A Tecnoplano criou um conselho de administração sombra, através do qual chama os jovens para a liderança e procura tomar melhores decisões. Saiba como funciona este órgão, que não é caso único.
A ideia começou a ganhar forma em junho de 2023, a propósito de uma iniciativa semelhante numa empresa do setor dos media, a Impresa. O administrador executivo da Tecnoplano, Bernardo Matos Pinho, confessa que acolheu a ideia com alguma apreensão. Ainda assim, foram precisos apenas três meses para passar do plano das ideias para a realidade: em setembro do ano passado, foram nomeados os cinco jovens membros que compõem o primeiro conselho de sombra da empresa, e que vão manter-se nestas funções durante um mandato de um ano.
“Ao criarmos um conselho de administração sombra essencialmente jovem estamos a trazê-lo para a discussão de temas sensíveis”, o que oferece diferentes vantagens para a empresa, indica o administrador executivo da Tecnoplano, em declarações ao Eco/Capital Verde. “A parte mais importante [deste exercício] é trazer ideias disruptivas e uma cultura de liderança”, acrescenta o presidente do conselho de administração, Pedro Matos Pinho.
Um conselho de administração sombra é “um grupo de pessoas que não tem poderes de decisão e que é visto como dando uma perspetiva alternativa, e idealmente complementar, ao conselho de administração”, explica ao ECO/Capital Verde Duarte Júlio Pitta Ferraz, sócio da consultora especializada em governança Ivens Advisors. Neste órgão sombra juntam-se funcionários com características que permitam dar perspetivas alternativas sobre determinadas áreas da empresa, e a seleção dos respetivos membros tem-se focado frequentemente na questão geracional, indica.
Sangue novo, ideias novas
A incumbência que foi dada ao conselho de administração sombra da Tecnoplano foi o desenvolvimento de um plano estratégico para a empresa, com o horizonte de cinco anos.
O administrador executivo da Tecnoplano acredita que é mais fácil avançar ideias disruptivas a partir de um lugar que não implica o mesmo grau de responsabilidade sobre a empresa e os respetivos trabalhadores, e que essa liberdade é importante, para depois o verdadeiro conselho de administração pegar nessas ideias e avaliar “se têm cabimento num mercado rígido”.
Os administradores são desta forma desafiados a pensar diferente. Os jovens “poderão dar-nos uma visão fresca do que será o mundo”, tirando também partido de “valências muito mais atualizadas” acredita o Pedro Matos Pinho. Já o administrador executivo reforça: “Todos nós sabemos a tendência do mercado. Mas a diferença às vezes está na disrupção, e nosso setor está em risco devido à Inteligência Artificial”, pelo que “se não conseguirmos ideias disruptivas, certamente temos os dias contados como modelo de negócio”.
“Pessoas com carreiras mais longas e mais centrais na empresa são consideradas mais experientes. Mas a geração Z é mais experiente nos desafios da geração vindoura”, e os mais jovens estão numa fase em que ainda não se começaram a fechar em determinada forma de proceder, o que pode trazer benefícios. Além disso, são estas gerações que constituem a maioria da linha da frente de uma organização, trazendo uma experiência que está cada vez mais distante para o resto da hierarquia, explica Duarte Júlio Pitta Ferraz.
Na visão de João Moreira Rato, presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), uma vantagem deste tipo de conselhos passa também pelo distanciamento em relação a determinadas preocupações do dia-a-dia que chegam à verdadeira administração.
Como representante da Tecnoplano Brasil, poder contribuir na definição de diretrizes extremamente relevantes para o rumo da organização, é uma grande oportunidade.
Os nomes escolhidos foram sugeridos pelos diretores das diferentes áreas, que tiveram de justificar as suas propostas, e houve a preocupação de haver diversidade tendo em conta as geografias em que a empresa está presente, Portugal e Brasil, e também assegurando representação de diferentes departamentos. Quanto a representantes do sexo feminino, não foram selecionadas, tendo em conta que “a atividade é muito direcionada para o lado masculino” e “torna-se mais difícil”, justifica o administrador. Duarte Pitta Ferraz, também sócio na Ivens Advisors e professor na Nova SBE Executive Education, sublinha: diversidade de perspetivas leva a melhores decisões.
Mais envolvimento e melhor desempenho
“Como representante da Tecnoplano Brasil, poder contribuir na definição de diretrizes extremamente relevantes para o rumo da organização, é uma grande oportunidade”, afere, por seu lado, o presidente do conselho de administração sombra, Guilherme Azevedo.
