada a certeza que feitas as contas no final não estejamos perante mais um recorde de carga fiscal previsível para 2022.
O líder do PSD sugeriu uma redução temporária do IVA na restauração. Concorda?
Qualquer redução fiscal é, para um liberal, à partida, uma boa notícia. Mas, mais uma vez: a forma como essa medida seria desenhada tem demasiados ecos daquilo que foi feito em 2015 no acordo do PS com os empresários da restauração em que se assistiu a uma descida do IVA. Na altura foi dito que era uma forma de incentivar ao consumo e aliviar as despesas das famílias, mas na prática o que se verificou foi que os preços na restauração e na alimentação e bebidas não baixaram e portanto o que houve foi uma apropriação dessa redução fiscal por esses empresários. Mais uma vez, e aqui com um pretexto aparentemente virtuoso por serem os setores mais afetados, provavelmente estaríamos a usar a mecânica errada para o fazer.
Qual o balanço que faz do IVAucher?
Os primeiros meses de aplicação do IVAucher não são muito auspiciosos, não houve um nível de adesão significativa, tanto da parte dos consumidores como das empresas, mas é justo dizer que provavelmente é cedo para fazer um balanço global. Mas a maneira como está estruturado revela a falta de noção de como é que funciona a economia real por parte de quem nos governa e concretamente deste Governo que tem muito pouca experiência de pessoas de empresas. É altamente complexo e não tenho dúvidas de que isso justifica a falta de adesão. Qualquer uma destas medidas tem de passar de ser interessante no papel para ser eficaz na prática.
Exigir apoios por parte do Estado a determinadas atividades não nos torna menos liberais.
Conhece bem o turismo pelas funções que teve no passado. Que medidas introduziriam no OE2022 para este setor?
Quando tivemos de tomar medidas difíceis logo no primeiro estado de emergência no ano passado, nós não tivemos pejo nenhum em dizer que há responsabilidades que o Estado tem quando obriga uma economia a fechar. Exigir apoios por parte do Estado a determinadas atividades não nos torna menos liberais. Mas é preciso ter dois cuidados importantes: os apoios têm que ser efetivamente dados a quem deles necessita e não só a quem sabe manobrar os mecanismos e os processos de candidatura. O segundo cuidado é que não se podem prolongar no tempo. É tão perigoso para uma economia deixar que a sua base de emprego se deteriore rapidamente e fique com dificuldades em voltar a construir-se, como é perigoso que os apoios se mantenham além do momento em que são estritamente necessários, criando as chamadas empresas zombie que acabam por concorrer com outras que com menos apoios têm mais viabilidade.
No turismo?
Isto não se aplica à maior parte do setor do turismo onde houve trimestres com quedas de 60% ou até 80%. Não há estrutura económica que consiga sobreviver com este nível de quebras de receitas. O turismo vai precisar de algum apoio ainda, mas deve respeitar estes dois princípios: ser suficientemente simples e dirigido e, por outro lado, não se prolongar no tempo. Para evitar situações dessas, o desenho tem de ser muitíssimo mais apertado do que foi no caso do lay-off simplificado, por exemplo.
Posso concluir da sua resposta que em 2022 não se devem manter os apoios de emergência criados durante a pandemia?
Portugal já não era uma economia particularmente capitalizada e o que estes 18 meses de pandemia fizeram foi descapitalizar ainda mais o nosso tecido económico. Há muitas empresas que não aguentariam qualquer tipo de choque e, pior do que isso, não podem aproveitar oportunidades porque não têm balanço para investir e aguentar uma fase de crescimento que obrigatoriamente têm de ter investimento inicial. Uma das coisas que a IL certamente proporá em sede de OE2022 é que haja medidas concretas de facilitação e apoio à recapitalização das empresas portuguesas e não poderá ser só o tão apregoado Banco Português do Fomento porque tudo indica que terá apenas 1.300 milhões de euros para apoiar. Se estivéssemos a contar com as mais de 400 mil empresas que existem em Portugal, não daria nem para encher a cova de um dente. É preciso canalizar a poupança acrescida durante a pandemia para formas de aforro que facilitem a canalização para posterior investimento empresarial porque só assim poderemos retomar a trajetória de crescimento.
Então quer apoios em 2022, mas diferentes, é isso?
Sim. Na política, não são tanto os objetivos que muitas vezes dividem os vários partidos e os divergentes políticos, mas os caminhos e as prioridades que esses caminhos representam. O problema básico de Portugal é o do crescimento e existindo esse problema de riqueza há uma série de outros problemas por resolver, nomeadamente uma sociedade mais equilibrada e de apoio aos que precisam. Não temos a riqueza suficiente: em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Todas as funções sociais nobres do Estado estão mortalmente feridas na discussão das suas soluções pela falta de rendimentos. A nossa opção é clara: começar por privilegiar o crescimento antes de privilegiar o aumento da despesa pública.
[Número de funcionários públicos em máximos de 2011] é um déjà vu. É a história a repetir-se.
O número de funcionários públicos está em máximos de 2011. É um aumento prejudicial ou explicado pela pandemia?
É um déjà vu. É a história a repetir-se. A primeira coisa que os nossos tutores europeus disseram quando nos ajudaram é que tínhamos uma estrutura de despesa pública, a começar na dimensão da administração pública, que é insustentável. Não é por acaso que uma das primeiras medidas deste Governo foi repor o horário de trabalho em 35 horas. Essa diminuição de 5 horas traduz-se em 12,5% de redução do tempo de trabalho e o aumento de funcionários públicos que estamos a discutir é pouco maior do que esse. Basicamente estamos a repor hoje o número de horas que tínhamos disponíveis na função pública há cinco anos. Qualquer cidadão que use os serviços públicos pode confirmar isto: não estamos certamente a prestar melhores serviços públicos. Estamos é a gastar muito mais.
Neste momento, que propostas a IL prevê submeter na especialidade do OE2022?
Há três grandes forças que têm de ser apoiadas em termos orçamentais, sobretudo a nível fiscal: a recapitalização das empresas, a classe média, especialmente a mais dinâmica em idade ativa e com filhos, e os jovens em início de carreira. As empresas não deviam pagar IRC sobre os lucros que retivessem, sobre os lucros gerados fora de Portugal porque a internacionalização continua a ser uma das vias de desenvolvimento do país, e as derramas estaduais deviam ser eliminadas. É um choque fiscal ao nível das empresas que iremos certamente propor.
E para os cidadãos?
As famílias continuam a precisar de apoio, não só ao nível do IRS mas também da simplificação fiscal e declarativa de tudo o que são obrigações fiscais e parafiscais. E depois um tema que afeta muitas famílias e que tem de ter uma resposta mais cabal neste Orçamento que é o tema da natalidade. Portugal não pode permanentemente assobiar para o lado quando ano após ano nascem menos bebés em Portugal e agravam o nosso problema de sustentabilidade da Segurança Social e de crescimento económico.
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