O sócio da Cuatrecasas, Rui Vaz Pereira, afirmou que com a pandemia a litigiosidade laboral cresceu e garantiu que só não aumentou mais devido aos apoios concedidos às empresas, como o lay-off.
Rui Vaz Pereira, sócio da área de laboral da Cuatrecasas, esteve à conversa com a Advocatus e sublinhou que hoje percebe que um bom advogado, para além de ter de ser uma referência em termos técnico-jurídicos, tem de ser um bom gestor, quer a nível económico quer ao de recursos humanos.
Afirmou que com a pandemia a litigiosidade laboral cresceu e garantiu que só não aumentou mais devido aos apoios concedidos às empresas, como o lay-off. Segundo Rui Vaz Pereira, o sócio não é uma “figura esfíngica”, mas antes “alguém de carne e osso”.
Integrou a Cuatrecasas em 2006. Como têm sido estes 15 anos ao serviço da sociedade?
Quando integrei a Cuatrecasas em 2006, como estagiário, aquilo que mais me atraiu na sociedade foi a extraordinária qualidade – técnica e humana – das pessoas que a compunham e a aposta no crescimento orgânico. Por isso, se me perguntassem há 15 anos se imaginava a possibilidade de chegar a sócio, teria respondido que sim. É essa a mensagem que gosto de transmitir aos advogados mais novos: a de que neste escritório, com dedicação e a mentalidade certa, podem fazer carreira e atingir os patamares que pretendem. Nestes 15 anos vi a Cuatrecasas crescer muito a todos os níveis, tornando-se cada vez mais uma referência nacional e internacional no mercado da advocacia, sempre com o foco nos nossos clientes. Tem sido um percurso bastante exigente, mas também extremamente rico em termos pessoais e profissionais, porque tive a oportunidade de trabalhar com advogados extraordinários e em assuntos complexos, nos quais me foi sendo dada cada vez mais autonomia.
Em abril assumiu o cargo de sócio da firma. Como está a correr este novo desafio?
Tem sido um ano muito desafiante, com a passagem a sócio em abril e com a passagem a coordenador do departamento de direito laboral a partir de julho. Na Cuatrecasas somos preparados desde cedo para desenvolver ao máximo as nossas capacidades enquanto advogados, pelo que, em certa medida, a passagem a sócio foi um passo natural nessa evolução. É claro que existem aspetos relativamente aos quais tenho de dedicar mais atenção agora que sou sócio e esses têm a sua curva de aprendizagem. Contudo, tenho a sorte de poder contar com o apoio dos meus sócios, com um departamento fantástico e com uma organização incansável, o que sem dúvida me tem ajudado bastante.
O sócio não é uma figura esfíngica, mas alguém de carne e osso que, no caso da nossa firma, deve ser a personificação daquilo que é o ADN Cuatrecasas.
Qual é o papel que um sócio desempenha atualmente dentro de uma sociedade?
O sócio numa sociedade como a Cuatrecasas assume cada vez mais um papel de gestor, de pessoas, de clientes e do negócio. Sem esquecer a componente técnica, que é fundamental e a base para qualquer bom advogado, ao sócio são exigidas qualidades que vão muito para além disso. O sócio tem de ser conselheiro do cliente, ajudando-o não só do ponto de vista técnico, mas também estratégico, apresentando-lhe soluções inovadoras e que gerem ganhos de eficiência. Mas também deve ser um gestor exímio da sua equipa e deve ter a capacidade de chegar a todos os que compõem a organização, desde o estagiário ao sócio mais sénior. O sócio não é uma figura esfíngica, mas alguém de carne e osso que, no caso da nossa firma, deve ser a personificação daquilo que é o ADN Cuatrecasas.
A pandemia Covid-19 impôs uma nova forma de trabalhar, o teletrabalho. Sente que as empresas estavam preparadas para adotar este regime e providenciar todas as condições para esse fim aos seus trabalhadores?
Até ao início da pandemia de Covid-19 poucas eram as empresas que, por sua iniciativa, ofereciam ou acordavam com os seus trabalhadores formas de trabalho flexíveis, nomeadamente através do teletrabalho. Isto devia-se, essencialmente, (i) à incerteza quanto ao impacto no funcionamento das organizações e na produtividade do teletrabalho generalizado ou, pelo menos, do teletrabalho para uma parte significativa dos trabalhadores, (ii) a alguma “cultura de presentismo” existente nas empresas e (iii) à falta de meios técnicos e tecnológicos que permitissem o recurso ao teletrabalho.
Ora, com a pandemia, as empresas foram obrigadas a viajar à velocidade da luz em poucos dias e deram nesse período um salto que demoraria anos a ocorrer. Assim sendo, e como foi tudo tão repentino, é natural que algumas empresas tenham sentido algumas dificuldades iniciais em implementar o teletrabalho, mas rapidamente tiveram de se adaptar. Pelo contrário, as empresas que já utilizavam este tipo de modelo de trabalho ou que se preparavam para o fazer em breve não tiveram quaisquer problemas.
Quais são os aspetos sobre os quais o legislador nacional deverá debruçar-se com urgência, no âmbito laboral?
Na minha perspetiva, o legislador laboral deverá debruçar-se sobre a duração e organização do tempo de trabalho (retomando, por exemplo, o banco de horas individual), sobre novas formas de contratação e sobre os modelos de trabalho flexível (como o smart working ou o teletrabalho).