No percurso que fez neste papel até ao momento, destaca pela positiva o apoio de chefias intermédias e da alta direção, e confessa que o desafio tem sido definir objetivos estratégicos que tenham em conta a diversidade das regiões nas quais o grupo está presente. Quanto a expectativas, torce para que o grupo consiga apresentar propostas “úteis e aplicáveis”, e considera que o trabalho pode classificar-se como “bem-sucedido” caso algumas das ideias sejam de facto implementadas.
Uma das razões que justifica uma boa governança é a atração e motivação de talento, e os conselhos de sombra são naturalmente uma ferramenta que ajuda a atingir esse propósito.
Duarte Pitta Ferraz aponta que “uma das razões que justifica uma boa governança é a atração e motivação de talento, e os conselhos de sombra são naturalmente uma ferramenta que ajuda a atingir esse propósito”. Moreira Rato reforça que este tipo de iniciativa pode aumentar a lealdade dos funcionários envolvidos à empresa, fazendo os membros sentirem-se mais relevantes, pelo que vê como maior benefício destes fóruns a retenção de talento.
Na opinião de Duarte Júlio Pitta Ferraz, para que a criação de um conselho de sombra seja eficaz, é importante que os elementos sombra tenham de facto influência nas decisões da administração. Caso contrário, “não se vai verificar o nível de inclusão que é valorizado pela geração Z”. Com o choque recente da pandemia de covid-19 e o crescimento do trabalho remoto, aumenta o benefício que as empresas têm em promover o envolvimento desta geração, aponta. O presidente do IPCG sublinha que se não conseguirem ver o impacto do seu trabalho, os jovens podem começar a ver os seus esforços como perda de tempo, o que será contraproducente.
Não deve ser surpreendente que o desempenho profissional do conselho de administração sombra melhore, assim como a satisfação.
“Não deve ser surpreendente que o desempenho profissional do conselho de administração sombra melhore, assim como a satisfação”, continua o mesmo especialista. Mas deixa um alerta: o desafio está em que o conselho-sombra sirva como porta-voz dos restantes jovens que não estão no board, e que os escolhidos não sejam portanto percecionados como “peritos da geração” em vez de seus representantes. Neste sentido, devem consultar os colegas e procurar incluí-los.
Na Tecnoplano, o conselho-sombra reúne-se trimestralmente com a administração da empresa e alguns “conselheiros”, que apoiam nas várias áreas do plano. Estas figuras intermédias, os conselheiros, são diretores nas várias áreas da empresa, e são envolvidos porque, pela maior proximidade com os jovens quadros, estes últimos não se sentirão tão condicionados em “trazer a loucura para cima da mesa”, explica Pedro Matos Pinho.
A preparar novas lideranças
Ao mesmo tempo, os conselheiros facilitam aos jovens a compreensão do mercado. Pedro Matos Pinho recorda a própria experiência: “Quando comecei a trabalhar na área comercial era uma frustração porque não conhecia o mercado” e “para lançar ideias é preciso um conhecimento algo profundo”. Bernardo Matos Pinho sente que existe alguma dificuldade dos jovens que integram a empresa em perceber o contexto do mercado onde esta se insere, pelo elevado nível de tecnicidade do setor, o que, acredita, dificulta que estes percebam a tomada de decisões por parte do conselho de administração.
Em vez de ser imposta uma decisão a partir de cima, trazerem-se contributos da base permite que seja mais fácil alinhar a empresa em relação aos objetivos eventualmente traçados.
Com a discussão de ideias entre o conselho de administração e a sua “sombra” mais jovem, o administrador executivo espera que os elementos sombra sejam confrontados com os trade-off (compromissos) que implica a gestão de uma empresa, permitindo-lhes uma melhor compreensão em relação às opções escolhidas. “Em vez de ser imposta uma decisão a partir de cima, trazerem-se contributos da base permite que seja mais fácil alinhar a empresa em relação aos objetivos eventualmente traçados”, conclui o presidente do conselho de administração da Tecnoplano, Pedro Matos Pinho.
Além disso, quer “abrir a cabeça” por vezes “complicada” dos engenheiros que constituem a força de trabalho da empresa, pois “são por norma avessos à tomada de risco” e, ao nível da gestão, há que avançar por vezes com apenas 70% da certeza e “resolver os restantes 30% pelo caminho”. “Faz parte do crescimento. Só as pessoas que sabem errar sabem tomar decisões”, vinca.
É muito importante ir-se semeando na cultura da empresa a possibilidade de as pessoas tomarem decisões. Os funcionários a meio da tabela devem sentir que contribuem e não que estão apenas a obedecer.
Os conselhos de administração sombra podem então ser “uma forma de ir formando futuros membros do Conselho de Administração”, ou uma nova “fornada” de executivos, entende Moreira Rato. “É muito importante ir-se semeando na cultura da empresa a possibilidade de as pessoas tomarem decisões. Os funcionários a meio da tabela devem sentir que contribuem e não que estão apenas a obedecer”, conclui.
