Dez questões que vão marcar o ano nos mercados

Após a forte valorização das ações em 2023, é bem mais diminuta a margem de erro para surpresas negativas na frente da evolução dos juros, inflação, atividade económica e resultados das empresas.

Na mente dos investidores, os astros parecem alinhados para que 2024 seja um ano de continuação do desempenho positivo dos ativos de risco. Com a inflação a aliviar, os bancos centrais vão descer a montanha dos juros, permitindo um abrandamento suave da economia global. Este cenário otimista vai possibilitar uma evolução positiva dos resultados das empresas e manter os mercados à margem de diversos efeitos adversos.

Contudo, como é prática habitual nos mercados, o sentimento dos investidores pode mudar de forma abrupta. Bastará algum desenvolvimento desfavorável para descarrilar as expectativas benignas que marcaram a reta final de 2023. Com os índices acionistas a negociarem em máximos históricos (ou muito perto disso) em diversas geografias, o risco de um desempenho negativo nas ações não é despiciendo.

Estes são dez dos temas que deverão marcar os mercados financeiros em 2024, com questões que serão decisivas para definir o rumo dos ativos cotados.

1. BCE e Fed agressivos a descer juros?

Depois de uma subida de juros muito agressiva desde meados de 2022, os bancos centrais estão agora em modo de espera, a avaliar a evolução da inflação e da atividade económica para definir quando podem inverter a política monetária. Os investidores têm expectativas elevadas para as decisões da Fed e BCE, com o mercado de futuros de taxas de juro a apontar para cortes em redor de 150 pontos base em 2024, com a primeira redução a surgir já em março. Se 2023 ficou marcado pelas expectativas sobre o pico nos juros, a política monetária continuará a dominar os mercados este ano, com os investidores a avaliarem a velocidade com que os cortes vão ser implementados.

Depois de terem reagido lentamente à escalada da inflação em 2021, os bancos centrais estão a transmitir a mensagem de que não têm pressa retirar os juros de níveis restritivos. É assim elevado o risco de as expectativas agressivas dos investidores saírem goradas no que diz respeito ao alívio da política monetária, o que pode inverter o otimismo dos investidores com a evolução positiva das ações. Acresce que se os juros descerem devido a uma degradação mais forte da atividade económica, o impacto nas bolsas tenderá a ser negativo. O “braço de ferro” entre mercados e bancos centrais será certamente um dos temas a marcar todo o ano de 2024.

2. Inflação regressa à meta dos 2%?

Depois de ter atingido um pico em redor de 10% na segunda metade de 2022, a inflação na Zona Euro e nos Estados Unidos entrou num movimento descendente que aparenta ser sustentável. Um desenvolvimento que deu confiança aos investidores (e vários economistas) para antever que a ambicionada meta dos 2% não vai demorar muito tempo a chegar. Os bancos centrais têm uma perspetiva bem mais cautelosa. O BCE estima a inflação nos 2,7% este ano (5,4% em 2023) e ainda acima dos 2% em 2025, baixando desta fasquia só em 2026 (1,9%). A Fed prevê a descida da inflação para 2,4% este ano (3,2% em 2023), 2,2% em 2025 e abaixo de 2% só em 2026.

Um alívio mais célere da inflação será fundamental para uma prestação positiva dos ativos de risco em 2024. Não só porque dará maior margem aos bancos centrais para descerem os juros de forma mais agressiva, mas também porque significará uma melhoria no poder de compra das famílias. Uma evolução que permitirá atenuar o abrandamento económico que se adivinha para este ano. Uma trajetória da inflação desalinhada com as expectativas colocará em causa toda a narrativa que está a suportar a valorização das ações e obrigações.

3. Economia abranda ou vem aí recessão?

Quando os bancos centrais começaram a subir os juros de forma desenfreada e sincronizada em 2022, poucos arriscaram que seria possível combater a inflação sem colocar a economia global numa recessão. A atividade económica resistiu de forma notável e só a Zona Euro enfraqueceu na segunda metade de 2023. Os organismos internacionais (como o FMI e a OCDE) coincidem na previsão de um abrandamento da economia global este ano, com o cenário central a descartar variações de sinal negativo no PIB das principais economias.

Contudo, existem diversos ventos contrários. A política monetária demora tempo a ter impacto na atividade económica e mesmo que seja aliviada em 2024, continuará certamente em níveis restritivos. A ajuda da política orçamental também será mais branda, com os governos a refrearem os estímulos depois da dívida pública ter disparado devido aos apoios concedidos para mitigar o efeito da elevada inflação. O alívio da inflação e dos juros vai melhorar o orçamento das famílias, mas as poupanças guardadas na pandemia já se esgotaram e o desemprego deverá começar a refletir o enfraquecimento da economia. Os indicadores negativos até têm impulsionado as bolsas por favorecerem a descida de juros, mas se apontarem na direção de uma recessão o impacto nas cotações acabará por ser negativo.

