Próximo Governo deveria rever extinção das direções regionais de Agricultura, defende Capoulas Santos

Capoulas Santos acredita que o próximo Executivo terá um Ministério da Agricultura com mais peso político. Mas sublinha que não está no seu horizonte político voltar a exercer funções governativas.

A extinção das direções-gerais de Agricultura é “uma questão que deveria ser revista”, defende Luís Capoulas Santos. O antigo ministro da Agricultura, apesar de socialista, considera que a medida retirou atrativos para fixar quadros qualificados fora de Lisboa. “Deveria, no mínimo, ser reequacionado o seu papel e a sua dimensão”, sublinhou em entrevista ao ECO, recordando que é, e sempre foi, um defensor da regionalização. A razão maior pela qual o Governo de António Costa extinguiu as direções regionais da Agricultura e passou as suas competências para as CCDR.

Questionado se o próximo Executivo terá de ter, obrigatoriamente, um Ministério da Agricultura com mais peso político, Capoulas Santos responde sem hesitação: “Não tenho dúvidas”. Mas afasta a possibilidade de ocupar novamente a pasta que já foi sua, caso Pedro Nuno Santos vença as eleições legislativas de 10 de março e o convide para o cargo. “Não está no meu horizonte político, voltar a exercer funções governativas. Mas estarei na política”, promete.

Capoulas Santos defende a política de contas certas de António Costa e critica quem, perante um excedente orçamental — o segundo em democracia –, ache que já há dinheiro para “os professores, os polícias, os agricultores”. “Não é esse o bom caminho. Temos de ter contas equilibradas. Temos de gerar excedentes, uma parte deles para reduzir a dívida, outra parte para acautelar alguma imprevisibilidade“, defende.

O antigo ministro da Agricultura considera que os protestos tiveram um caráter verdadeiramente espontâneo, ainda que houvesse elementos das associações do setor envolvidos, não lendo nos mesmos um aproveitamento político nem da esquerda nem da extrema-direita. Acredita que o Governo, mesmo em gestão, tem “margem de manobra na gestão do quotidiano” — “E daquilo que estamos a falar”, diz –, sendo que essa margem é balizada “pelo Orçamento do Estado, que está em vigor”. Já medidas como a reforma da Política Agrícola Comum, essas “são estruturais” e não faz sentido serem levadas a cabo pelo atual Executivo, quando “o povo vai pronunciar-se”. “Será lógico que a condução seja de quem ganhar as eleições”, conclui. Mas, na sua opinião, a revisão da PAC é garantida tendo em conta que, ao fim de dois anos, governos e a própria Comissão Europeia consideram que é necessário avançar nesse sentido.

Um próximo Governo deveria voltar atrás na decisão da extinção das direções regionais de Agricultura?

Deveria, no mínimo, ser reequacionado o seu papel e a sua dimensão. Vou dar um exemplo. Quando se levaram as direções-gerais para fora de Lisboa, uma direção-geral tem várias direções de serviços, tem várias divisões, é uma estrutura que também atrai quadros qualificados para o setor. Ora, quando se extingue uma direção-geral e ela passa a uma direção de serviços, cai um conjunto de chefias. Ou seja, cai algum atrativo para fixar alguma classe média especializada no setor agrícola, porque, simultaneamente, em Lisboa, não houve a redução de um único lugar de chefia. Parece-me um pouco paradoxal, em nome da descentralização, reduzir os quadros das regiões quando na macrocefalia continuam intactos. Era uma questão que deveria ser revista nos termos que forem considerados adequados, porque sempre fui a favor da regionalização, e continuo a ser. Mas uma regionalização com uma estrutura administrativa tão parecida, tanto quanto possível, com o que acontece com os governos regionais. Ninguém contesta a forma como está organizada a secretaria regional da agricultura nos Açores ou na Madeira. Mas essas secretarias regionais da agricultura têm as direções-gerais da agricultura. Aqui andamos um pouco para trás nesse sentido.

[A extinção das direções-gerais de Agricultura] era uma questão que deveria ser revista nos termos que forem considerados adequados, porque sempre fui a favor da regionalização.

