BCE espreita décima subida de juros para nível recorde

A inflação alta dá margem para o BCE continuar a subir os juros, mas o abrandamento mais intenso da economia pode levar o banco central a efetuar a primeira pausa. Os economistas estão divididos.

Na conferência de imprensa após anunciar a nona subida de juros consecutiva, a 27 de julho, Christine Lagarde confirmou que o Banco Central Europeu (BCE) iria desligar o piloto automático no agravamento da política monetária. Salientou que em setembro o banco central poderia “aumentar ou fazer uma pausa” no ciclo de subidas das taxas de juro, “mas de certeza” não um corte, ficando a decisão dependente dos indicadores económicos (data dependent).

Quase dois meses depois destas declarações, a incerteza mantém-se, o que tem sido muito pouco habitual em vésperas da reunião do BCE. As habituais sondagens da Reuters e da Bloomberg mostram uma divisão entre os economistas sobre se o banco central vai avançar com mais uma subida de juros, ou efetuar a primeira pausa do atual ciclo. Já os investidores estão a atribuir uma probabilidade de 40% a um agravamento de juros esta quinta-feira e 70% até ao final do ano.

Desde que iniciou o ciclo de agravamento da política monetária, o BCE já subiu a taxa dos depósitos em 425 pontos base, até aos atuais 3,75%. A confirmar-se um novo aumento de 25 pontos base, será o 10.º consecutivo que colocará a taxa em 4%, no nível mais elevado desde a criação da moeda única. Neste cenário, as taxas de juro aplicáveis às operações de refinanciamento e de cedência de liquidez subirão para 4,50% e 4,75%, respetivamente.

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Se a decisão desta quinta-feira está a ser vista como 50/50, a maior parte dos economistas atribuiu uma probabilidade elevada a (pelo menos) mais um aumento de juros até ao final do ano. Se não for já este mês, pode acontecer em outubro, ou mesmo dezembro. Isto porque o BCE continua longe de estar numa posição de poder declarar vitória sobre a inflação.

A contribuir para baralhar ainda mais as expectativas do mercado, a Reuters noticiou esta terça-feira que os economistas vão rever em alta a projeção para a inflação da Zona Euro em 2024 para um valor superior a 3%, o que dá força a um cenário de subida adicional das taxas de juro, já esta quinta-feira ou até ao final do ano.

Argumentos para subir

A persistência da inflação em níveis elevados é o principal argumento para o Conselho do BCE não se desviar do curso do agravamento da política monetária. Depois da última reunião do BCE, o Eurostat revelou que o índice de preços no consumidor da Zona Euro subiu 5,3% em julho, metade do máximo registado em outubro de 2022 (10,6%). Mas em agosto estabilizou no mesmo valor, demonstrando a resistência dos preços neste processo de alívio que já dura há quase um ano.

A inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, desceu apenas duas décimas em agosto, permanecendo encostada ao recorde de março (5,7%). Acresce que os preços da energia (sobretudo o petróleo) retomaram a tendência ascendente nos últimos meses, alimentando os receios de que a inflação vai persistir acima da meta dos 2% por mais tempo do que era antes estimado.

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Depois de ter “arrastado os pés” no início da crise inflacionista, o BCE não quererá repetir o erro de mostrar benevolência perante a alta dos preços, preferindo por isso errar por excesso de subida de juros, face a terminar demasiado cedo o agravamento da política monetária.

As declarações dos principais responsáveis do BCE também jogam a favor de uma nova subida de juros já nesta reunião. Nas intervenções que efetuou no Fórum do BCE em Sintra, bem como no simpósio Jackson Hole, Christine Lagarde carregou na tecla de haver ainda caminho a percorrer para combater a inflação.

“As pressões inflacionistas provavelmente atingiram o pico, mas também não estamos a observar uma tendência descendente clara na inflação subjacente”, comenta Bas van Geffen, Senior Macro Strategist do RaboBank, assinalando que “embora se preveja que a inflação desacelere ainda mais nos próximos meses, os riscos ascendentes para a evolução dos preços permanecem e os falcões argumentarão que o BCE ainda não pode parar de aumentar as taxas”.

“Embora existam bons argumentos para justificar tanto uma pausa como um novo aumento dos juros, mantemos a nossa opinião de que o BCE subirá as taxas pela última vez”, refere o ING, destacando que a “experiência do último ano demonstrou que o BCE tem mantido a sua posição de colocar mais ênfase nos dados reais do que nos dados esperados, e ainda vê um risco mais elevado de concluir o aperto da política monetária demasiado cedo, face a ir longe demais”.

