José Pimenta da Gama, que lídera o escritório da McKinsey na Península Ibérica, considera que o país está perante "uma oportunidade transformacional" com a aposta na transição energética.
No curto prazo e no imediato, os tempos são difíceis e a economia portuguesa tem debilidades estruturais. José Pimenta da Gama, managing partner da Mckinsey na Península Ibérica, vê uma “oportunidade transformacional” em setores como a transição energética, a tecnologia e a economia do mar, que começa a descolar.
“Crescemos menos, investimos menos e temos menos retorno nas nossas empresas. E temos empresas mais pequenas, portanto, com uma desvantagem de escala relativamente a pares europeus”, diagnostica José Pimenta da Gama.
O responsável da consultora, que emprega 1.500 pessoas na Península Ibérica, considera que o país tem de “fazer mais e melhor” nos setores onde já é competitivo e apostar em novos. E vê um crescente interesse dos investidores em Portugal e Espanha.
A economia portuguesa está numa fase de travagem. O terceiro trimestre já foi de uma ligeira contração do PIB face aos três meses anteriores. Como é que sente o pulso das empresas portuguesas?
As empresas portuguesas estão otimistas, com realismo. As oportunidades que o país tem são enormes, como a transição energética, a reindustrialização. E há outras que posso elaborar, no mar, no digital, na tecnologia.
Esse otimismo funda-se nas oportunidades de futuro. A pensar mais no médio a longo prazo, do que propriamente no curto prazo.
Obviamente, vemos que no curto prazo e no imediato há aqui tempos difíceis. Olhamos para a inflação, que contínua em níveis muito elevados, vemos pressões nas cadeias de abastecimento, os preços da energia, a guerra na Ucrânia, agora a guerra no Médio Oriente, que de facto criam pressões muito reais nas empresas.
Pressão para adiar investimentos, por exemplo?
Pressão para ser muito exigente e rigoroso na execução dos investimentos que são feitos. Na verdade, o que também reconhecemos é que as disrupções que estamos a ver agora nas guerras só põem à vista stresses já existentes no mundo, que tem mudanças tectónicas muito relevantes. Há um cenário macro de contração da oferta, como o mundo nunca viu desde os anos 70. As últimas crises económicas que tivemos foram sempre crises de procura. Desde os anos 70 que temos uma crise oferta.
Que está a fazer uma transição para uma crise também de procura, devido à inflação e juros elevados?
Ainda não. Se vir os dados do consumo, a procura contínua bastante resiliente, contra a expectativa. Se virá uma crise de procura ou não, ninguém sabe. A verdade é que, neste momento, os fundamentos são de uma crise de oferta. Há fatores em cima disto que põe ainda mais stresse na economia mundial e nacional. Há uma nova ordem no mundo, política e económica, a ser estabelecida pelos Estados Unidos e a China. São mudanças tecnológicas enormes, com a inteligência artificial, o digital, a automação, os semicondutores… E, por fim, forças demográficas muito relevantes. As guerras e a inflação só estão a exacerbar estas mudanças tectónicas.
Temos três ou quatro setores que têm mais oportunidades ainda: o setor da energia, dos transportes e da mobilidade, o ‘smart building’ e construção, o setor industrial.
Que setores em Portugal podem ser especialmente afetados ou estar vulneráveis a esta transformação?
Esta transformação da transição energética e da reindustrialização cria muitas oportunidades de forma não idêntica a todos os setores. Vemos três ou quatro setores que têm mais oportunidades ainda: o setor da energia, dos transportes e da mobilidade, o smart building e construção, o setor industrial.
Nos últimos anos falou-se muito, a propósito das alterações geopolíticas, de haver uma aposta muito maior na proximidade e segurança das cadeias de abastecimento, na criação de redundâncias. Portugal e Espanha estão de facto a beneficiar desse movimento?
Vou-lhe dar a resposta de duas formas, uma factual e outra de impressões. A factual é um mundo onde o novo petróleo é ter energia verde barata. E Portugal e Espanha têm a energia verde mais barata na Europa. É um mundo que cria todas as condições para que Portugal e Espanha, através dessa vantagem competitiva e energética, se reindustrializem. Isto é factual. As impressões, o que vemos hoje, porque falamos com muitos players internacionais, é um interesse enorme em investir em Portugal e Espanha neste setor da transição energética e da industrialização.
O movimento que leva a isso é muito mais esta vantagem competitiva na transição energética do que propriamente estes receios geopolíticos que levam ao redesenho das cadeias de abastecimento?
Acho que é uma combinação de fatores que leva a que este seja o resultado. Há ventos favoráveis de reindustrialização da Europa, de localização das cadeias de abastecimento na Europa, que potenciam uma vantagem competitiva estrutural que temos.
O que vemos hoje, porque falamos com muitos ‘player’ internacionais, é um interesse enorme em investir em Portugal e Espanha neste setor da transição energética e da industrialização.
Portugal continua a ter algumas vantagens comparativas naqueles setores que Michael Porter apontou há quase três décadas como aqueles em que o país devia apostar. Esse modelo de crescimento não está esgotado? Não precisamos de novos clusters?
