Mais-valias acabam, mas vem aí um novo imposto no alojamento local

O Governo pretende acabar com a tributação de mais-valias quando um imóvel sai do alojamento local para a esfera privada. Contudo, os proprietários vão ter de pagar um novo imposto.

O próximo ano vai trazer mudanças no regime de alojamento local. O Governo propõe acabar com a tributação de mais-valias quando um imóvel sai do alojamento local para a esfera privada, algo que era há muito pedido pelo setor. Mas, em contrapartida, os proprietários serão confrontados com um imposto que até aqui não existia. A associação que representa o setor pede cautela aos profissionais, enquanto advogados e fiscalistas falam numa dupla tributação, questionando ainda a constitucionalidade desta lei que o Executivo quer aprovar.

A proposta do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) apresentada pelo Governo, que terá ainda de ser aprovada pelo Parlamento, traz novas regras para o regime do alojamento local. Se por um lado há alterações positivas, por outro traz novos custos que poderão ser “bastante onerosos” para os proprietários que queiram retirar os seus imóveis desta modalidade. Perceba como funciona o regime atual e o que o Executivo quer mudar.

A questão central tem a ver com a desistência do alojamento local. E, aqui, há duas situações importantes que vão sofrer alterações e importa serem tidas em conta: retirar um imóvel do alojamento local para a esfera privada; e vender este mesmo imóvel um tempo depois.

As implicações de retirar um imóvel do alojamento local para a esfera privada

As mais-valias. São consideradas o maior obstáculo do setor, especialmente numa altura em que tem aumentado o número de proprietários que pensa desistir do alojamento local e destinar o imóvel para uso próprio ou até para o arrendamento de curta duração.

O que diz a lei atual?

Inscrever um imóvel no alojamento local implica o apuramento de mais-valias, calculadas através da diferença entre o valor de aquisição do imóvel e o valor do imóvel à data em que é colocado neste regime. Este valor será tributado na Categoria G de rendimentos, ou seja, o imposto vai incidir sobre 50% do valor. Exemplo: Um imóvel comprado por 50.000 euros e colocado no alojamento local a valer 75.000 euros representa uma valorização de 25.000 euros (75.000 – 50.000). Ou seja, vai ser aplicado imposto sobre 50% destes 25.000 euros. O valor a pagar dependerá de cada contribuinte, consoante os restantes rendimentos do mesmo. Contudo, a boa notícia é que esta mais-valia é calculada, mas fica suspensa, não tendo o proprietário de a pagar.

O problema é quando o proprietário decide, mais tarde, retirar este imóvel do alojamento local. Aqui é calculada uma nova mais-valia e, desta vez, tem mesmo de ser paga. Nesta situação, o cálculo é feito através da diferença entre o valor do imóvel no momento em que é retirado do alojamento local e o valor do imóvel à data em que entrou para o regime. Exemplo: O mesmo imóvel valia 75.000 euros quando foi colocado no alojamento e quando foi retirado já valia 100.000 euros. Ou seja, há uma valorização de 25.000 euros (100.000 – 75.000). Aqui, vai ser aplicada uma tributação na Categoria B, ou seja, sobre 95% deste valor. Assim, quando retirar um imóvel do alojamento local, o proprietário tem de pagar ao Estado impostos sobre 48.750 euros: 25.000 euros de valorização patrimonial (primeira mais-valia) somados aos 23.750 euros de rendimentos empresariais (segunda mais-valia).

Para Joana Cunha d’Almeida, sócia do Departamento Fiscal da Antas da Cunha, “o regime atualmente em vigor revela-se bastante penalizador”. E foi, durante muito tempo, considerado pelo setor como um dos maiores obstáculos a quem pretendia migrar do arrendamento de longa duração para o de curta duração, ou até para quem pretendia alocar o imóvel a uso próprio. O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, diz ao ECO que esta questão era “uma das barreiras da migração do alojamento local para outros usos”.

Ainda assim, o OE2020 veio aliviar os custos para os proprietários. Assim, não há pagamento de mais-valias caso o imóvel fique cinco anos consecutivos no arrendamento tradicional imediatamente após ser retirado do alojamento local.