Com 5,3% de inflação anual no mês de agosto, os argumentos são dominantes no sentido de juros mais elevados e só uma influência política de alguns governos pode impedir que isso ocorra já nesta reunião”, refere Mário Martins. O analista da ActivTrades argumenta que “faz todo o sentido subir e continuar a subir, desde o início que se sabe o objetivo: reduzir o consumo, provocando uma inevitável recessão, com esperança que seja ligeira, mas seria sempre um processo com ‘dor’ para os cidadãos, apesar de tal nunca ter sido assumido pelo BCE”.

Uma pausa nos juros faz sentido e dá mais flexibilidade ao BCE. De facto, mesmo que o BCE suba os juros esta quinta-feira, acreditamos que provavelmente não vai sinalizar o fim de ciclo. Esperamos que a inflação regresse à meta de forma muito gradual, o que deixa o BCE de mãos atadas.

Bas van Geffen, Senior Macro Strategist do RaboBank

Argumentos para pausa

Os argumentos para que o BCE opte por uma pausa nos juros também são fortes, desde logo porque a transmissão da política monetária demora tempo e o aumento acumulado de 425 pontos base desde julho de 2022, para o nível já considerado restritivo para a economia, poderá ser suficiente para colocar a inflação numa trajetória rumo aos ambicionados 2%.

O abrandamento mais intenso da economia europeia é o fundamento que tem ganho maior peso na argumentação dos que defendem a opção do BCE por manter os juros. O Eurostat revelou recentemente que a economia da Zona Euro cresceu apenas 0,1% no segundo trimestre e os últimos indicadores, sobretudo relativos à economia alemã, estão a aumentar as probabilidades de uma contração no PIB já no terceiro trimestre.

Esta semana, a Comissão Europeia reviu em baixa as projeções para o crescimento da economia da Zona Euro (0,8% este ano e 1,3% em 2024), antecipando uma recessão na economia alemã (-0,4% este ano). Apesar do mandato do banco central estar focado na estabilidade dos preços, uma travagem mais pronunciada da atividade económica traduzir-se-á num alívio da inflação.

O Deutsche Bank espera que o BCE mantenha os juros em 3,75%, assinalando que os últimos indicadores “mostram evidências crescentes de transmissão forte” das medidas de política monetária. Os economistas do banco alemão assinalam que a inflação subjacente já passou o pico, os indicadores de evolução da inflação no médio prazo estão numa trajetória descendente clara e os responsáveis do BCE admitem uma tendência de alívio nos preços dos serviços.

“Segundo os dados que temos sobre vários indicadores, como os PMI, e as sondagens que medem o sentimento entre os empresários, vemos que a economia está a começar a sentir o impacto da subida dos juros e que deverá traduzir-se numa diminuição da inflação a longo prazo”, refere Henrique Tomé, analista XTB, salientando que “faz sentido que o BCE comece a ponderar abrandar o ritmo das subidas do juro e eventualmente parar de subir, a fim de medir o impacto na economia”.

“O BCE tem de manter condições financeiras restritivas durante tempo suficiente para garantir que a inflação regressa de forma sustentável ao objetivo. Não pode permitir que o mercado interprete uma pausa como um ponto de inflexão no ciclo da política monetária”.

Economistas do Deutsche Bank

Subida dovish, ou pausa hawkish

Apesar da incógnita sobre qual vai ser a decisão do BCE, os economistas acreditam que Christine Lagarde vai manter um discurso que deixe a porta aberta a apertos adicionais da política monetária. Se aumentar os juros, a presidente do BCE tem maior margem para a aligeirar o discurso, o que nos mercados é denominado de “subida dovish”. Pelo contrário, se optar por manter os juros, colocará uma tónica mais forte na necessidade de continuar com uma política restritiva, o que representa uma “pausa hawkish”.

“O BCE tem de manter condições financeiras restritivas durante tempo suficiente para garantir que a inflação regressa de forma sustentável ao objetivo”, assinala o Deutsche Bank, destacando que o banco central “não pode permitir que o mercado interprete uma pausa como um ponto de inflexão no ciclo da política monetária”.

Deste modo, “para injetar mais credibilidade na mensagem de que está preparado para aumentar ainda mais as taxas e mantê-las mais altas por mais tempo, esperamos que o BCE utilize a incerteza”, acrescenta o banco alemão. “Não esperamos que o BCE comunique qualquer final no ciclo de agravamento de juros antes do final do ano”, reforçam os economistas do ING.

