Consumo está a puxar mais pela economia que as exportações. Que riscos existem?

Crescimento da economia está a ser impulsionado pelo consumo privado, com as exportações a reduziram o contributo para a variação do PIB. Economistas defendem recuperação da quota de mercado.

  • Na semana de entrega do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), o ECO publica um conjunto de artigos dedicados a áreas-chave da economia e finanças públicas portuguesas.

O crescimento da economia portuguesa está a assentar numa nova fórmula que quebra a tradição verificada na última década. O consumo privado começou a ser o principal motor da expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com as exportações a perderem o lugar de destaque que haviam conquistado. Uma receita que acarreta riscos se perpetuada no tempo, alertam os economistas consultados pelo ECO.

Entre 2015 e 2019, a economia nacional cresceu em média 2,5%. Uma expansão que se fez sobretudo à conta do contributo das exportações de bens e serviços (1,1 pontos percentuais). O contributo reduziu-se na média dos quatro anos seguintes, já que o crescimento médio do PIB desacelerou para 1,9%, mas continuou a ser a estrela principal. No entanto, a fotografia pode alterar-se. No ano passado, a tendência inverteu-se e o consumo privado foi o motor do crescimento, sendo expectável que o padrão se repita este ano (e, de acordo com algumas estimativas, em 2026).

É importante que o modelo de crescimento da economia portuguesa continue a ser um modelo fundamentalmente assente na nossa capacidade exportadora, na capacidade de sermos competitivos. Para isso temos de olhar para todos os fatores que condicionam a nossa capacidade de produção de um modo geral”, defendeu a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Nazaré da Costa Cabral, na última conferência de imprensa da instituição, em setembro.

É importante que o modelo de crescimento da economia portuguesa continue a ser um modelo fundamentalmente assente na nossa capacidade exportadora, na capacidade de sermos competitivos.

Nazaré da Costa Cabral

Presidente do Conselho das Finanças Públicas

Questionada pelo ECO sobre se o desempenho da economia está a ficar demasiado dependente do consumo — e se isso coloca o crescimento com um perfil mais próximo do registado antes da crise económica e financeira de 2012 –, Nazaré da Costa Cabral sublinhou que os dados mais recentes não significam para já uma alteração estrutural do modelo de crescimento, mas alertou que é preciso estar atento.

“A economia no seu todo depois da crise financeira e da dívida soberana fez um grande esforço de reajustamento, de reconversão do seu perfil de crescimento económico – um perfil que se baseava essencialmente na procura interna, nomeadamente no consumo privado – para o aumento da capacidade exportadora”, recordou, antes de advertir: “Não podemos correr o risco neste contexto difícil de perder capacidade competitiva. Se isso acontecer significa que estamos a voltar ao tal modelo de crescimento, que é o tal modelo em que impulsionamos a economia apenas pelo lado da procura interna“.

Em 2023, a economia nacional cresceu 3,1%, alavancada nas exportações de bens e serviços e, em menor grau, no consumo das famílias. Enquanto as primeiras registaram um contributo para a variação do PIB de 1,6 pontos percentuais (pp.), o contributo do segundo ascendeu a um ponto percentual. No ano passado, a tendência alterou-se e o consumo privado explicou mais de metade do crescimento económico (1,1 pp.) — dito de outra forma, também ilustrativa, o seu peso foi de 60,9% no PIB.

Em 2024, o peso do consumo privado no PIB foi de 60,9%.

“É claro que isto tem um risco. Tem um risco de aumento de importações, tem um risco de podermos começar a agravar as nossas contas externas, embora não seja isso que estamos a projetar. No entanto, temos de estar alerta. O Conselho das Finanças Públicas também está atento a isso”, disse a presidente do CFP.

É neste sentido que o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira, em declarações ao ECO, defendeu que “seria preferível um crescimento mais equilibrado, com mais investimento e mais exportações“.