Para 2021, Governo quer acabar com pagamento das mais-valias

Numa altura em que o Governo pretende aumentar a oferta de habitação acessível, contando, para isso, com o alojamento local, foram criados recentemente vários programas com essa finalidade: Programa Renda Segura (Câmara de Lisboa) e Porto Com Sentido (Câmara do Porto). Assim, para o próximo ano, o Governo pretende acabar de vez com este cálculo das mais-valias quando um imóvel passa para a esfera particular. “A lei dizia uma coisa disparatada e isso fica resolvido com este diploma”, diz ao ECO Luís Leon, partner da divisão de Global Employer Services da Deloitte.

Contudo, este fim das mais-valias aplica-se unicamente aos imóveis que saem do alojamento local para a esfera particular, por exemplo para o arrendamento de curta duração ou até para uso próprio dos proprietários. “Esta alteração traz um avanço importante e positivo na resolução do principal problema das mais-valias para o alojamento local”, diz o presidente da ALEP. Só no caso de o imóvel ser vendido é que há, então, lugar ao pagamento de mais-valias.

Apesar de acabar com mais-valias na desistência do alojamento local, Governo cria novo imposto

O que muitos ainda não perceberam é que, apesar de querer acabar com as mais-valias no momento de desistência do alojamento local, o Governo pretende criar, em contrapartida, um novo imposto. “Não é correto dizer que a mais-valia no alojamento local acabou”, alerta Eduardo Miranda, da ALEP, sublinhando que “é preciso ter em conta que a proposta traz também contrapartidas que devem ser tidas em atenção”.

Este novo imposto — que será pago em quatro anos — funciona como uma espécie de “compensação”, diz o presidente da ALEP, que “é compreensível para quem tem contabilidade organizada e beneficiou das amortizações, mas menos justificável para quem está no regime simplificado”. É exatamente isso que a proposta do OE2021 prevê: duas formas de calcular este novo imposto, dependendo se o proprietário tem contabilidade organizada ou regime simplificado.

  • Regime Simplificado

De acordo com a alínea b, do ponto 10 do Artigo 3.º da proposta do OE2021, quando o imóvel sai do alojamento local é calculado imposto sobre 1,5% do valor patrimonial tributário (VPT) à data em que sai do alojamento local multiplicado pelo número de anos em que o imóvel este afeto a este regime. Exemplo: Um imóvel vale 50.000 euros e vou retirá-lo do alojamento local ao fim de 10 anos. Então: 1,5% de 50.000 euros, multiplicado por 10. Isto daria 7.500 euros. Este valor vai ser considerado como rendimento, mesmo que o imóvel já não esteja no alojamento local.

A mesma proposta diz que essa “compensação” será repartida ao longo de quatro anos. Ou seja, se o imóvel sair do alojamento local em 2020, em 2020, 2021, 2022 e 2023 o proprietário vai acrescentar 1.875 euros (7.500 divididos por 4) à matéria coletável no IRS.

  • Regime de Contabilidade Organizada

De acordo com a alínea a, do ponto 10 do Artigo 3.º da proposta do OE2021, quando o imóvel sai do alojamento local é calculado imposto sobre todas as depreciações, imparidades, encargos com empréstimos e rendas de locação financeira que aconteceram durante o período em que o imóvel este neste regime. Atualmente, ao rendimento, deduz-se normalmente apenas 2% do valor da aquisição do imóvel.

Exemplo: Se durante os anos em que o imóvel esteve no alojamento local o proprietário beneficiou da dedução de 20.000 euros diretos à coleta, passará a adicionar 5.000 euros (20.000 a dividir por 4) anualmente à coleta.

Novo imposto é uma espécie de “compensação” ao Estado

Luís Leon, partner da Deloitte, afirma que “é verdade que não se apuram mais-valias, mas paga-se um imposto. E este imposto não existia. É calculado por referência ao valor do imóvel”. O especialista diz ainda que, no regime de contabilidade organizada, o contribuinte “vai ter de pagar imposto sobre todas as amortizações que fez enquanto esteve na atividade a aproveitar as deduções”. “É uma espécie de compensação ao Estado pelo imposto que não paguei lá atrás”, acrescenta.

Para Mariana Gouveia de Oliveira, sócia contratada da Abreu Advogados, “se se trata de um custo direto da atividade, porque é que se há de deduzi-lo? Não houve qualquer benefício”, diz ao ECO. “Não encontro razão substantiva, menos ainda no regime simplificado”, acrescenta, referindo que este novo imposto “será mais vantajoso para uns, mas para outros não”.

