O PCP quer que o Governo crie um programa de emprego público para contratar 25 mil funcionários públicos já em 2021, criando um total de 100 mil empregos em 4 anos, revela o deputado Duarte Alves.
Ao contrário dos outros partidos que negoceiam com o Governo e que se queixam da demora e da falta de informação, o PCP considera que o processo está a correr de forma “normal”. Contudo, também se queixa como esses partidos das medidas de orçamentos anteriores, mesmo do Suplementar em que votou contra, que o Executivo ainda não implementou. Quanto à crise política que apelidou de “artificial”, o PCP avisa que “a estabilidade política consegue-se através da resposta aos problemas dos trabalhadores e da população”.
Em entrevista ao ECO antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2021, o deputado Duarte Alves, economista que faz parte da comissão de orçamento e finanças, destaca uma das mais de 40 medidas que o PCP apresentou: a criação de um programa de emprego público que empregue 25 mil pessoas já em 2021 e até 100 mil em quatro anos. E exige ao mais investimento público onde identifica uma “grande insuficiência” por parte deste Governo nos últimos anos.
As negociações do Orçamento do Estado para 2021 estão atrasadas e há falta de informação como se queixam outros partidos, como o Bloco de Esquerda e o PAN?
Nós temos a perceção de que tem havido esses contactos e negociações com o Governo de forma normal e portanto não vemos que haja uma diferença relativamente a outros anos. A diferença está no contexto que hoje temos em que as necessidades e os problemas que o país enfrenta são muito superiores, o que requer uma discussão muito mais aprofundada. A relação mantém-se nos mesmos termos. Relativamente à informação, há sobretudo matérias de orçamentos anteriores que ainda estão por cumprir.
Que matérias são essas? Tem uma contabilização, mesmo que não incluindo o Orçamento Suplementar uma vez que votaram contra?
No Orçamento Suplementar votamos contra pela consideração global que fizemos no orçamento sobre aquilo que continha — e que era negativo — e sobre aquilo que não continha e que deveria ter na resposta à situação que o país enfrenta. Mesmo nesse Orçamento em que votamos contra houve propostas do PCP que foram aprovadas e que ainda não foram concretizadas na sua plenitude. A suspensão dos pagamentos por conta para as micro, pequenas e médias empresas este ano, que foi uma medida inscrita por iniciativa do PCP embora tenha sido aprovada contra o voto do PS, precisa de ser concretizada na sua plenitude. Ao que parece, o Governo não está com essa intenção. E também relativamente à devolução do pagamento especial por conta para as micro, pequenas e médias empresas.
O Governo terá de garantir ao PCP que concretizará essas medidas do passado para que o OE 2021 seja viabilizado?
Todas as medidas que estavam no OE 2020 devem ser cumpridas. Agora a discussão deste orçamento é feita na base das necessidades que o país tem perante a situação que enfrenta e que levanta novos problemas e agrava problemas estruturais que o país já vinha enfrentando.
Já têm as garantias de que precisam para viabilizar o OE 2021?
A nossa postura sempre foi a de olhar para o Orçamento como um todo. Nunca tivemos linhas vermelhas ou verdes, nem uma medida que por lá estar garantia o nosso voto a favor ou uma medida que se lá estivesse garantia o nosso voto contra. Sempre olhamos para o orçamento na sua globalidade naquilo que de positivo era conseguido, muitas vezes com limitações mas com resultados. O PCP, com a sua intervenção, conseguiu muitas medidas importantes. Só quando tivermos o Orçamento e a proposta do Governo é que podemos ver se está lá ou não aquilo que consideramos que são as respostas necessárias para os problemas que enfrentamos.
O que faltou em concreto no Orçamento Suplementar que levou ao voto contra do PCP?
Era um Orçamento Suplementar que prolongava os cortes nos salários através do prolongamento do lay-off. Ao mesmo tempo, criou benefícios fiscais para as grandes empresas: o crédito fiscal ao investimento e o benefício fiscal para o apoio à concentração de capital em que se criou uma majoração fiscal para as empresas que venham a adquirir empresas em dificuldades. Ou seja, o mesmo Governo que não foi capaz de apoiar as micro, pequenas e médias empresas depois cria um incentivo para as empresas que venham a comprar essas empresas em dificuldade.
Mantendo-se essas medidas em vigor, qual é a possibilidade do PCP vir a viabilizar o OE 2021? O Governo teria de reverter essas medidas?
Neste Orçamento, consideramos que o caminho tem de ser outro. Em vez de cortes nos salários, aquilo que nós temos defendido são medidas para o aumento geral dos salários. São matérias que vão além do Orçamento, mas também enquadram o OE.
