Foram quase 86 mil as entidades que obtiveram benefícios fiscais em 2023, mas 20 grupos empresariais, maioritariamente do setor automóvel, ficaram com 16,5% dos 3,1 mil milhões desta benesse fiscal.
Os benefícios fiscais concedidos às empresas pelo Estado têm sido alvo de crescente escrutínio nos últimos anos, não só pelo seu impacto nas contas públicas, mas também pelo seu papel na atração de investimento e promoção do desenvolvimento económico.
Os mais recentes dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) revelam, por exemplo, que, no ano passado, no quadro de beneficiários fiscais do Estado contaram-se 85.815 entidades que obtiveram 3.139 milhões de euros, mais 9% face aos 2.880 milhões de euros contabilizados em 2022.
No entanto, de acordo com uma análise do ECO, somente 20 grupos empresariais foram responsáveis por 16,5% do total de benefícios fiscais. Significa que, em 2023, por cada 1.000 euros de benefícios concedidos pelo Estado, cerca de 165 euros foram obtidos por duas dezenas de empresas. Este retrato revela uma concentração significativa dos benefícios fiscais num número reduzido de entidades, levantando questões sobre a equidade e eficácia destes instrumentos.
Entre este grupo destaca-se particularmente o setor automóvel, que domina o top 20 com 11 entidades, contabilizando benefícios fiscais superiores a 309 milhões de euros – cerca de 60% da totalidade de benesses fiscais do grupo de elite de 20 grupos empresariais.
Os benefícios concedidos em sede de IRC, IMT, IVA, Imposto de Selo, IUC, IMI, ISV e nos vários impostos especiais sobre o consumo aumentaram 29% nos últimos cinco anos, passando de 2.430 milhões de euros em 2018 para 3.139 milhões de euros em 2023.
A Stellantis, liderada mundialmente por Carlos Tavares, surge como a maior beneficiária, tendo contabilizado em 2023 benefícios fiscais de 94 milhões de euros, gerados através das suas subsidiárias Stellantis Portugal e da FCA Portugal (conhecida como Fiat Group Automobiles Portugal). Este valor é superior aos benefícios fiscais angariados pelo grupo EDP e pelo grupo Renault Portugal somados, que ocupam a segunda e terceira posições no ranking, respetivamente.
A grande maioria dos benefícios fiscais obtidos pela Stellantis e pelas outras construtoras automóveis advém do Imposto Sobre Veículos (ISV), refletindo as vantagens fiscais concedidas na comercialização de automóveis híbridos, plug-in e elétricos (estes últimos beneficiam de uma isenção total de ISV). No caso da Stellantis, por exemplo, 97% dos benefícios fiscais alcançados em 2023 foram gerados em sede de ISV, enquanto no caso do grupo Renault Portugal e Mercedes essa percentagem sobe para 99%, segundo dados da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Além do setor automóvel, o setor energético também se destaca no top 20 dos maiores beneficiários fiscais em 2023, com três empresas: grupo EDP, Galp Energia e REN. Estas entidades e respetivas subsidiárias (conforme o perímetro de consolidação indicado nos respetivos relatórios e contas das empresas de 2023) angariaram em 2023 mais de 87 milhões de euros em benefícios fiscais, sendo que 57% deste montante foi gerado em sede de IRC.
Também merecem destaque as companhias aéreas estrangeiras, como a Emirates e a Lufthansa, que fecharam 2023 com benefícios fiscais de 15,8 milhões e 15,6 milhões de euros respetivamente, praticamente tudo gerado em sede de IRC.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
Beneficiários fiscais para lá do setor privado
Ao longo dos últimos cinco anos que a fatura concedida pelo Estado em matéria de benefícios fiscais tem crescido de forma constante nas contas púbicas. De acordo com dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, os benefícios concedidos em sede de IRC, IMT, IVA, Imposto de Selo, IUC, IMI, ISV e nos vários impostos especiais sobre o consumo aumentaram 29% no último quinquénio, passando de 2.430 milhões de euros em 2018 para 3.139 milhões de euros em 2023.
Este crescimento foi particularmente acentuado em alguns impostos. O IRC, por exemplo, viu o montante de benefícios fiscais duplicar no espaço de cinco anos, passando de 910 milhões de euros em 2018 para mais de 1.800 milhões de euros em 2023, graças a um crescimento médio anual de 14,6%. Neste período, o IRC passou de um peso de 37,5% do total de benefícios fiscais para 57,4% atualmente.
O Imposto de Selo também registou um crescimento exponencial, passando de 14,9 milhões de euros em 2018 (0,6% do total) para quase 290 milhões de euros em 2023 (9,2% do total), tornando-se o terceiro imposto com mais benefícios fiscais concedidos, apenas atrás do IRC e do ISV.
Além do tecido empresarial, também o próprio Estado e várias entidades públicas são beneficiários fiscais. O Estado Maior da Força Aérea, por exemplo, contabilizou 37,6 milhões de euros em benefícios fiscais em 2023, mais 54% face aos 24 milhões de euros obtidos em 2022, com a quase totalidade (99,9%) a ser gerado em sede de IVA.
Os 308 municípios portugueses também acumularam benefícios fiscais significativos, totalizando mais de 34 milhões de euros em 2023. Deste montante, 60% foi gerado via IMT, 29% via Imposto de Selo e 6,3% em sede de IUC. O município mais beneficiado foi Vila Real de Santo António, com uma benesse fiscal de 5,6 milhões de euros (88% gerado em sede de IMT), seguido por Cascais e Mafra, com 3,2 milhões e 2,3 milhões de euros, respetivamente.
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Igualmente beneficiados em sede fiscal encontram-se as fundações. De acordo com dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, foram 260 as fundações que obtiveram 27.613 milhões de euros de benefícios fiscais em 2023, sendo que 80% deste montante foi gerado via IRC.
Entre as fundações mais beneficiadas destaca-se a Fundação JMJ – Lisboa 2023, presidida por D. Américo Aguiar e responsável pela organização das Jornadas Mundiais da Juventude no ano passado, que recebeu 6,6 milhões de euros em benefícios fiscais (inteiramente provenientes do IRC) e ainda a Fundação Santa Maria, responsável pela gestão do Hospital de Santa Maria no Porto, que obteve 5,2 milhões de euros em benefícios fiscais.
Os benefícios fiscais são instrumentos de política económica e social utilizados pelo Estado para incentivar comportamentos específicos ou setores considerados estratégicos para o desenvolvimento do país. No caso das empresas, estes benefícios podem servir para atrair investimento, promover a inovação, fomentar a criação de emprego ou estimular setores específicos da economia.
No entanto, a concentração de benefícios fiscais num número reduzido de grandes empresas e setores levanta questões sobre a eficácia e equidade destes instrumentos. Por um lado, podem ser fundamentais para manter a competitividade de setores estratégicos, como o automóvel, num contexto de concorrência internacional. Por outro, podem criar distorções no mercado e penalizar empresas menores que não têm acesso ou maior dificuldade a aceder a estes benefícios.
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Estado concede 518 milhões de euros em benefícios fiscais a apenas 20 empresas
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