Vasco Pedro, co-fundador e CEO da Unbabel, afirma que as pequenas empresas vão passar "imediatamente a fazer as coisas com inteligência artificial". Ouça o podcast "À prova de futuro".
A revolução da inteligência artificial generativa vai ter “impacto nos modelos de negócio e nos processos internos das empresas”, afirma Vasco Pedro, CEO da Unbabel. Em entrevista ao podcast “À Prova de Futuro”, o co-fundador da plataforma portuguesa de operações de linguagem afirma que “as pequenas empresas são aquelas que mais facilmente vão adaptar-se e vão ser de facto inovadoras na utilização de inteligência artificial“.
Ouça o episódio no leitor abaixo:
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O CEO da Unbabel considera que “o resultado final desta revolução vai ser positivo para o ser humano”, mas que a transformação pode ser difícil. “Cabe aos governos tentar garantir que não há uma mudança desgovernada e demasiado rápida porque, obviamente, a sociedade não consegue lidar com uma perda de emprego de 40%”, defende, neste podcast especial do ECO (tem o apoio da Altice).
Sobre a empresa, diz que a estratégia de aquisições vai continuar e revela que até ao final do ano a Unbabel deverá levantar mais capital. “Provavelmente no final do ano vamos estar prontos para levantar uma nova ronda de investimento no mercado“, diz. Será nessa altura que chega a uma avaliação e mil milhões de dólares?
Há muitos anos que interagimos com a inteligência artificial quando fazemos compras online ou usamos assistentes por voz como a Siri ou a Alexa. O que oferece a inteligência artificial generativa (IA) de diferente?
A IA generativa veio revolucionar a perceção do que é a IA no último ano. O que traz de diferente é uma capacidade de fazer uma série de tarefas de uma maneira muito mais geral, que até há pouco tempo pareciam ficção científica. A maneira de interagirmos, em vez de termos tarefas específicas em que treinamos um modelo ou um algoritmo para fazer uma coisa como conhecer imagens, como conseguir detetar spam, a IA generativa à base de large language models consegue ser utilizada para uma variedade de tarefas que, muitas delas, já consegue fazer a um nível igual ou superior ao do ser humano típico. Como passar exames da Ordem [dos advogados], passar em exames de matemática e uma série de outras coisas. O modo de interação, a aplicabilidade a tarefas gerais e o potencial para chegar a níveis de inteligência humana ou superior [é diferente].
E como é que isto vai ou já está a transformar os negócios?
Há dois tipos de transformação. Há situações onde o próprio modelo de negócio é em si afetado pela IA. O caso da Unbabel é um exemplo. Começou com a visão de que a IA iria ter um impacto enorme e é core do nosso negócio. A tradução tem uma parte cada vez mais intensa, mais importante de inteligência artificial. Há outro aspeto que é a IA a mudar a maneira como as empresas funcionam, não especificamente sendo parte do negócio. Por exemplo, uma empresa que faça marketing digital, se calhar o conteúdo de marketing hoje em dia já é criado com muita ajuda de large language models e, portanto, reduz a necessidade de um número de pessoas necessárias para produzir a mesma quantidade de conteúdo. Há um impacto nos modelos de negócio em si e nos processos internos das empresas, que vai acontecer cada vez mais.
Se me perguntassem há cinco ou dez anos o que aconselharia às minhas filhas a estudarem para estarem à prova do futuro, eu diria áreas criativas, porque a criatividade vai ser aquilo a que a IA não vai chegar. E, neste momento, estamos a ver que é a primeira coisa que a IA faz é criar histórias, marketing, websites, designs, imagens.
Muitos falam numa revolução. É a palavra certa?
Acho que sim. Isto é ‘slowly at first, and than all at ounce‘. Acho que estamos a começar a ver esses impactos. Vai haver um aumento grande de produtividade por empregado com o recurso à IA. A fase inicial é uma série de co-pilotos que ajudam em tarefas diferentes e que vai fazer com que o rácio de empregados por receita, por exemplo, vai mudar ao longo do tempo. Há exemplos muito concretos. O serviço de apoio ao cliente é das primeiras áreas que está a ser afetada pela IA, seja através da criação de agentes que são todos baseados em large language models, que conseguem responder às nossas perguntas de maneira bastante natural, seja através de utilização de modelos de IA para fazer a tradução de e-mails e chats. Na prática, vai ser possível, com muito menos recursos, dar um serviço de apoio ao cliente muito melhor. Muitas empresas que sem sequer têm investido nisso até agora, vão conseguir rapidamente chegar a um nível de serviço para o cliente fantástico. É uma indústria que vale vários milhares de milhões e que está a ser disrompida pela IA.
