No final do próximo ano, a atribuição de pensões de velhice passará para um novo sistema, em que a intervenção humana é reduzida e os documentos em papel algo do passado.
Foi no 17º andar do Ministério do Trabalho, na Praça de Londres, que a secretária de Estado da Segurança Social abriu a porta às questões do ECO. Em hora e meia de conversa, houve ocasião para colocar muitas perguntas, das pensões à sustentabilidade do sistema, piscando já o olho à ida às urnas de outubro.
Cláudia Joaquim adiantou que depois do reembolso das despesas de funeral e das pensões de invalidez serão as pensões de velhice a passar para o novo sistema de informação, diminuindo-se consideravelmente a intervenção humana e fazendo-se do papel um elemento do passado. Essa mudança está prevista já para o final do próximo ano, informou a secretária de Estado.
Enquanto essa altura não chega, a governante avançou ao ECO um balanço do novo regime de flexibilização da idade de acesso à reforma, revelando que, só este ano, já foram atribuídas 26 mil pensões antecipadas ao abrigo do regime das muito longas carreiras e das longas carreiras.
De olhos no futuro, Cláudia Joaquim não quis contar que bandeiras serão as dos socialistas para a Segurança Social, na corrida à Assembleia da República, mas deixou uma palavra de ordem: continuidade.
O Parlamento aprovou uma recomendação ao Governo no sentido de alargar as pensões provisórias também aos beneficiários que não estejam a trabalhar. O Governo está aberto a seguir esta recomendação?
Sabemos que neste universo [do desemprego de longa duração] é possível que existam situações de maior vulnerabilidade e, portanto, a prioridade às reformas antecipadas no desemprego de longa duração tem acontecido sempre. Porque é que precisamos de ter mais cuidado na atribuição de pensões provisórias no desemprego de longa duração? Não é que elas não possam ser atribuídas. É só que está em causa uma decisão. Quem requer uma pensão antecipada, seja por desemprego por longa duração, seja no âmbito do regime de flexibilização, vai tomar uma decisão para a vida em função do valor que recebe. E se estivermos a atribuir uma pensão provisória cujo valor não seja muito próximo do real podemos estar a condicionar ou a induzir de forma errada uma decisão. Portanto, a atribuição de pensões provisórias no caso do desemprego de longa duração tem de ter um tratamento muito particular e um cuidado adicional. Ou a reforma antecipada por desemprego de longa duração e que seja provisória está num valor já muito próximo [do valor da pensão definitiva] ou, então, consideramos que devemos continuar a dar prioridade a esses requerimentos, mas sem um tratamento tão massivo de pensões provisórias.
O Governo está a trabalhar em instrumentos para reduzir essa diferença?
Sim, tem sido um trabalho ao longo destes dois anos, três anos, porque para a atribuição da pensão é muito relevante o registo da carreira contributiva. Este fator da reconstituição da carreira contributiva é determinante. Já está a decorrer o processo de desmaterialização da informação que está em papel ou em microfilmes. O processo está a acontecer faseadamente por centro distrital e estamos neste momento a terminar Lisboa, que é onde há um volume muito elevado. Contamos que nos próximos meses toda essa desmaterialização esteja feita. Em paralelo, à desmaterialização, está a decorrer também um processo para que, desmaterializado o documento, ele possa ser registado na carreira contributiva. Isso permitirá que praticamente deixe de haver a atribuição de pensões provisórias ou uma necessidade de reconstituir a carreira, porque ela já estará reconstituída.
Associando o novo sistema de informação de pensões à reconstituição das carreiras contributivas para grande percentagem das pessoas, podemos ter daqui a um ano, um ano e meio, uma diferença muito significativa na capacidade do sistema atribuir as pensões com muito maior celeridade.