4. China recupera finalmente?

A China foi a grande desilusão de 2023. Depois das autoridades terem eliminado as restrições relacionadas com a pandemia, as expectativas apontavam para que seria a segunda maior economia do mundo a compensar a travagem acentuada das economias a Ocidente. O agravamento da crise no imobiliário, o impacto do elevado endividamento, o aperto regulatório sobre diversos setores e a timidez das medidas de estímulo implementadas por Pequim limitou o crescimento do PIB a cerca de 5% em 2023. Um desempenho dececionante sobretudo por comparar com um ano em que a economia esteve praticamente fechada ao exterior.

As expectativas para 2024 são agora bem mais contidas. Os economistas apontam para mais um ano com o PIB a crescer em redor de 5%, sendo elevadas as expectativas sobre qual vai ser a meta definida por Pequim. Um target pouco ambicioso mostrará que os estímulos vão continuar limitados, até porque a margem na frente monetária e orçamental é escassa. A descida de juros pode acelerar a fuga de capitais e a debilidade da moeda. A despesa pública está restringida pelo agravamento acentuado da dívida, sobretudo das entidades regionais. A bolsa chinesa já regista três anos seguidos de perdas e desvaloriza 60% face aos máximos de fevereiro de 2021, pelo que os ativos estão a transacionar em níveis considerados atrativos por muitos investidores.

5. Banco do Japão inverte política monetária?

O Banco do Japão é a única autoridade monetária que mantém a taxa de juro em terreno negativo, mas este patamar que perdura desde janeiro de 2016 deve chegar ao fim em 2024. Kazuo Ueda assumiu a liderança do banco central no ano passado, tendo como missão inverter a política monetária de uma economia que está a crescer bem acima do registado nos anos mais recentes e deixou para trás um período prolongado de deflação. A forma como o Banco do Japão vai acabar com o controlo das yields das obrigações e colocar os juros em terreno positivo pode ser fulcral na evolução de uma série de ativos este ano.

O Japão é, de longe, o país que mais detém dívida pública dos Estados Unidos (acima de 1 bilião de dólares, contra menos de 800 mil milhões detidos pelos chineses) e um elevado investimento no exterior devido à reduzida remuneração dos ativos no país. Uma normalização rápida da política monetária no Japão pode provocar um repatriamento de capitais em larga escala para o país, o que tem potencial para desestabilizar uma série de ativos. Sobretudo as obrigações norte-americanas, que são vistas como o pêndulo dos mercados mundiais. Isto numa altura em que a pressão da oferta é crescente devido à necessidade do Tesouro financiar os elevados défices orçamentais dos Estados Unidos. Ueda tem tudo para “roubar o palco” a Powell e Lagarde em 2024.

6. Dólar vai perder fulgor?

A perspetiva de que vai ser a Fed a liderar o movimento de descida das taxas de juro a nível global tem penalizado o dólar nos últimos meses. O consenso dos economistas e analistas aponta para que a debilidade perdure em 2024, invertendo a tendência dos últimos anos. A moeda norte-americana valorizou 5% em 2021, 6% em 2022 e negociou forte em grande parte de 2023, até inverter a tendência a partir de outubro, altura em que surgiram sinais de enfraquecimento da economia norte-americana e de que a Fed não voltaria a subir os juros.

A resiliência da economia norte-americana pode trocar as voltas a estas expectativas, sendo que o dólar também pode beneficiar se a travagem da economia global for mais pronunciada do que esperado. Além do estatuto de ativo de refúgio em períodos de turbulência nos mercados, o dólar tem ainda uma grande influência na evolução de outros ativos, com destaque para as matérias-primas. A correlação é negativa, pelo que a desvalorização da moeda norte-americana beneficia o petróleo e o ouro (que são cotados em dólares). 2024 será ainda um ano em que o mercado estará mais atento ao impacto no dólar da tendência de recuo da globalização e degradação das contas públicas nos EUA.

7. Obrigações estão mesmo de volta?

A aposta nas obrigações é das recomendações mais consensuais dos analistas para este ano. A descida da inflação, redução das taxas de juro e crescimento económico fraco são os ingredientes que justificam a atratividade dos títulos de dívida, que vêm de um dos períodos mais negros para esta classe de ativos. As obrigações registaram uma desvalorização histórica de dois dígitos em 2022 e permaneciam em terreno negativo até outubro do ano passado. Nos últimos dois meses de 2023 alcançaram uma valorização recorde próxima de 10%, com o mercado antecipar de forma muito rápida que 2024 seria um ano de descida agressiva de juros por parte dos bancos centrais dos EUA e Europa.