O Executivo pôs sobre a mesa algumas que já estavam previstas no acordo de concertação, outras no Orçamento do Estado, nomeadamente a questão da redução do gasóleo agrícola E, no fim de contas, do bolo de 440 milhões, 120 são promessas de apoio para 2025, nomeadamente no que diz respeito aos apoios à seca. Faz sentido criar quase que esta espécie de engano, porque o Governo parece estar sempre a atirar com milhões para resolver o problema, mas depois o dinheiro ou é o mesmo ou não é para gastar já?

Não diria que é um engano. O Governo fez a sua avaliação dos recursos que tinha disponíveis, dos compromissos que tinha e da calendarização que considera mais adequada para os executar. Sobre essa matéria não tenho opinião. Não conheço as medidas em grande detalhe, mas não tenho dúvidas de que foram anunciadas de boa-fé, de acordo com o calendário que parece mais adequado ao Governo.

Tendo em conta o excedente orçamental de 2023, faria sentido ter-se ido mais longe em termos de ajudas de Estado a requerer a Bruxelas para apoiar o setor?

Sou muito favorável às contas certas, ao excedente orçamental e a que uma parte dele possa ser destinada à redução da nossa gigantesca dívida pública. Não obstante ela ser, em percentagem do PIB, das que mais se reduziu nos últimos tempos.

Mas também reduziu em termos nominais.

Em 50 anos de democracia, que comemoramos este ano, tivemos dois com excedente orçamental, durante os outros 48 somámos défices que nos levaram a esta dívida gigantesca, que nos têm provocado um enorme dispêndio no pagamento de juros, milhares de milhões de euros em juros — que aumentaram ainda mais quando as taxas de juro subiram. Tudo aquilo que possamos fazer para manter uma boa imagem junto das agências de rating, para diminuir a dívida, porque mesmo que utilizássemos todo este excedente, e tivéssemos um excedente deste tipo todos os anos, levaríamos muitas décadas para pagar a nossa dívida. Quando vejo agora que temos um pequeno excedente, uns a dizerem que já pode ir tudo para os professores, para os polícias, para os agricultores. Não é esse o bom caminho. Temos de ter contas equilibradas. Temos de gerar excedentes, uma parte deles para reduzir a dívida, outra parte para acautelar alguma imprevisibilidade. Tivemos a Covid, a guerra na Ucrânia, incêndios florestais, uma situação de seca ou outro tipo de catástrofe. Parte do excedente orçamental, que não for para reduzir a dívida, devia estar reduzido a um pequeno seguro de vida, para acorrer a situações excecionais. E devíamos procurar fazer a gestão das necessidades que temos, que são muitas.

Capoulas Santos, ex-ministro da Agricultura, em entrevista ao ECO
“Parte do excedente orçamental, que não for para reduzir a dívida, devia estar reduzido a um pequeno seguro de vida, para acorrer a situações excecionais”, defende Capoulas Santos, ex-ministro da Agricultura.Hugo Amaral/ECO

O próximo Executivo vai ter obrigatoriamente de ter um Ministério da Agricultura com mais peso político?

Sim. Não tenho dúvidas sobre isso.

Se Pedro Nuno Santos ganhar as eleições e o convidasse para ser ministro, aceitaria? Sei que disse que se queria retirar da política…

[Risos] Não disse que me queria retirar da política. Retirei-me do Parlamento. Entendi que era a hora de dar a voz aos mais novos. Tive a honra de ser sete vezes cabeça de lista no meu distrito e ter passado o PS, no distrito de Évora, de zero deputados a dois em três. Sinto muito orgulho por isso. Mas, entendi que era altura de dar o lugar a uma nova geração, que, estou certo, fará ainda melhor do que fui capaz de fazer. Mas não tenho nenhuma perspetiva de voltar. Não está no meu horizonte político, voltar a exercer funções governativas. Mas estarei na política, claro.