Partimos de uma posição privilegiada. Somos o terceiro país mais seguro do mundo. Somos um país altamente inovador. Somos o país onde os estrangeiros querem morar, onde os portugueses querem morar.
Temos também muitos jovens a sair para ir trabalhar lá fora.
Temos de reconhecer que como país temos muitos desafios. Crescemos menos, investimos menos e temos menos retorno nas nossas empresas. E temos empresas mais pequenas e, portanto, com uma desvantagem de escala relativamente a pares europeus. Quando olhamos para Portugal e a sua trajetória possível de crescimento, temos de alavancar as forças que há 30 anos foram identificadas e que há 20 anos e há dez anos continuam cá. É fazer mais e melhor do que já fazemos hoje. Mas há três vetores adicionais que acreditamos que podem ser explorados. O primeiro é o da transição energética e da industrialização. Há um segundo que é todo o tema do mar. Se a economia do mar há dez anos era investigação e desenvolvimento, o blue biotech é hoje uma realidade. Vemos hoje um conjunto de startups em Portugal que há dez anos não existiam porque a tecnologia ainda não estava suficientemente desenvolvida, a pegar em algas e a fazer tecidos e a vender para empresas de automóveis.
Se a economia do mar há dez anos era investigação e desenvolvimento, o ‘blue biotech’ é hoje uma realidade. (…) Aquilo que era ciência, hoje em dia já são produtos, já se vende.
Há muito que se fala do cluster do mar. É agora que vamos ver resultados?
Aquilo que era ciência, hoje em dia já são produtos, já se vende. O caminho para a frente é muito escalar estas startups que existem. Para que, por um lado, tenham sinergias, por outro, baixem a tal curva de custos. A terceira é acelerar todo o ambiente de unicórnios de tecnologia. Portugal tornou-se um país muito atrativo para o talento digital. Nós temos hoje um índice de criação de empresas de empreendedorismo 15% acima da média europeia. Temos já sete unicórnios criados em Portugal.
Mas são empresas que não estão sedeadas cá. Têm ADN português.
Tem ADN português, algumas estão cá, criam emprego em Portugal e geram uma pool de talento muito relevante. Continuam com um footprint português. Temos muitas vantagens em continuar este caminho de criação de startups no espaço de tecnologia. Temos o talento, temos a infraestrutura e temos algum track record. É uma avenida de crescimento para o país. É fazer mais e melhor o que já fazemos hoje e apostar nestes três vetores de crescimento que não estavam referidos há 20 ou 30 anos nos estudos que foram feitos.
Portugal tem essas condições naturais que o tornam muito atrativo e competitivo na transição energética, mas vai haver uma competição pela captação de investimento. O que pode ser feito para garantir que aproveitamos oportunidade?
Reforço que existe uma necessidade de criar um entendimento e uma convicção nos agentes privados, nos agentes públicos e nos cidadãos em geral, de que esta oportunidade pode criar crescimento económico relevante e transformar o país num líder nesta área e a vida das pessoas em algo melhor. Criar emprego qualificado, acelerar o crescimento económico, criar novas indústrias, criar novas empresas. Se as pessoas e empresas entenderem, se os decisores públicos entenderem que esta oportunidade é transformacional para o nosso país, tudo fica mais fácil.
Certamente nos últimos 100 anos não tivemos uma oportunidade desta dimensão e, portanto, é uma oportunidade única para o nosso país.
É uma oportunidade que Portugal não pode perder.
Certamente nos últimos 100 anos não tivemos uma oportunidade desta dimensão e, portanto, é uma oportunidade única para o nosso país. Podemos liderar a próxima revolução industrial e se esta noção for amplamente entendida, há um nível de ambição e um nível de alinhamento que nos parece fundamental que aconteça.
Esse alinhamento já existe, entre Governo, empresas…
Vejo esse alinhamento a poder existir, a começar a existir e a ter que ser muito reforçado e até mais debatido e explicado.
Investigações como aquelas que envolvem justamente investimentos no lítio, no hidrogénio verde e nas tecnologias, com o centro de dados de Sines, podem complicar essa ambição?
Não vou comentar situações específicas. O que posso reforçar é que a oportunidade existe. Segundo, que a oportunidade vai exigir a colaboração entre stakeholders privados, stakeholders públicos, stakeholders de investigação e desenvolvimento para nós a capturarmos.
Espera que o próximo Governo, seja ele qual for, mantenha este tema no topo da agenda.
Esperamos que sim, para o bem de Portugal e Espanha, porque queremos ver os nossos países com crescimento económico sustentável e inclusivo.
Portugal e Espanha estão numa posição mais ou menos equivalente ou vê mais vantagens de um lado ou do outro?
Mais do que uma diferença entre Portugal e Espanha, há uma diferença entre regiões em Portugal e Espanha. Nem todas as regiões são exatamente iguais para capturar estas oportunidades. Dou-lhe um exemplo muito simples, o tema do solar é muito mais relevante no sul do que no norte da Península Ibérica. Por outro lado, no norte de ambos os países há um tecido industrial muito relevante. É uma dinâmica muito mais regional do que uma dinâmica entre países.
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