Paira no ar a ameaça de crise política por causa do OE 2021. Tem receio que o PCP fique com o ónus de vir a chumbar o OE?
O ónus está em quem criou esta ameaça de crise artificial, a qual foi criada a partir da ideia de que se resolve a estabilidade política através da introdução desse elemento de ameaça e de pressão, que não é o que nos move. O PCP não conta para isso, conta para encontrar soluções para o país. A estabilidade política consegue-se através da resposta aos problemas dos trabalhadores e da população. Temos o exemplo muito recente do Governo PSD/CDS que até tinha maioria absoluta e não teve estabilidade política. Porquê? Porque governou contra os interesses da população e dos trabalhadores.
Uma das áreas onde há divergências com o PS é no salário mínimo. O Governo já indicou que o aumento será inferior aos 35 euros de 2020, apontando para pouco mais do que 20 euros. O PCP está confortável com este valor?
O PCP tem vindo a defender que o objetivo relativamente ao salário mínimo é que ele chegue ao valor dos 850 euros. O Governo tinha como perspetiva 750 euros, o que já estava aquém da nossa proposta. Agora ainda vai reduzir mais face à sua proposta inicial. É preciso ir muito mais longe do que essa sugestão. O salário mínimo é importantíssimo. A realidade nos últimos anos demonstrou que é uma falácia que o aumento do salário mínimo leve a um aumento do desemprego. Tivemos, ainda que de forma limitada, aumentos do salário mínimo nacional e não foi por isso que o desemprego aumentou, pelo contrário.
Os críticos argumentam que, em 2021, dado que temos a crise pandémica, teria um efeito contraproducente nas empresas e no emprego.
É preciso o aumento geral dos salários e o salário mínimo é uma componente importante precisamente para que as empresas possam sobreviver. Se o salário não for suficiente sequer para ter um mínimo de condições de vida não vai haver desenvolvimento do mercado interno. Num quadro de grandes restrições no comércio internacional, é necessário dinamizar o consumo e para isso a questão dos salários é fundamental.
Admite que a situação possa agora ser diferente por causa da pandemia face ao que aconteceu nos últimos anos?
Não. Pelo contrário: consideramos que o salário mínimo é um importante estimulo à atividade económica. Consideramos que é preciso encontrar medidas para apoiar as micro, pequenas e médias empresas que são aquelas que enfrentam maiores dificuldades e que são a base do tecido empresarial.
Essas medidas podiam ser de compensação pelo aumento do salário mínimo?
Não é uma compensação, mas um apoio devido à situação que enfrentam. Cerca de metade das grandes empresas recorreram ao lay-off. Só cerca de 12% das micro empresas é que recorreram ao lay-off. Temos tido medidas que canalizaram os apoios para as grandes empresas e não para aquelas que enfrentam maiores dificuldades que são as micro, pequenas e médias empresas.
E que outras medidas deveria existir no OE 2021 para criar emprego?
O Estado deve criar um programa de emprego público. Por dois motivos: em primeiro lugar porque as necessidades nos serviços públicos são imensas nas escolas, nos hospitais, nos serviços da Segurança Social em que as pessoas estão meses a aguardar para ter acesso à sua reforma, nos registos, na justiça. As carências nos serviços públicos são enormes.
Tem um número?
O programa é plurianual e deve ter como objetivo os 100 mil empregos públicos, mas que neste ano [2021] assegure 25 mil trabalhadores para todos estes serviços, em particular os 5 mil que faltam na escola pública. O segundo motivo é que o desemprego está a aumentar e é importante que o Estado cumpra com o papel constitucional que tem de garantir emprego. E, dessa forma, colocar também recursos e rendimentos na economia.
PCP insiste no fim da caducidade da contratação coletiva
Relativamente à lei laboral, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, disse que “há avanços concretos” nas negociações. Concorda?
Anteriormente, aquilo que tivemos foi uma revisão da lei laboral em que se aumentou o período experimental para seis meses e agora vemos a consequência disso nos milhares de jovens trabalhadores que ainda estavam no período experimental alargado e que foram simplesmente postos na rua. Foi um exemplo claro dos problemas trazidos por essas alterações feitas pelo Governo do Partido Socialista. É importantíssimo ir às questões da legislação laboral, à caducidade da contratação coletiva, que é a maior arma que os trabalhadores têm para defender os seus direitos.
Seria favorável a uma moratória à caducidade da contratação coletiva?
O que nós achamos essencial é acabar com a caducidade da contratação coletiva.