O mandato do conselho de administração sombra da Tecnoplano acaba em setembro. No último trimestre, existirá tempo para discutir o plano estratégico oficial, que beberá das ideias de ambos os conselhos de administração – o “oficial” e a “sombra”. Nessa altura, cessa também funções o primeiro conselho de administração sombra, para dar lugar a um segundo. É o conselho cessante que irá propor novos objetivos ao que vem a seguir. Estes podem passar por uma área específica de estudo ou o acompanhamento da implementação do plano estratégico, em jeito de exemplo. O balanço “pode não ser perfeito no primeiro ano”, mas a vontade é a de continuar ir “afinando o modelo”, indica desde já o presidente da administração.
Conselho-sombra debaixo de holofotes
Tanto dentro da empresa como fora a reação à iniciativa tem sido positiva, garantem os responsáveis. Desde jovens diretores até a concorrentes, parceiros e clientes, têm chegado à administração elogios pela iniciativa mas também perguntas sobre o funcionamento deste instrumento. “Querem-no fazer nas suas empresas”, partilha Pedro Matos Pinho.
Ainda assim, “este tipo de conselhos não são frequentes e isto não é um padrão”, realça o presidente do Instituto Português de Corporate Governance.
Os clientes da Ivens Advisors que têm acolhido este tipo de iniciativa concentram-se essencialmente em setores como a advocacia e a consultoria, e a entidade especialista em governança considera esta uma “prática em crescimento”, e a qual não deve cingir-se a grandes empresas, já expostas a regulação mais apertada. “Isto não é um tema apenas para empresas cotadas, mas para todos estes tipos de empresas”, defende Duarte Pitta Ferraz.
Mas os modelos adotados têm sido diversos. No caso de uma big four que é do conhecimento de Duarte Júlio Pitta Ferraz, há um sócio específico do Conselho de Administração que tem a responsabilidade de fazer a ponte com o conselho-sombra. Duarte Pitta Ferraz aponta ainda o sistema de ter um terço ou dois terços do conselho que vai sendo renovado, mas mantêm-se alguns membros da composição anterior em funções, de forma a poderem transmitir a memória daquilo que foi feito aos seguintes.
Outro caso em implementação em Portugal, e cujo modelo é diferente do da Tecnoplano, é o NextGen Council da KPMG. A empresa não considera este grupo um conselho de administração sombra, na medida em que se debruça sobre tópicos mais limitados do que o conselho de administração real. O NextGen Council trata temas mais relacionados com o dia-a-dia dos funcionários dentro da empresa. João Moreira Rato defende que não é importante se um órgão deste tipo tem o nome de conselho de sombra ou se adota outra designação, desde que chame os funcionários a manifestarem-se sobre o rumo e procedimentos da empresa. Um conselho-sombra é no fundo um órgão consultivo, uma espécie de comité especializado, complementa Pitta Ferraz.
No caso da KPMG, explica o senior partner Vítor Ribeirinho, o conselho tem um total de 30 membros, que representam todas as áreas de negócio, de forma a que a organização percecione que “é uma iniciativa para todos”. Aqui, os membros são escolhidos com base num primeiro critério de desempenho, que incide sobre os funcionários que estão na empresa há 3 ou 4 anos e que mais se distinguiram na sua avaliação. Depois, dentro desse universo, os líderes de cada área são chamados a selecionar o membro que integrará o Council, consoante as características de liderança que lhe reconheçam. No final, conta-se um total de 30 administradores-sombra.
Numa altura em que há uma guerra de talento permanente, o grupo em que tive menor rotação de pessoas foi o grupo NextGen. É um grupo só de 30 elementos mas muito comprometido.
Durante um ano, o Council divide-se em cinco grupos, e cada um deve debruçar-se sobre um tópico relacionado com o posicionamento estratégico da organização, depois de determinados pelo board. Este ano os tópicos vão desde a “liderança ética” à “comunicação interna”. Há quatro encontros trimestrais e dois momentos de apresentação final à empresa, numa reunião de sócios e numa reunião geral.
Ao dia de hoje, já 90 pessoas passaram por este Conselho e, a partir do momento que valorizam a experiência, deverão tornar-se embaixadores junto dos colegas que podem vir ainda a fazer parte, conta o gestor. “Numa altura em que há uma guerra de talento permanente, o grupo em que tive menor rotação de pessoas foi o grupo NextGen. É um grupo só de 30 elementos mas muito comprometido”, destaca Ribeirinho, como ponto positivo. O mesmo espera que, à medida que os próprios gestores intermédios vão percecionando o mérito da iniciativa, incentivem cada vez mais este trabalho.
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Conselhos de administração “sombra” dão brilho a talento jovem e iluminam decisões
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