Por sua vez, Joana Cunha D’Almeida, sócia da Antas da Cunha, “dependendo das circunstâncias do caso concreto, esta previsão poderá implicar que a desafetação dos imóveis deste tipo de atividade continue a ser um processo (mais ou menos) oneroso para os proprietários, acabando assim por frustrar o objetivo inicialmente reconhecido”.

E quando o imóvel é retirado do alojamento local e posteriormente vendido?

Esta é outra das mudanças que o Governo quer trazer para 2021: a forma de calcular as mais-valias quando um imóvel é vendido. E aqui, o tempo que passou desde que o imóvel saiu do alojamento local vai contar na hora de fazer as contas.

A proposta do Executivo “estabelece também uma norma antiabuso, nos termos da qual continua a ser apurada uma mais-valia tributável caso o imóvel venha a ser alienado a terceiros durante os três anos posteriores à sua restituição ao património particular“, diz ao ECO Joana Cunha D’Almeida, da Antas da Cunha.

Imóvel é vendido menos de três anos depois de ter saído do alojamento local

Se um imóvel sair do alojamento local e for vendido nos três anos seguintes, o proprietário vai sair penalizado. Aqui, o cálculo das mais-valias será diferente do habitual: estas vão ser tributadas totalmente como rendimento de Categoria B (95% do ganho) e não de Categoria G (50% do ganho), representando mais custos para o proprietário, de acordo com o ponto 16 do Artigo 10.º da proposta do OE2021.

E, nesta situação, passa a ser considerada a totalidade do ganho face ao valor de aquisição inicial. Exemplo: Se um imóvel tiver custado 50.000 euros ao proprietário e este o vender por 100.000 euros, vai ser calculada a valorização do imóvel nestes dois períodos temporais, e não desde que o imóvel entrou no regime de alojamento local, como é habitual.

“Se no período de três anos eu vender o imóvel depois de este ter saído do alojamento local, essa mais-valia é tributada dentro da atividade”, explica Luís Leon. Para o partner da Deloitte, “estes três anos não fazem sentido”. “Eu criticaria menos o regime se o proprietário não tivesse que ficar com o imóvel durante três anos. Se depois pago a mesma mais-valia que pagaria dentro da atividade, isto é uma duplicação de imposto“, diz.

Para Mariana Gouveia de Oliveira, da Abreu Advogados, “isto pode representar um aumento gigantesco de tributação”. “Este ponto levanta muitas questões. A proposta não é essencialmente clara. Temos só uns pozinhos”, acrescenta, afirmando mesmo ter “muitas dúvidas de que seja constitucional, dado que há uma violação do princípio da segurança jurídica”.

Imóvel é vendido três anos depois de ter saído do alojamento local

Só no caso de o imóvel ser vendido três ou mais anos depois de ter saído do alojamento local é que as mais-valias são calculadas normalmente, ou seja, ao abrigo das regras da Categoria G (50% do ganho). Resumindo, se o proprietário não quiser sair penalizado, tem de esperar três anos para vender o imóvel depois de o ter retirado do alojamento local.

ALEP pede cautela aos proprietários. Aconselha “que não se precipitem”

Face a estas propostas do Governo para o próximo ano, a ALEP mostra-se “satisfeita” pelo facto de o Executivo estar disposto a acabar com a tributação de mais-valias na hora de passar o imóvel do alojamento local para a esfera privada. “Aquilo que se está a propor ao passar a exigir o pagamento da mais-valia apenas quando há uma venda efetiva do imóvel é corrigir uma lei que era injusta”, diz Eduardo Miranda, ao ECO.

Contudo, o responsável pede cautela aos profissionais do setor. “A ALEP fica satisfeita por se ter avançado no obstáculo principal — a correção de um imposto fictício –, mas aconselha [aos proprietários] a não se precipitarem e a aguardarem a aprovação do texto final”. Só nessa altura, aconselha Eduardo Miranda, “é que cada um deve fazer uma análise cuidadosa e tomar as decisões tendo também em conta os impactos financeiros que as contrapartidas, se permanecerem na proposta, possam vir a ter”.

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