Portanto, o processo de atribuição da pensão seria muito mais célere…
O processo seria muito mais célere. Penso que perdemos algumas oportunidades, ao longo dos últimos anos, por não apostar nessa reconstituição das carreiras, mas é um processo que está a decorrer. Essa situação, em paralelo com o desenvolvimento do novo sistema de informação de pensões, estou completamente convencida que fará toda a diferença. Nós estamos a falar de um sistema de informação de pensões que, provavelmente, é o sistema mais complexo que foi desenvolvido desde há muitos anos, porque não se pode correr o risco de introduzir um sistema de informação novo, com esta responsabilidade, descontinuar o antigo, sem termos a certeza absoluta que ele vai funcionar. Se há algo que não se pode por nunca em causa é o pagamento das pensões. Associando o novo sistema de informação de pensões à reconstituição das carreiras contributivas para grande percentagem das pessoas, podemos ter daqui a um ano, um ano e meio, uma diferença muito significativa na capacidade do sistema atribuir as pensões com muito maior celeridade, com menos intervenção humana, o que também diminui eventuais situações erro e não carece de uma análise tão manual. O resultado final será termos um sistema totalmente desmaterializado, desde o requerimento até à decisão, estando também a carreira contributiva totalmente reconstituída.
Uma vez que o sistema vai exigir menos intervenção humana, a falta de recursos humanos será menos gravosa na atribuição de pensões e, portanto, resultará em menos atrasos? Ainda assim, o Governo planeia reforçar os recursos humanos dos serviços?
É fundamental reforçar os recursos humanos destes serviços. Estamos a falar, no caso do Centro Nacional de Pensões, de uma redução de cerca de 39%, quase 40%, em poucos anos. Neste momento, conseguimos recuperar o nível de recursos humanos do Centro Nacional de Pensões de 2012, mas continuamos a reforçar essa área, com concursos internos e com o concurso externo que está a decorrer. A aposta nos recursos humanos vai continuar, porque é sempre necessário e, se quisermos ter um sistema que atribua muito rapidamente pensões, é fundamental o reforço dessa equipa. A primeira entrada em produção do novo sistema de informação de pensões já aconteceu, através do reembolso das despesas de funeral. Desde março que é possível fazê-lo na Segurança Social Direta através de um requerimento online e todo o processo segue depois, sem nenhuma intervenção e sem papel. Esta semana, será já possível que as próprias funerárias possam fazer, com autorização, esse requerimento em nome do requerente. A nossa expectativa é que, nesta prestação em particular, possamos ter um ganho muito grande, porque ao ser feito na Segurança Social Direta o processo é feito de forma muito mais rápida.
Falou-me do reembolso das despesas de funeral, qual será a próxima prestação a ser alvo desta automatização?
O que está planeado é que as próximas sejam as pensões de invalidez, no final do primeiro semestre de 2020. Estamos a falar de um processo já mais complexo, que implica o cálculo da pensão, a verificação das condições e, portanto, os trabalhos têm estado já a decorrer. As pensões de invalidez estão previstas para o final do primeiro semestre de 2020 e as pensões de velhice no final de 2020. Depois as pensões de sobrevivência serão uma terceira fase, mas assim cobriremos uma parte muito significativa de pensões, com estas funcionalidades.
Nesse momento, a intervenção humana será, então, apenas residual. É isso?
Diminui significativamente. Há sempre uma necessidade de verificação e confirmação, se por exemplo, uma carreira contributiva tiver uma lacuna de um mês, dois meses, um ano, que tenha de se verificar se essa informação existe para que seja atualizada.
Já foram atribuídas até este mês cerca de 26 mil pensões ao abrigo das reformas antecipadas das muito longas carreiras e do novo regime de flexibilização.
Em relação ao novo regime de flexibilização da idade de acesso à reforma, que balanço é que faz destes primeiros seis meses?
Quando é feito o requerimento, não é exigido a quem requer que saiba qual o regime, ou seja, o requerimento de pensão é feito e o que os serviços verificam é, mediante estas condições (a idade, a carreira contributiva), qual é o regime mais favorável que se aplica. Isto para dizer que acaba por ser difícil conseguirmos saber quantos requerimentos entraram ao abrigo do novo regime de flexibilização ou quantos entraram ao abrigo do regime das longas carreiras. Já foram atribuídas até este mês cerca de 26 mil pensões ao abrigo das reformas antecipadas das muito longas carreiras e do novo regime de flexibilização. Acaba por ter, nestes primeiros meses, uma expressão que não é muito grande, mas também verificamos, quando olhamos para os novos requerimentos mensais, que houve um aumento dessas decisões, desde janeiro. Já é influência do novo regime de reformas antecipadas.