A mesma coisa vai acontecer numa série de áreas criativas. É aí que começa a ser talvez mais revolucionário. Se me perguntassem há cinco ou dez anos o que aconselharia às minhas filhas a estudarem para estarem à prova do futuro, eu diria áreas criativas, porque a criatividade vai ser aquilo a que a IA não vai chegar. E, neste momento, estamos a ver que é a primeira coisa que a IA faz é criar histórias, marketing, websites, designs, imagens.
A minha previsão é que nos próximos dois, três anos vai haver um filme algures no Netflix ou nos cinemas que foi completamente gerado por IA. Já está a ser feito o primeiro guião, não estamos assim tão longe de ver isso.
Isso agora a inteligência artificial generativa já vai fazer.
Cada vez mais. Nós vemos neste momento aplicações, coisas como a Sora, o modelo da OpenAI para a geração de filmes, e a minha previsão é que nos próximos dois, três anos vai haver um filme algures no Netflix ou nos cinemas que foi completamente gerado por IA. Já está a ser feito o primeiro guião, não estamos assim tão longe de ver isso. E depois, se pensarmos, por exemplo, em carreiras de modelo. Cada vez mais os avatares digitais e os modelos digitais estão a crescer. Há modelos digitais com milhões de seguidores, neste momento. É muito mais eficiente gerar uma campanha publicitária com recurso a modelos digitais do que contratar humanos para estarem a uma certa hora, num certo sítio com todo o processo e produção necessária. É este tipo de mudanças que há uns anos eram impensáveis e que agora estamos a ver como inevitáveis.
Que resposta daria agora às suas filhas sobre o que devem estudar agora?
Eu tenho quatro filhas, duas delas estão na faculdade e, portanto, é uma pergunta bastante relevante para mim. A mais velha está em Ciências da Comunicação; obviamente isto tem muito a ver com as paixões de cada uma delas e aquilo que aquelas acham interessante. A segunda está em IA, é uma área interessante artificial. A terceira vai para o 10.º ano, mas está mais a pensar em gestão e economia. As áreas que têm a ver muito com a interação com outros seres humanos, e vão ser muito ajudadas pela IA, vão ainda precisar de seres humanos envolvidos na criação de estratégias. Ou seja, não tanto na criação atómica de imagens ou de campanhas, mas como gerir a interação com outros seres humanos e levar um processo até ao fim. Mas é difícil. Se calhar antigamente era mais óbvio. Por exemplo, a minha segunda filha que está em IA, parece uma área fantástica, mas não consigo garantir que daqui a cinco ou dez anos os seres humanos ainda tenham um papel relevante na criação da IA.
Isso é também um desafio para as próprias empresas. Como é que as grandes, médias e pequenas empresas podem incorporar esse potencial da IA generativa nos seus negócios?
Eu vejo até que as empresas pequenas são aquelas que mais facilmente vão adaptar-se e vão ser de facto inovadoras na utilização de IA. Para uma empresa grande, um aumento grande de eficiência normalmente acarreta uma série de recursos que deixam de ser necessários. Essas mudanças de processos numa empresa grande são muito demoradas. São empresas que têm volumes de negócios grandes, querem mantê-los e têm mais cuidado com a experimentação, que podem ou não levar a uma eficiência. Ainda há algum receio. A Europa lançou finalmente a primeira legislação de IA. É um marco e vai ter impacto nos próximos 6, 12 meses, 18 meses. Mas isso vai fazer com que as empresas maiores sejam mais avessas a saltar de cabeça e correr riscos. Para as empresas mais pequenas vai ser mais fácil correr riscos. Vamos assistir uma disrupção através de uma competição em que as empresas pequenas passam imediatamente a fazer as coisas com IA.
Os governos e os órgãos políticos podem fazer a diferença e tentar garantir que não há uma mudança desgovernada e demasiado rápida, porque obviamente a sociedade não consegue lidar com uma perda de emprego de 40%. Isso seria impensável.
Há, de facto, o receio de que a IA generativa torne várias funções redundantes. Há estimativas que apontam para que 40% das tarefas possam ser automatizadas. Este é um receio fundado.
Em todas as revoluções tecnológicas houve uma grande mudança no mercado de trabalho. Se virmos a Revolução Industrial, todo o movimento ludita de Londres contra o aumento da eficiência através de máquinas é exatamente porque sentiam as suas indústrias ameaçadas. O que acontece é que isso levou bastante tempo. Foi uma mudança que teve tempo suficiente para a sociedade se adaptar. O final acabou por ser positivo do ponto de vista de riqueza, do crescimento da classe média ou do surgimento da classe média, de uma série de coisas que levaram à sociedade atual. Eu também sinto que o mesmo vai acontecer com a inteligência artificial. O resultado final desta revolução vai ser positivo para o ser humano. A transformação é que às vezes é complicada, sobretudo porque há um potencial de transformação muito rápido com estas tecnologias. E é essa mudança que tem de ser gerida com cuidado.
