Ecossistema contra-corrente. Estas startups nasceram da pandemia

Pandemia deixou investidores mais cautelosos e empreendedores mais criativos. Com Covid-19 houve negócios já em preparação que finalmente arrancaram e outros que só existem graças ao coronavírus.

Rita tinha tudo pronto. Depois de dois anos numa consultora, saiu para trabalhar numa empresa e 2020 trazia novos planos: lançar finalmente a sua própria startup. Com Afonso Pinheiro, andava há mais de um ano a “magicar” um projeto comum. Em dezembro, surgiu a ideia da Pleez, depois de estarem mais de 15 minutos à espera da conta num restaurante. “Havia claramente um problema de eficiência que fazia com que o empregado viesse e voltasse muitas vezes ao balcão antes de trazer a conta. Havia ali a oportunidade de digitalizar na restauração, onde essa experiência ainda não existia”, conta Rita Araújo, 25 anos, ao ECO.

Os dois cofundadores começaram nessa altura a trabalhar numa solução que agilizasse processos com a ajuda de tablets nas mesas dos restaurantes para fazerem esses “pedidos mais rápidos” e, já tinham começado a vender quando pensaram “já fomos”. É que esse lançamento praticamente coincidiu com a chegada da Covid-19 a Portugal.

“Por outro lado, percebemos que podia ser uma enorme oportunidade porque surge a grande preocupação das pessoas e dos restaurantes no sentido de haver mais distanciamento, não haver troca de menus e de terminais. Podíamos migrar a solução do tablet para o telefone”, reflete Rita. Assim, aquilo que a Pleez começou por vender nos seus primeiros dias transformou-se, rapidamente, na versão que a startup tem agora no mercado. Os restaurantes aderentes podem, assim, através de um link, permitir aos seus clientes que comuniquem com os empregados e paguem as contas, reduzindo os tempos de espera e, também, o contacto com objetos locais.

Em operação desde 18 de maio, data em que o Governo autorizou a reabertura da restauração em todo o país, a Pleez está, por enquanto em quatro restaurantes mas os planos passam por chegar a cerca de 30 a 1 de junho. Com uma equipa de 12 pessoas e quatro fundadores, o modelo de negócio da Pleez assenta numa mensalidade fixa (como serviço, a fee começa nos 60 euros) ou numa versão “menos arriscada” em que a startup fica com uma percentagem do volume de transações feitas via Pleez. Por agora, Rita Araújo acredita que, mesmo em tempos de pandemia, “dar este salto para criar uma coisa” sua compensa “completamente”.

Dois meses depois do início da pandemia de coronavírus em Portugal, o ecossistema nacional de startups está mais otimista, referem as conclusões do estudo “O Ecossistema de Empreendedorismo Português e o Covid-19 – Análise do Impacto” feito pela Aliados Consulting e pela FES Agency. No entanto, mais de três em cada dez startups afirmam que estão preocupadas com um possível encerramento do seu projeto em consequência da pandemia (36,1%). Não é o caso da PowerUpp que, mais de quatro anos depois do início do desenvolvimento do projeto lançou finalmente a app que quer fazer frente ao LinkedIn.

Depois de muitos anos à frente de empresas, Mário Costa, 74, está finalmente a lançar a startup em que esteve a investir nos últimos anos. A PowerUpp é uma aplicação que tem como objetivo ser uma rede social que junta pessoas à procura de trabalho e empresas/pessoas à procura de contratar talento com determinadas características. A diferença? Um algoritmo que garante que ali, tudo é o mais “real” possível. “O segredo é que a validação e referência são blind, o que cria uma coisa que começa a ser sólida, com valores e que pode dar bom resultado”, esclarece Mário Costa, investidor do projeto.

A aplicação foi lançada na semana passada, em plena fase de desconfinamento: o lançamento foi “apressado” para que, explica Ricardo Paiágua, a trabalhar no projeto, as pessoas que dela precisam possam ver valor acrescentado nesta altura de crise pandémica. “Os dados começam a estar poluídos (…) Agora, as pessoas vão ter de reinventar as suas skills, para verem isto como mais-valia de reinvenção. Saberem que skills estão a desaparecer e as skills que estão a aparecer no mercado, e mudar um pouco a maneira como se recruta”, explica o fundador sobre os objetivos do projeto que pretende ser um “LinkedIn mais simplificado e com máxima verdade/veracidade”.