As 26 mil pensões que referiu dizem respeito às carreiras muito longas e longas. Consegue adiantar o número desagregado de decisões?
Neste momento, não tenho o valor desagregado dos dois regimes, mas verificamos com o valor agregado que houve um aumento, em fevereiro, março e abril, face àquilo que era registado nos últimos meses do ano anterior. É, claramente, influência do regime de flexibilização, se bem que o grande aumento de requerimentos verificou-se mesmo nos primeiros meses após outubro de 2017.
Dissociar o emprego da sustentabilidade da segurança social não é possível, até porque quando temos mais emprego temos mais contribuições, mas também temos menos desemprego e menos subsídios de desemprego a serem pagos.
Sobre a sustentabilidade da Segurança Social, que outras medidas estão a ser pensadas para além do reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS)?
Por um lado, temos como muito importante a diversificação das fontes de financiamento, mas temos a clara convicção de que a receita do sistema previdencial da Segurança Social deve continuar a assentar essencialmente nas contribuições pagas, determinadas em função dos salários. Além disso, a recuperação das contribuições desde 2015 tem sido muito significativa, o que está diretamente associado ao mercado de trabalho, à criação de mais emprego, ao aumento dos salários. Dissociar o emprego da sustentabilidade da segurança social não é possível, até porque quando temos mais emprego temos mais contribuições, mas também temos menos desemprego e menos subsídios de desemprego a serem pagos. E temos também a questão da evolução da esperança média de vida e das questões demográficas: As medidas tomadas, e que continuarão a ser tomadas, ao nível da promoção da natalidade; e é inevitável que se tenha de apostar em saldos migratórios positivos, porque a população ativa é aquela que, num sistema de repartição, compensa o envelhecimento da população.
Portanto, defende que, perante o envelhecimento demográfico, o caminho é reforçar a população ativa e não aumentar a idade da reforma, como sugeriu um estudo recente, ou até mesmo alargar o fator de sustentabilidade, como acabou como defender a OCDE?
Mas o facto de termos indexado a esperança média de vida à idade legal da reforma já foi a principal reforma que Portugal introduziu e tem precisamente esse efeito. Reformas estruturais e permanentes nos sistemas de pensão… não creio que sejam com frequência o ideal. O que precisamos é ir avaliando permanentemente para perceber que medidas podem ser tomadas para fazer face àqueles que são os desafios permanentes. Não podemos olhar só para as regras da Segurança Social como a única solução para Portugal fazer face ao desafio da sustentabilidade da Segurança Social.
Face a um abrandamento da economia, perspetiva uma antecipação do desequilíbrio das contas da Segurança Social e talvez um regresso aos cortes? Ou as contas da Segurança Social estão suficientemente sólidas para resistir a esse cenário?
Não podemos isolar a Segurança Social e a sua sustentabilidade de todo o resto. Se não houvesse transferência de prestações sociais ou de pensões, o risco de pobreza na população mais vulnerável aumentava significativamente e também teríamos situações de diminuição de poder de compra, nomeadamente quando se pensa em cortar pensões. Isso tem um impacto na economia que vimos que é perverso. É importante manter o sistema e a proteção tal como ela existe, mas é claro, não esquecendo, que esse desafio pode acontecer sempre, que é conjunturalmente ter de fazer face a períodos de diminuição do crescimento da economia.
A Segurança Social tem uma legislação que assenta no pressuposto de que a dívida não prescreve, é passível de ser prescrita passados cinco anos do reconhecimento dessa dívida.
Alguns portugueses têm sido “surpreendidos” por dívidas à Segurança Social, algumas delas com mais de dez anos. O Governo reconhece, antes de mais, essa situação?
A Segurança Social tem uma legislação que assenta no pressuposto de que a dívida não prescreve, é passível de ser prescrita passados cinco anos do reconhecimento dessa dívida. Compreende-se porquê, estamos a falar de dívida à Segurança Social, de uma contribuição que deveria ter ocorrido para fazer face a uma receita do sistema. Mas também temos situações em que esse período já foi ultrapassado e que, portanto, é passível de ser, por parte dos beneficiários, requerida a prescrição de dívida.
Mas comparando o montante de dívida à Segurança Social arrecadado nos primeiros meses deste ano com o período homólogo, verifica-se um pico ou não?
