Do alojamento local para o mercado do arrendamento habitacional: uma tendência forçada

  • Victor Meira Cruz
  • 28 Setembro 2020

A solução para muitos proprietários passa agora por tentar migrar da oferta do alojamento local para o mercado do arrendamento habitacional.

O negócio do alojamento local, vocacionado para o turismo, apresenta fortes sinais de contração. Em Lisboa e no Porto cerca de três mil imóveis saíram até ao momento deste mercado devido à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. Considerando a quebra da procura e o contexto de incerteza sobre o controlo da pandemia, a solução para muitos proprietários passa agora por tentar migrar da oferta do alojamento local para o mercado do arrendamento habitacional. Com esta alternativa procuram garantir uma maior segurança nos rendimentos apesar da menor rentabilidade.

Da última Lei do Orçamento de Estado resultou aliás um conjunto de alterações que visavam incentivar esta transferência do alojamento local para o mercado do arrendamento designadamente para o segmento do arrendamento acessível. A título de exemplo, foram eliminadas as mais-valias devidas em resultado da desafetação do imóvel do alojamento local desde que se verifiquem algumas condições. Assim, não é considerada mais-valia a transferência para o património particular do imóvel habitacional que seja imediatamente afeto à obtenção de rendimentos de categoria F (rendimentos prediais) pelo período de cinco anos consecutivos. Esta afetação deverá, por conseguinte, ser imediata não podendo existir um período transitório, o que implica existir um arrendatário disponível para a celebração do contrato de arrendamento. Na prática, os proprietários devem manter o imóvel afeto aos rendimentos prediais (que aplica uma taxa especial de 28% sobre os rendimentos) pelo período de cinco anos se não pretenderem ser tributados em sede de mais-valias.

A contrário, se o imóvel for retirado do alojamento local e regressar ao uso pessoal do seu proprietário, haverá lugar a apuramento de eventual mais-valia, considerando a diferença entre o valor do imóvel no momento da desafetação de alojamento local e o valor de mercado à data de colocação do imóvel nesta atividade. Este cálculo irá permitir averiguar se o imóvel sofreu alguma valorização durante este período, por forma a que, em caso afirmativo, esse incremento patrimonial seja taxado em sede de mais-valias.

Sucede que este enquadramento do regime das mais-valias contribui para que muitos proprietários de unidades de alojamento local acabem por desistir da transição para o arrendamento habitacional, denunciando o facto de serem tributados em sede de mais-valias sem nunca ter vendido o imóvel. Em rigor, ficam sujeitos à tributação de mais-valias, os casos de reafetação do imóvel para uso pessoal, mas também as situações de arrendamento por um período inferior a cinco anos. Neste particular, podemos interrogar-nos sobre a razoabilidade da tributação de mais-valias pela cessação da atividade de alojamento local quando o proprietário pretende afetar o imóvel ao seu uso estritamente pessoal. Paradoxalmente se o proprietário mantiver a atividade de alojamento local ou optar por um arrendamento de longa duração (cinco anos consecutivos) já não estará sujeito ao pagamento de mais-valias. A experiência diz-nos que existe o risco real do proprietário do imóvel ter de suportar um valor a título de tributação de mais-valias superior aos ganhos reais auferidos com a exploração das unidades de alojamento local nos anos anteriores, o que acaba por ter um efeito contraproducente constituindo um entrave à colocação do imóvel no mercado do arrendamento. Importa ter presente que muitos destes proprietários contribuíram decisivamente para a reabilitação dos centros urbanos com os encargos inerentes, estando confrontados com um regime tributário que pode comprometer o investimento realizado.

É caso para dizer que nesta matéria, alguma razoabilidade precisa-se…

  • Victor Meira Cruz
  • Advogado responsável do departamento Jurídico da IAD Portugal

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