Quando o ecossistema luta contra o vírus

Estávamos em meados de março quando centenas de empreendedores portugueses começaram a aproveitar a possibilidade de trabalhar remotamente para contribuírem para o combate à Covid-19. Aquilo que, no final dessa semana era um grupo informal de 25 empresas da comunidade da Founders Founders, tornou-se, semanas depois, num movimento que conta com centenas de voluntários envolvidos em dezenas de projetos. Paula Vasconcelos foi uma dessas voluntárias. Aos 42 anos, fez-se parte da equipa que criou a TeamLoan, uma plataforma que junta empresas à procura de equipas específicas para determinados projetos e pessoas que possam disponibilizar esses serviços.

Com um registo simples que inclui informações como setor de atividade, localização e alguns dados da empresa, o objetivo deste projeto foi ajudar. Por isso, a TeamLoan é só a facilitadora: depois dos registos, os intervenientes contactam-se diretamente, sem ingerência da plataforma. “A plataforma foi toda construída para ser muito simples, sem sermos um travão para essa colaboração”, explica Paula Vasconcelos, consultora e um dos dez voluntários envolvidos no projeto.

“A ideia surgiu nos dias da declaração do estado de emergência, em que os noticiários alternavam notícias de restaurantes a fechar e roturas de stock e filas nos supermercados. Nessa fase, surgiram vários desequilíbrios — que se espera que sejam temporárias –, e, por isso, em vez de pensarmos em soluções definitivas, começámos a trabalhar em pós-laboral, com o tempo que sobrava das deslocações que já não fazíamos”, conta.

Agora que as reuniões deixaram de ser diárias — memórias dos tempos em que a equipa de desconhecidos começou a trabalhar junta — os planos passam por continuar a manter a plataforma a funcionar enquanto puder ajudar alguém.

“Este é um projeto de prazo mais alargado e, por isso, o nosso objetivo foi sempre tornar a plataforma disponível o mais rápido possível. A nossa ideia é que as empresas a usem enquanto seja relevante mas nenhum dos projetos existe com um propósito de monetização. Este projeto foi pensado para ajudar a responder a esta crise”, explica Paula.

Aberta a todos os setores, a TeamLoan tem estado particularmente ativa a cruzar talento com empresas de turismo e tecnologia à procura de reforços. Com uma base de dados que conta com 40 empresas, a maior aprendizagem da experiência tem sido ela própria. “Inesquecível”, aponta Paula Fernandes. “São pessoas que não conhecíamos, com quem só falávamos por Slack e que agora já conhecemos melhor. É a experiência de uma equipa que se junta à volta de um propósito, de um projeto. São projetos que acabam por nascer muito rápido”.

Pandemia traz investimento

Ainda que a pandemia traga, aos investidores de capital de risco, uma maior cautela na hora de financiarem novos projetos, a Covid-19 trouxe à Bridge In, startup fundada em janeiro de 2020, a notícia de uma primeira ronda de financiamento. A empresa começou a recrutar equipa e a criar marca no início do ano, mas as primeiras atividades comerciais coincidiram com março e com o início da crise pandémica. A startup anunciou, em abril, ter angariado 100 mil euros na primeira ronda pre-seed junto de investidores britânicos para desenvolver a plataforma de apoio a startups tecnológicas que estejam a abrir hubs em Portugal.

“Ajudamos a escolher espaço de escritório, a recrutar o talento necessário, mas também a criar uma subsidiária local, encontrar um advogado, contabilista e todos os restantes serviços conexos”, explica Pedro Henriques, fundador e CEO da Bridge In, ao ECO.

Com uma equipa de cinco pessoas e sede em Lisboa, os clientes da Bridge In são startups tecnológicas em fase de crescimento rápido e que, por isso, têm necessidades de recrutamento significativas. “Falamos tipicamente de startups alavancadas por empresas de venture capital do Reino Unido e EUA. Ainda não concluímos nenhum processo, principalmente porque a pandemia tem adiado decisões dos nossos clientes. Mas estamos em conversas muito avançadas com uma empresa de private equity de Boston e contamos fechar o processo no início do terceiro trimestre”, sublinha.

“Iniciar um negócio durante uma crise económica pode parecer desaconselhável, mas a adaptabilidade é essencial para sobreviver às disrupções no mercado e as startups são, por definição, muito ágeis e flexíveis, estando assim melhor preparadas para se ajustar rapidamente às necessidades do mundo pós-pandemia”, explica Pedro Henriques.

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