Os governos e os órgãos políticos podem fazer a diferença e tentar garantir que não há uma mudança desgovernada e demasiado rápida, porque obviamente a sociedade não consegue lidar com uma perda de emprego de 40%. Isso seria impensável. Acho que vão surgir muitos outros empregos que agora nós não conseguimos saber, porque não estamos ainda lá, mas tem sido sempre esse o resultado. Ou então vai-se chegar a algo que se pensou sempre com a Revolução Industrial e o aumento tecnológico, em que a criação de valor não depende diretamente do número de horas de trabalho humano, e isso vai permitir que os seres humanos consigam ter tempo livre para fazer uma série de outras coisas. Como é que modelos de negócio, modelos económicos e sociais se adaptam para permitir que isso seja possível? Será que é através de um rendimento mínimo garantido? Uma empresa que contrata um trabalhador digital tem de pagar impostos sobre esse trabalhador? Há uma série de ideias a serem estudadas, mas nada ainda muito concreto.
Acho que vão surgir muitos outros empregos que agora nós não conseguimos saber, porque não estamos ainda lá, mas tem sido sempre esse o resultado. Ou então vai-se chegar a algo, que se pensou sempre com a Revolução Industrial e o aumento tecnológico, em que a criação de valor não depende diretamente do número de horas de trabalho humano.
Como é que a Unbabel está a trabalhar este tema da inteligência artificial generativa? O que é que isto vai trazer de novo para o negócio?
Há cerca de um mês lançámos um novo modelo generativo, o TowerLLM, como o nosso primeiro grande modelo generativo que ataca áreas que nos interessa, como a tradução, pós-edição, correção de fontes e estimação e qualidade de tradução. É, nesse momento, o melhor modelo do mundo para essas tarefas. É melhor do que qualquer ChatGPT, Mistral ou qualquer coisa que esteja aí. Está a criar muito interesse na indústria. O que estamos a ver é áreas em que tipicamente precisávamos de mais seres humanos para a tradução, estão rapidamente a mudar para serem muito mais independentes de seres humanos. Por outro lado, isso abre um conjunto de áreas de negócio novas para a Unbabel, que agora conseguimos atacar, em que antes teríamos apenas de recorrer a seres humanos e agora já conseguimos ter um modelo híbrido. Por exemplo, a maior parte dos nossos clientes estão a começar a utilizar o TowerLLM para fazer o serviço ao cliente. Mas estamos agora a abrir outra área de negócio do ponto de vista de tradução de conteúdo, seja marketing, vendas, que antes era feita totalmente com processos humanos e agora já temos a inteligência artificial a ajudar.
A Unbabel levantou perto de 20 milhões de dólares no final do ano passado. Quais são os vossos planos? Há novas aquisições na calha?
Há, sim. Neste momento estamos a seguir uma estratégia de aquisições, porque estamos a ver uma consolidação a acontecer no mercado das traduções, em que há uma série de empresas que não têm capacidade de fazer a atualização e competir neste novo mundo da inteligência artificial. E, portanto, faz sentido fazer aquisição dessas empresas para permitir que nós próprios possamos trazer os seus clientes para estas novas tecnologias. Isso está a ter imenso sucesso e vamos continuar a evoluir esta estratégia e a acelerar.
A nossa expectativa é que, provavelmente no final do ano, vamos estar prontos para levantar uma nova ronda de investimento no mercado.
Novas rotas de captação de investimento? Há alguma uma coisa prevista?
Neste momento estamos a estabelecer uma série de data points com as aquisições que fizemos. E a nossa expectativa é que, provavelmente no final do ano, vamos estar prontos para levantar uma nova ronda de investimento no mercado. Também estamos a observar os mercados internacionais e perceber se o estrangulamento que está a sentir nos últimos anos está a começar a aliviar. Tudo indica que sim.
É aí que a Unbabel vai chegar a uma avaliação de 1.000 milhões de dólares?
Vamos ver. As avaliações têm mudado bastante nos últimos anos. Houve valorizações incríveis em 2021, e agora está a voltar aos níveis de pré-covid. É difícil dizer. Depende muito do mercado. Para nós, genuinamente também não é esse o objetivo. O objetivo é criar uma empresa grande a nível global e termos espaço e mercado para o fazer. No caminho vão acontecer uma série de marcos como ser chamado de unicórnio ou fazer uma oferta pública.
Este ano ou no próximo.
Exato. Vamos ver.
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