Sente que nestes movimentos inorgânicos está a haver algum aproveitamento político por parte da esquerda — sabemos que alguns têm sido orientados pela CNA que tem uma orientação mais próxima do PCP — ou de extrema-direita, nomeadamente do Chega?

Achei muito curioso, porque este movimento em Portugal pareceu-me ter sido genuinamente espontâneo. E hoje as redes sociais sobre essa matéria operam milagres. Com uma exceção. De facto, a movimentação em Coimbra foi claramente conduzida pela CNA e em Vila Real. Mas conheço bem o setor, conheço bem as pessoas e vi nas organizações espontâneas muitos dirigentes associativos ligados a estas confederações. Quer dizer que as confederações formalmente não se chegaram à frente, mas uma boa parte dos seus quadros estiveram envolvidos nestas movimentações. Mas creio que, apesar de tudo, este foi um movimento espontâneo, como provavelmente nenhum outro antes tinha ocorrido em Portugal, na área agrícola.

Apesar de tudo, este foi um movimento espontâneo, como provavelmente nenhum outro antes tinha ocorrido em Portugal, na área agrícola.

E porque é que os agricultores tiveram de recorrer a estes movimentos inorgânicos? Será que as confederações e as associações que os representam não bastam?

Talvez a posição mais reservada por parte das confederações… Aliás, a CAP disse que tinha negociado a reposição dos cortes nos pagamentos [60 milhões de euros nas candidaturas aos ecorregimes]. Essa era a primeira razão de cariz nacional, tendo ela sido imediatamente satisfeita não faria sentido, talvez juntar-se aos protestos. Por outro lado, as confederações talvez tenham tido alguma atitude de respeito pelo momento político que vivemos. Assistimos neste momento, como nunca vimos, em vários setores, um grande poder reivindicativo a um Governo que está a um mês de cessar funções.

Um Executivo em gestão pode, de facto, avançar com outro tipo de medidas que não as que foram as que foram avançadas?

Sim, um Governo que está em gestão tem uma margem, que é a que o Orçamento do Estado, que está em vigor, lhe permite.

Existe um Orçamento aprovado para 2024.

Um Governo em gestão não pode assumir compromissos que extravasem, por exemplo, do ponto de vista financeiro, o Orçamento que está aprovado. Medidas estruturais de grandes reformas não parece fazer sentido, uma vez que o povo vai pronunciar-se e será lógico que a condução seja de quem ganhar as eleições. Mas, apesar de tudo, há uma margem de manobra na gestão do quotidiano. E aquilo que estamos a falar, basicamente, é a gestão do quotidiano. Uma das reivindicações é a reforma da PAC. Isso é algo de estrutural, que também não é uma grande novidade. Os períodos de programação costumam ser de sete anos, a que acrescem mais dois ou mais três. Há sempre aquilo a que se chama a revisão de meio termo. Ao terceiro ano, normalmente, é feita uma avaliação na qual se verifica o que está a correr bem, medidas que precisam ser ajustadas… Essa revisão de meio termo faz sempre um ajustamento. É isso que vai acontecer inevitavelmente. A única estranheza é que estamos a fazer uma revisão de meio termo ao fim de um ano.

Porque as negociações foram mal conduzidas?

Se se reconhece por parte de alguns governos, que encerraram esta negociação há pouco mais de dois anos, acham que há uma necessidade de a rever. Se a própria Comissão Europeia admite essa necessidade, é a confissão de que alguma coisa não correu bem e, portanto, deve ser corrigida.

As mensagens de Ursula von der Leyen também podem estar muito contaminadas com o seu desejo de ser reeleita?

Sim.

Este é o momento perfeito para os agricultores pedirem cedências?

Nos discursos da senhora comissária sobre esta matéria e volto a repetir, pelo pouco protagonismo que tem sido dada ao seu comissário da Agricultura, acho que ela própria terá contribuído para este desequilíbrio negocial em detrimento da agricultura e talvez agora a dimensão destes protestos estejam a fazer refletir e a procurar também reagir um pouco à pressa de que a retirada há uns dias da proposta dos pesticidas é um bom exemplo.

  • Diogo Simões
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