Bas van Geffen, do RaboBank, considera que “faz mais sentido” o BCE efetuar agora uma pausa, pois “ganha mais flexibilidade” e ainda pode agir no futuro se a inflação não descer como o esperado, ou a economia não abrandar tanto como o temido. Contudo, mesmo que avance para a subida de 25 pontos base, “acreditamos que o BCE não vai sinalizar que este é o fim de ciclo”. Isto porque o “mercado começaria a precificar cortes de juros, conduzindo a uma descida das taxas de juro de longo prazo”, o que acabaria por “neutralizar a eficácia das medidas de aperto da política monetária” que estão a ser aplicadas pelo BCE.

Vemos que a economia está a começar a sentir o impacto da subida dos juros, o que deverá traduzir-se numa diminuição da inflação a longo prazo. Faz sentido que o BCE comece a ponderar abrandar o ritmo das subidas do juro e eventualmente parar de subir a fim de medir o impacto na economia.

Henrique Tomé, analista da XTB

Cortes de juros em 2024?

De acordo com a sondagem da Bloomberg, os economistas estimam que a reunião de dezembro seja utilizada para validar o fim de ciclo de aumento de juros, com o primeiro de três cortes de 25 pontos base em 2024 a surgir já em março. O Deutsche Bank tem uma visão bem distinta, antecipando que o BCE vai deixar os juros em 3,75% até setembro de 2024, efetuando depois reduções “moderadas” até aos 2,5% no final de 2025, pois “é mais provável que a inflação permaneça acima da meta no médio prazo”.

Se até aqui as decisões de política monetária do BCE têm sido consensuais e fáceis de antecipar, as próximas serão rodeadas de uma maior incerteza, pelo que pode ser demasiado arriscado antecipar os movimentos em 2024. “Esperamos que a inflação regresse à meta de forma muito gradual, o que deixa o BCE de mãos atadas”, diz o economista do RaboBank, estimando que “a menos que aconteça uma recessão muito acentuada, o BCE terá pouca margem de manobra para agir” com corte de juros.

Mário Martins considera que se o BCE “for efetivamente competente, não desiste até que a inflação esteja muito perto dos 2%, ao mesmo tempo que tem de direcionar a sua retórica para que os governos auxiliem no combate à inflação, evitando medidas que a fomentem”.

Para Vítor Madeira, só quando “ficar claro que a inflação vai retornar para os 2-3% o BCE deverá começar a sua inversão da política monetária”. O analista da XTB assinala que “nesta altura é expectável que as taxas de juro fiquem altas por mais tempo do que o inicialmente esperado”, sendo que se a economia da Zona Euro não entrar em recessão, “poderemos ver o BCE descer as taxas de juro lá para a segunda metade de 2024”. Antes deste timing, “só se algo inesperado ocorrer”. “O trigger para desencadear uma mudança em torno da atual política monetária esteja associada ao risco (grave) de recessão sobre as maiores economias como a alemã e francesa que poderá levar o Banco Central Europeu a rever a atual estratégia”, reforça Henrique Tomé, também da XTB.

Faz todo o sentido continuar a subir os juros. Desde o início que se sabe o objetivo da subida dos juros: reduzir o consumo, provocando uma inevitável recessão, com esperança que seja ligeira. Mas seria sempre um processo com “dor” para os cidadãos, apesar de isso nunca ter sido assumido pelo BCE.

Mário Martins, analista da ActivTrades

 

Novas projeções fornecem pistas

A reunião desta quinta-feira será marcada também pela atualização das projeções económicas do staff do BCE, que ajudarão a justificar a decisão que será adotada pelo banco central, fornecendo também pistas sobre os movimentos futuros.

O Deutsche Bank aguarda que o banco central reduza as estimativas para o crescimento do PIB de forma pronunciada (0,5% este ano e 1% em 2024). Por outro lado, a previsão para a inflação deverá ser revista em alta (5,6% em este ano e 3,1% em 2024). Números que podem servir de argumento para manter a porta aberta a novos aumentos de juros.

A informação publicada pela Reuters, de que o BCE vai estimar a inflação acima de 3% em 2024, confirma que os economistas do banco central veem a persistência da inflação em níveis elevados por mais tempo, o que favorece a manutenção das taxas de juro em níveis restritivos por um período mais prolongado.

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