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A evolução no ano passado resultou sobretudo das medidas destinadas ao aumento dos rendimentos das famílias na segunda metade do ano passado. “Em 2024, destacaria quatro efeitos para explicar a evolução do consumo das famílias: houve um aumento do rendimento disponível em termos reais, os indicadores de confiança das famílias evoluíram de forma favorável, os aumentos de pensões e reduções no IRS, e ainda as despesas associadas ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”, referiu o coordenador do NECEP – Católica Lisbon Forecasting Lab, João Borges de Assunção, em declarações ao ECO.

A perspetiva é que o padrão de 2024 se volte a repetir, uma vez que a receita do ajustamento das tabelas de retenção na fonte no IRS e o suplemento extraordinário aos pensionistas foi replicada pelo Governo em agosto e setembro de 2025. Este é, aliás, um dos motivos pelos quais o Banco de Portugal reviu em alta, na terça-feira, as perspetivas de crescimento para este ano, de 1,6% para 1,9%.

O regulador bancário explicou que a melhoria da previsão assenta em parte na atualização das contas nacionais do INE, mas também numa dinâmica do consumo privado quer no início do ano, quer na expetativa para o segundo semestre mais alta do que a anteriormente esperada. Assim, para este ano prevê um contributo do consumo privado para a variação do PIB de 1,1 pp. e das exportações de apenas 0,1 pp.

“Refira-se que o impacto no consumo privado das medidas orçamentais introduzidas em 2024 induziu uma volatilidade no crescimento do PIB superior ao habitual no final de 2024 e início de 2025. Projeta-se um perfil análogo na segunda metade de 2025 e no primeiro trimestre de 2026 em consequência das novas medidas anunciadas este ano, em parte de natureza temporária”, pode ler-se no relatório.

Contudo, o Banco de Portugal assume que “as famílias terão agora uma melhor perceção do seu impacto no perfil trimestral do rendimento disponível, o que se traduz num maior alisamento do consumo”.

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No entanto, os economistas alertam para os riscos associados à estratégia seguida. “O principal risco é haver um desalinhamento entre o crescimento do consumo e o rendimento disponível. De igual modo o investimento pode estar excessivamente dependente de projetos financiados pelo PRR de qualidade duvidosa, e que por isso não geram retorno suficiente no futuro em termos de ganhos de produtividade”, apontou João Borges de Assunção.

Por seu lado, Pedro Braz Teixeira alertou que esta “é uma estratégia que não é amiga da convergência com a União Europeia”, que “não tem sido mais problemática, porque tem sido acompanhada de um aumento significativo da poupança das famílias“.

“Existe um conflito entre crescimento do emprego e crescimento da produtividade, embora a relação seja indirecta. Portugal tem um défice de investimento, que se está a traduzir numa quebra do capital por trabalhador. Com este baixo investimento, quanto maior for o número de empregos criados, mais problemas teremos em aumentar o capital por trabalhador, o mesmo é dizer, das condições para aumentar a produtividade“, argumentou.

Neste sentido, considerou que “se o PIB continuar a aumentar pela via do emprego, e não tanto pela produtividade, continuaremos a ter um crescimento muito modesto dos salários, uma convergência lentíssima com a média europeia dos salários”.

Há precisamente um ano, Mário Centeno defendeu a “necessidade de sustentar o crescimento nas exportações e no investimento e não no consumo, seja ele público ou privado”, ainda que tenha sublinhado que “desempenhará sempre um papel central quando se mede do lado da despesa a atividade económica”.

 

Perda de quota de mercadoLusa

A transformação da economia com consequências no aumento da competitividade, levou a que, em termos reais, o peso das exportações no PIB passasse de 29,2% em 2008 para 39,8% em 2015 e atingisse o máximo de 49,6% em 2022, devido aos ganhos de quota de mercado. Uma evolução que reflete também a estrutura das próprias vendas de bens e serviços ao exterior e a maior aposta na produção de bens transacionáveis.

A título de exemplo, o Banco de Portugal destaca que os bens e serviços mais intensivos em tecnologia e conhecimento representaram 60,4% do ganho de quota na última década.

