Ao longo dos últimos 25 anos, o BCE tem subido e baixado as taxas diretoras para controlar a inflação e proteger o euro. Agora, todos esperam pelo primeiro corte das taxas em quase 5 anos. Será desta?
A política monetária do Banco Central Europeu (BCE) tem sido um pilar fundamental na gestão económica e financeira da Zona Euro desde a sua criação. Ao longo das últimas décadas, o BCE enfrentou inúmeros desafios, desde crises financeiras globais até à recente pandemia de Covid-19. Agora prepara-se para iniciar um novo ciclo da política monetária com o mais que esperado primeiro corte nas taxas de juro em quase cinco anos, o primeiro após um ciclo de dez aumentos consecutivos entre julho de 2022 e setembro de 2023 que incrementaram as taxas diretoras em 450 pontos base.
A missão do BCE, desde o início, foi clara: manter a estabilidade dos preços, definida como uma taxa de inflação abaixo, mas próxima, de 2% a médio prazo. Durante os primeiros anos, sob a liderança do holandês Wim Duisenberg, o BCE demonstrou um desempenho notável em atingir esta meta.
Entre 1999 e 2008, a inflação na Zona Euro manteve-se estável e próxima do objetivo. Este período de relativa calma permitiu que o BCE se estabelecesse como uma instituição confiável, capaz de gerir eficazmente a política monetária da região. A introdução do euro facilitou o comércio e o investimento entre os países membros, eliminando as flutuações cambiais e promovendo a integração económica.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
No entanto, a crise financeira global de 2008 desafiou significativamente a capacidade do BCE de manter a estabilidade dos preços. Conhecida como a “crise do subprime” teve origem nos EUA, mas rapidamente se espalhou para a Europa, levando a uma contração económica severa. A resposta do BCE, na altura liderado por Jean-Claude Trichet incluiu a redução das taxas de juro para níveis historicamente baixos e a implementação de várias medidas de política monetária não convencionais, como as operações de refinanciamento de prazo alargado (LTRO) e programas de compra de ativos (APP). Estas medidas visavam fornecer liquidez aos mercados financeiros e apoiar a recuperação económica.
Seguiu-se depois a crise da dívida soberana europeia de 2011, que representou outro desafio significativo para o BCE. Países como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha enfrentaram pressões financeiras extremas, com o aumento da yield das suas dívidas soberanas para níveis insustentáveis. Nessa altura, o euro tremeu e o BCE teve de colocar em jogo todo o seu arsenal. Isso foi particularmente notado a 26 de julho de 2012 pela voz de Mario Draghi, com o célebre discurso de defesa total e a todo o custo do euro, que ficou eternizado pela célebre expressão do então presidente do BCE “whatever it takes” (custe o que custar).
“No âmbito do nosso mandato, o BCE está pronto a fazer tudo o que for necessário para preservar o euro. E, acreditem, será suficiente”, referiu Draghi na Global Investment Conference, em Londres, sublinhando ainda que “a Zona Euro tem o poder de derrotar a especulação do mercado”, numa altura em que as obrigações do Tesouro dos países outrora apelidados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estavam a ser “massacrados” pelos investidores.
O discurso de Draghi, que mais tarde lhe valeu o cognome de “Super Mário” teve um impacto imediato no mercado cambial, levando a uma valorização imediata do euro, e também no mercado da dívida europeia, com a yield das obrigações espanholas e italianas caíssem abruptamente, assim como os títulos do Tesouro português, após vários meses de pedidos de auxílio por parte dos governos dos países em maiores dificuldades.
Durante este período, o BCE interveio novamente no mercado, implementando o programa de Transações Monetárias Diretas (Outright Monetary Transactions, em inglês) através da compra de títulos de dívida dos países da área do euro no mercado secundário, para estabilizar os mercados de dívida soberana e reafirmar o seu compromisso de preservar a integridade do euro — e apesar destas intervenções, a inflação na Zona Euro permaneceu persistentemente baixa, muitas vezes abaixo da meta de 2%, até meados de 2021.
Este período prolongado de baixa inflação no seio da área do euro levantou questões sobre a eficácia das políticas monetárias convencionais e não convencionais do BCE, levando muitos a alertarem para a demasiada abertura que a autoridade monetária estava a criar para aumentar os níveis de endividamento dos Estados e restantes agentes económicos.
Como tem reagido o BCE à subida dos preços
Após 2021, já sob a liderança de Christine Lagarde, o BCE entrou numa outra fase, enfrentado um cenário económico desafiador, marcado por uma inflação significativamente acima da meta estabelecida pela autoridade monetária. Esta nova fase foi impulsionada por uma combinação de fatores, incluindo interrupções nas cadeias de abastecimento globais, aumentos nos preços das matérias-primas e energia, e o impacto económico da pandemia de Covid-19.
Para combater esta inflação crescente, o BCE iniciou uma série de aumentos nas taxas de juro, resultando em dez subidas consecutivas entre julho de 2022 e setembro de 2023. Este ciclo de aumentos totalizou um impressionante aumento de 450 pontos base nas taxas diretoras do BCE. Esta política agressiva de aperto monetário teve como objetivo principal conter a inflação e trazer a taxa de crescimento dos preços de volta ao objetivo de 2% — algo que ainda não aconteceu.
Durante este período, o BCE também implementou várias outras medidas para apoiar a estabilidade económica, incluindo a continuação de programas de compra de ativos e operações de refinanciamento direcionadas para garantir que o crédito continue a fluir para a economia real.
No entanto, esta abordagem também trouxe consigo desafios significativos. O aumento das taxas de juro encareceu o custo do crédito para empresas e consumidores, potencialmente prejudicando o ritmo do crescimento económico. Além disso, as condições financeiras mais apertadas aumentaram o risco de instabilidade financeira, especialmente em economias mais vulneráveis da Zona Euro, que se torna mais severo quanto mais longo for o período de permanência das taxas de juro a níveis historicamente elevados.
A decisão agora esperada de o Conselho do BCE cortar em 25 pontos base as taxas de juro a 6 de junho de 2024 será um momento crucial, marcando possivelmente o fim deste ciclo de apertos monetários. Esta mudança de política será cuidadosamente observada, pois indicará o nível de confiança do BCE sobre o controle que antecipa da inflação.
No entanto, a expectativa de que esta transição possa traduzir-se para uma política monetária mais expansionista poderá, pelo menos para já, ser exagerada. A subida da taxa de inflação na Zona euro para os 2,6% em maio – o primeiro aumento em cinco meses – sinalizou que a luta contra a inflação ainda não está vencida.
Christine Lagarde e a sua equipa estão a tentar equilibrar-se num cenário económico complexo. Por um lado, há a necessidade urgente de controlar a inflação persistente. Por outro, há a preocupação de não sufocar uma recuperação económica que ainda está em andamento — as últimas projeções da Comissão Europeia apontam para um crescimento de 0,8% do bloco do euro em 2024, menos 0,4 pontos percentuais face às projeções feitas em novembro.
Também não é indiferente aos membros do Conselho do BCE o facto de a Zona Euro estar a viver num ambiente de taxas de juro reais positivas (inflação abaixo das taxas diretoras) desde outubro do ano passado, algo que não acontece de forma constante há 14 anos. Por tudo isso, mais importante que o corte das taxas de juro amplamente antecipado pelos investidores e analistas, será para o texto do comunicado do Conselho do BCE a sustentar a sua decisão e mais tarde para o discurso de Lagarde na conferência de imprensa que as atenções estarão voltadas.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A arte de o BCE fazer malabarismos com as taxas de juro
{{ noCommentsLabel }}