Tivemos em 2018 uma cobrança de 644 milhões de euros, que é superior à cobrança dos anos anteriores, tirando a exceção do ano de 2014 e 2016, em que houve programas extraordinários de regularização de dívida. É claro que essa situação está, mais uma vez, associada aos recursos humanos. Também no Instituto de Gestão Financeira tinha havido uma saída muito significativa de recursos humanos e em 2016 houve uma reposição através de concursos internos de um número significativo de preenchimento do quadro que tinha ficado desocupado e também aconteceu o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP), o que permitiu que o Instituto de Gestão Financeira atingisse um nível de capacidade de resposta, recuperando aquela que foi uma perda dos anos anteriores. Há outro fator aqui que é o crescimento das contribuições, que também significa que há uma maior capacidade de cobrança regular e que está naturalmente associado a uma melhoria da economia, uma maior capacidade das empresas não entrarem em incumprimento, mas também uma maior capacidade de o sistema ser mais eficaz na cobrança das contribuições regulares, para não chegar a situações de dívidas.
Para os funcionários do Instituto de Gestão Financeira, não é porque há um prémio que vão cobrar mais ou adotar outras medidas para cobrar diferentes daquelas que já têm, porque tradicionalmente é uma área em que o trabalho é feito com muito empenho
Em relação aos novos prémios por cobrança de dívida. O objetivo é também agilizar a cobrança? Não poderá haver uma ligação a estas dívidas com mais de dez anos que estão a surpreender os beneficiários?
Não tem nada a haver. Estamos a falar de um prémio de desempenho dirigido aos funcionários do Instituto de Gestão Financeira que estão a trabalhar no âmbito do processo executivo. Estamos a falar de uma situação que veio equiparar a realidade daquilo que é a outra instituição que cobra dívida em sede de processo executivo que é a Autoridade Tributária. E quando temos uma situação em que é preciso captar recursos humanos qualificados, reter esses recursos humanos e dar-lhes as condições que poderiam procurar noutro sítio. A Segurança Social não se pode ver confrontada com uma situação em que há a contratação de recursos, há formação e depois tínhamos de estar permanentemente a renovar os quadros, precisamente porque era importante esse reconhecimento.
Devemos então concluir que não foi um incentivo à cobrança, mas um instrumento para a retenção de talento?
Também. Até porque, para os funcionários do Instituto de Gestão Financeira, não é porque há um prémio que vão cobrar mais ou adotar outras medidas para cobrar diferentes daquelas que já têm, porque tradicionalmente é uma área em que o trabalho é feito com muito empenho.
Outra das alterações trazidas pelo decreto-lei nº79/2019 foi o reforço da capacidade da Segurança Social recuperar prestações pagas indevidamente. Isto depois do Tribunal de Contas ter revelado que tinham sido pagos 3,7 milhões de euros em prestações indevidas. Este reforço é suficiente para evitar estas situações ou estão a ser pensadas outras medidas?
O nosso objetivo com estas alterações é diminuir o risco de pagamentos indevidos, com um conjunto de medidas que não são apenas as legislativas, mas que são, também, as que têm sido desenvolvidas e que já estão em prática, como a informação online permanente das situações de óbito que a Justiça nos envia. Até agora, havia uma transmissão mensal dessa informação das situações de óbito para que a pensão pudesse deixar de ser paga. O que este diploma traz é, por um lado, enquadramento legal que nos permite diminuir as situações de pagamento indevido, que foi complementado com medidas de relacionamento com outros organismos, muitas delas inscritas no programa Simplex. E, por outro lado, permite agilizar as situações de recuperação do pagamento indevido.
Consegue adiantar-me que bandeiras eleitorais terá o PS para a Segurança Social?
Vamos ter de esperar mais um pouco. Serão seguramente muito numa linha de continuidade. Tem havido nesta legislatura a definição de medidas, olhando para a Segurança Social, a prazo. Há um caminho e um objetivo traçado para o sistema no seu todo que permitirá que novas medidas possam ser implementadas numa perspetiva de continuidade e não de disrupção.
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Secretária de Estado da Segurança Social: Automatização chega às pensões de velhice “no final de 2020”
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