Por outro lado, o legislador deveria, de forma real, promover a contratação coletiva, mas, ao mesmo tempo, esclarecer e trazer alguma certeza jurídica quanto à caducidade de contratos coletivos de trabalho, que é um tema que causa sempre grandes dificuldades práticas às empresas e conduz a soluções bizarras de perpetuação (em estado “zombie”) de alguma contratação coletiva.
Sobre o direito à desconexão, considera que a lei atual é suficiente ou é necessária uma reformulação da mesma?
Embora este seja um “hot topic” e este direito já tenha consagração legal nalguns países europeus, creio que a legislação laboral portuguesa é suficiente para assegurar o direito à desconexão. Com efeito, quer os deveres do empregador e os direitos do trabalhador consagrados no Código do Trabalho, quer as regras sobre duração e organização do tempo de trabalho permitem estabelecer limites e dividir os tempos de trabalho dos tempos de descanso. Naturalmente que uma intervenção legislativa específica sobre este tema teria como virtude uma consagração expressa deste direito e das regras inerentes ao mesmo, mas não creio que seja uma necessidade premente ou algo sem o qual os Tribunais, colocados perante um caso concreto, tenham dificuldade em decidir.
Antecipo que os próximos meses serão de bastante atividade no setor laboral, não só pela crescente litigiosidade laboral, mas também pelas já esperadas alterações legislativas.
Que tipos de litígios laborais mais emergiram com a pandemia?
Com a pandemia a litigiosidade laboral cresceu e isso nota-se na própria atividade dos juízos do trabalho e no aumento da respetiva pendência. Embora os juízos do trabalho continuem a ser bastante céleres (quando comparados, por exemplo, com a jurisdição cível, criminal ou administrativa e fiscal), tem-se vindo a notar um maior atraso nos processos, fruto do maior número de processos e dos dois confinamentos (em 2020 e 2021), altura em que os Tribunais estiveram praticamente parados.
Tem-se registado um aumento dos processos de impugnação de despedimento e de reclamação de créditos laborais, o que evidencia que as empresas têm tido necessidade de reduzir a sua estrutura de recursos humanos ou têm tido dificuldades em cumprir as suas obrigações salariais. A litigiosidade só não aumentou mais por causa dos apoios concedidos às empresas, nomeadamente o lay-off simplificado e os apoios subsequentes, que têm vindo a permitir às empresas atravessar a pandemia com algum apoio de tesouraria.
E que tipo de dúvidas têm os clientes?
As dúvidas dos clientes são bastante diversificadas, mas no início da pandemia essas dúvidas centraram-se essencialmente no lay-off simplificado e nas demais medidas de apoio com impacto ao nível laboral.
Após esse período inicial, as dúvidas passaram a focar-se também no teletrabalho e nas formas alternativas de organização do trabalho (turnos rotativos, entradas e saídas desfasadas, etc.). Hoje em dia, embora tenham voltado a colocar as dúvidas que colocavam antes da pandemia – fruto de alguma sedimentação das medidas e da normalização possível da atividade -, os clientes querem saber de que forma poderão, no futuro, tornar as suas organizações mais ágeis e como poderão preparar e implementar novos modelos de trabalho flexível que vieram certamente para ficar.
Que previsão faz para o setor laboral nos próximos meses?
Antecipo que os próximos meses serão de bastante atividade no setor laboral, não só pela crescente litigiosidade laboral, mas também pelas já esperadas alterações legislativas ao regime do teletrabalho previsto no Código do Trabalho e pelas mudanças que certamente surgirão como consequência do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, nomeadamente ao nível do trabalho nas plataformas digitais ou do desenvolvimento e implementação de políticas de igualdade e diversidade.
Licenciou-se em direito em 2006. Se pudesse voltar atrás, mantinha a decisão de ingressar em direito ou mudava de área?
Sem dúvida que mantinha a decisão de tirar o curso de Direito. Era algo que já tinha bastante claro na minha cabeça desde os meus 14/15 anos e isto apesar de não ter ninguém na família nesta área. Foi sempre uma área que me atraiu pela possibilidade de criar soluções e resolver problemas através do poder da argumentação. De todo o modo, hoje percebo claramente que um bom advogado, para além de ter de ser uma referência em termos técnico-jurídicos, tem de ser também um bom gestor – quer a nível económico quer a nível de recursos humanos – e, por isso, os conhecimentos ao nível da gestão e das soft skills são fundamentais para triunfar.
Quais são as suas perspetivas profissionais para daqui a 10 anos?
Estando num escritório como a Cuatrecasas e fazendo aquilo de que gosto (direito laboral), as perspetivas só podem ser as melhores. Espero continuar a ter o privilégio de trabalhar com a minha equipa e a apoiar os nossos clientes, encontrando com eles as soluções jurídicas mais eficientes para as suas organizações. Tenho bastantes projetos que já estão em marcha e outros tantos para desenvolver no futuro, pelo que nos próximos 10 anos espero – e sei que vou – desenvolver ainda mais o departamento de direito laboral, tornando-o uma referência ainda maior nesta área.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Rui Vaz Pereira: “A litigiosidade laboral só não aumentou mais por causa dos apoios às empresas”
{{ noCommentsLabel }}