Contudo, o peso das exportações caiu para 46,7% em 2024 e é preciso voltar a aumentar o seu contributo, alerta Nazaré da Costa Cabral. “Conseguimos essa reconversão [da economia] e o peso das exportações foi sempre aumentando, até chegarmos a 2022 com 49,6%, quase 50% do PIB. Desde então temos notado uma quebra e estamos a estimar que se fixe em 44,5% em 2025″, assinalou a presidente do CFP.

Banco de Portugal destaca que os bens e serviços mais intensivos em tecnologia e conhecimento representaram 60,4% do ganho de quota na última década.

“Não estou a dizer que isto pode significar uma alteração do nosso modelo. Não é isso. Sabemos que a situação é complexa. Temos as tarifas, o contexto geopolítico, a globalização já não é a que conhecemos, mas há um sinal preocupante: a desaceleração que notamos nas exportações este ano tem de ver sobretudo com perda de quota de mercado. E perda de quota de mercado é algo que nos deve criar um sinal de alerta“, advogou Nazaré da Costa Cabral.

Pedro Braz Teixeira sublinhou que apesar do aumento do peso das exportações no PIB, as melhorias dos últimos anos têm sido “modestas”. “A conjuntura internacional não tem ajudado, mas é necessário ser mais ambicioso na melhoria da competitividade“, argumenta.

O economista destacou ainda que “o investimento está a ser prejudicado por obstáculos estruturais, de que se destaca a morosidade dos licenciamentos e a burocracia em geral“, apontando que, entre 1995 e 2007, o investimento representou 24,4% do PIB e caiu para 19,0% do PIB entre 2008 e 2024. “Nos últimos anos recuperou um pouco, mas em 2024 ainda só representou 20,5% do PIB”, identificou.

Economia cresce acima de 2% em 2026?

No programa eleitoral, a AD apontava para uma taxa de crescimento de 2,4% este ano e 2,6% no próximo, já a contar com o efeito multiplicador do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas nas reuniões de setembro com os partidos políticos, o Governo sinalizou que iria rondar os 2%.

No “Boletim Económico” de outubro divulgado esta terça-feira, o Banco de Portugal aponta para uma expansão do PIB de 1,9% este ano e de 2,2% no próximo. Após um aumento de 3% em 2024, prevê que o consumo privado cresça 3,3% este ano e 2% no próximo. Paralelamente, espera uma subida do investimento de 3% este ano e de 5,3% em 2026 (4,2% no ano passado). Contudo, aponta para uma desaceleração do crescimento das exportações, de 3,1% no ano passado para 1,1% este ano, esperando uma recuperação em 2026.

Ainda assim, a projeção para este ano alinha com a do Conselho das Finanças Públicas (CFP) e com a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ficando próxima da esperada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2% e da Comissão Europeia de 1,8%. Para 2026, as instituições mostram-se para já divididas sobre se o país irá crescer acima de 2%.

O Banco de Portugal está tão otimista quanto a Comissão Europeia, enquanto a OCDE projeta uma taxa de 1,9%, o CFP de 1,8% e o FMI de 1,7%.

Certo é que, na semana em que o Governo entrega a proposta do OE2026, o novo governador do Banco de Portugal, Álvaro Santos Pereira, avisou que “a economia portuguesa pode e deve crescer mais“.

“Mas para isso precisamos de reformas estruturais. Uma atitude reformista é essencial para os países continuarem a prosperar e para os níveis de vida dos cidadãos poderem aumentar. Governos alérgicos a reformas estruturais condenam os seus países a crescimentos medíocres e a parcas melhorias dos níveis de vida. Por isso, é imperioso prosseguir sem hesitação e com determinação uma agenda reformista, que melhore a competitividade da economia portuguesa e o nível de vida dos nossos concidadãos“, afirmou o sucessor de Mário Centeno no discurso da tomada de posse que ocorreu na terça-feira.

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