Com as taxas de juro a permanecerem em níveis elevados, as obrigações oferecem um rendimento interessante e a perspetiva de alívio das yields (cotações variam em sentido contrário às taxas) reforça a atratividade destes títulos que deverão ganhar preponderância nas carteiras dos investidores este ano. Uma tendência que pode traduzir uma menor alocação a ações, sobretudo se a evolução dos indicadores económicos for desfavorável. Os analistas advertem que o caminho pode ser atribulado, nomeadamente se a inflação persistir acima da meta dos bancos centrais por mais tempo do que o previsto.

8. Resultados vão ser magníficos?

A evolução positiva dos resultados das empresas foi determinante para o bom desempenho das bolsas em 2023. Para este ano, o consenso dos analistas aponta para um desempenho bem mais positivo, com as empresas a beneficiarem com a descida de custos, refletindo o alívio da inflação e dos juros. Contudo, diversos analistas alertam que as previsões atuais são demasiado otimistas e não refletem na totalidade a travagem da atividade económica. Uma evolução desfavorável dos resultados vai colocar em causa o nível elevado a que estão as avaliações das ações, sobretudo nos Estados Unidos. O índice S&P500 está a transacionar perto de 20 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, o que compara com a média de longo prazo de 15,6 vezes.

As grandes tecnológicas norte-americanas, que passaram a ser conhecidas por “Sete Magníficas”, são as grandes responsáveis pelo crescimento dos resultados e sobretudo pelo desempenho dos índices. Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Meta Platforms, Nvidia e Tesla representaram cerca de dois terços da valorização de 24% do S&P 500 em 2023. Para este ano, os analistas estão a contar com um aumento de 22% dos lucros destas empresas, que estão mais vulneráveis a surpresas negativas. A previsão duplica a estimativa de subida dos lucros das cotadas do S&P 500 em 2024 (11,1%), que é quase quatro vezes superior ao crescimento estimado para 2023 (3,1%). No que diz respeito às cotadas europeias, as previsões são mais brandas, pois só a partir do segundo trimestre a variação homóloga passará a ter sinal positivo.

9. Mudança na Casa Branca?

2024 vai ser um ano muito agitado a nível político, com eleições (legislativas ou presidenciais) em mais de 50 países, onde habitam cerca de um terço da população mundial e é gerado 44% do PIB global. Destaque para os Estados Unidos, onde está na calha a repetição de um confronto entre Joe Biden e Donald Trump. Perfis muito diferentes e que ditarão caminhos distintos para a política económica interna e para as relações dos EUA com o resto do mundo. A escolha dos norte-americanos, nas eleições de 5 de novembro, terá óbvio impacto nos mercados financeiros, sendo que as perspetivas são positivas, independentemente de quem sair vencedor.

Nos anos de eleições nos EUA desde 1949, o índice S&P 500 registou uma valorização média de 13%, bem acima do retorno considerando todos os anos. Quando um presidente concorre a um segundo mandato, como é o caso, os retornos são mais acentuados pois o residente na Casa Branca tende a implementar medidas para impulsionar a economia e melhorar a sua popularidade. O S&P 500 valoriza 23% desde que Joe Biden assumiu o cargo, um desempenho inferior ao que se verificou no mandato de Donald Trump (67%). Barack Obama (85% no primeiro mandato) e Bill Clinton (79%) conseguiram um registo ainda mais favorável.

10. Conflitos militares continuam a dominar geopolítica?

A tensão no Médio Oriente está a agravar-se, com a guerra entre Israel e o Hamas a ter ainda consequências imprevisíveis numa região onde é produzido cerca de um terço do petróleo consumido em todo o mundo. A guerra na Ucrânia, prestes a entrar no terceiro ano, não tem fim à vista. Estes conflitos têm contribuído para acentuar a clivagem entre o Ocidente e o bloco Rússia/China, com impactos significativos na globalização e no comércio mundial.

A geopolítica está a assumir um risco mais preponderante nos mercados financeiros e os últimos desenvolvimentos evidenciam como o impacto pode ser global. Os ataques dos rebeldes Houthis no Mar Vermelho estão a condicionar o comércio entre Europa e a China, travando o transporte de petróleo na região. Se a instabilidade perdurar, acabará por se refletir nos preços, o que representa mais um vento contrário para a descida da inflação e abrandamento suave da economia.

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