Isso presumo que o Governo não aceite?
Não sei. Nós temos de o propor e vamos continuar a bater-nos por isso. A contratação coletiva é de facto um escudo que os trabalhadores têm para fazerem valer os seus direitos. Esse escudo não deve estar partido ao meio com essa caducidade que foi introduzida pelo Governo PSD/CDS e essa alteração negativa ainda não foi revertida.
Em relação ao Novo Banco, o PCP seria favorável a um empréstimo por parte da banca ao Fundo de Resolução em vez de ser o Estado?
Temos de perceber melhor essa eventual solução, nem sei se é essa a solução que está em cima da mesa, mas se for temos de perceber exatamente que encargos é que isso terá para os recursos públicos no futuro.
E é favorável a uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas dado que os deputados criticam a auditoria da Deloitte?
O PCP sempre defendeu que o Banco de Portugal deveria ter meios próprios de auditoria para que não estivesse dependente destas quatro grandes auditoras e consultoras internacionais. Todas elas têm enormes incompatibilidades e conflitos de interesse porque trabalham com os bancos e depois auditam. Parece que o Banco de Portugal coloca uma função que é sua em auditoras que estão dentro dos bancos e que trabalham com os bancos. Neste caso da Deloitte ficou evidente por causa da situação do GNB Vida, mas todas têm. Para tudo o que seja para apurar a verdade e para se conhecer de facto as contas do banco não vamos criar qualquer obstáculo. Não deixamos é que se descentre da questão que para nós é essencial: um banco que já foi pago em grande parte com recursos públicos deve ficar na esfera pública para ser colocado ao serviço do país.
Há uma “grande insuficiência no investimento público”
Há efetivamente um distanciamento do PCP face ao Governo ou não, nomeadamente ao rejeitarem um acordo mais concreto após as legislativas de 2019?
Para nós nunca foi necessário um acordo escrito e nem houve um… Houve uma posição conjunta em 2015 que nem sequer previa que nós iríamos aprovar os orçamentos. Isso nunca ficou assumido. Nós em cada ano olhamos para os orçamentos quer na especialidade quer na generalidade e votamos de acordo com a nossa análise do Orçamento.
Em paralelo às negociações do OE 2021, também está a discutir o Plano de Recuperação e Resiliência com o Governo?
Neste momento aquilo que temos é uma Visão Estratégica. Depois é importante ver os projetos que vão avançar. Um dos problemas que temos tido nos últimos anos é a grande insuficiência no investimento público. Temos níveis de investimento público que estão ainda muito abaixo de 2010 e que revelam um problema: o investimento público foi sempre a variável de ajustamento deste Governo quando decidiu colocar como prioridade a redução acelerada do défice. O objetivo de ficar à frente das metas que o próprio Governo tinha definido levou a uma compressão da execução do investimento. O investimento, mais do que orçamentado, é preciso que seja executado. Temos vários exemplos de investimentos que foram anunciados e depois não são executados. Queremos um reforço significativo do investimento público em áreas tão importantes como a saúde, a ferrovia e a educação.
O PCP considera que não mudou nada na situação económica do país por causa da pandemia?
Mudou e nós temos propostas para aumentar a receita e reduzir a despesa. As propostas para taxar os lucros que são feitos em Portugal e que hoje não são taxados, ou taxar o que é transferido para offshores, aumentam a receita. O mesmo para o englobamento obrigatório dos rendimentos no IRS a partir de certo valor para não permitir que sejam aplicadas as taxas liberatórias e, assim, permitir que rendimentos muito mais elevados paguem menos do que rendimentos mais baixos em taxa de IRS. É necessário colocar em causa as parcerias público privadas, nomeadamente rodoviárias, dado que durante o período de confinamento houve uma redução significativa do tráfego, mas o Estado continua a pagar os mesmos valores às concessionárias. É necessário rever esses contratos e acabar com essas PPP. Estamos a falar de reduzir a despesa.
Estamos num momento que não se coaduna com políticas orçamentais restritivas. É nestes momentos que o Estado precisa de ter políticas mais ambiciosas. Para nós as restrições europeias nunca foram determinantes, mas neste momento em que essas restrições nem sequer se colocam é necessário aproveitar para que o Estado tenha uma política orçamental que não seja de contração, mas, pelo contrário, que seja uma política de aumento do investimento público, de melhoria dos serviços públicos, de aumento dos rendimentos. Se o Governo PS diz que quer uma saída diferente daquela que foi a saída da anterior crise por parte do Governo PSD/CDS tem agora que ter essas opções.
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