A floresta ocupa mais de um terço do território nacional e a sua gestão continua a ser deficiente. Mas há bons exemplos a serem praticados de norte a sul do país e que podem ser replicados.
A floresta portuguesa é um património valioso, mas ainda altamente subaproveitado. O seu enorme potencial é visível pela sua dimensão, com a floresta a ocupar mais de um terço do território nacional, o quadruplo do que se verificava no século XIX.
Mas a riqueza da floresta nacional não se fica pela sua dimensão geográfica, como é revelada pelo último inventário feito pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), nem pela diversidade dos ecossistemas que vivem e multiplicam-se nas florestas.
No relatório “ECOFOR.PT – Valorização Económica dos Bens e Serviços dos Ecossistemas Florestais de Portugal”, cinco investigadores da Universidade Católica, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e da Forestis – Associação Florestal de Portugal estimam que o valor económico da floresta portuguesa rondava os 2,24 mil milhões de euros em 2019 a preços de 2016 — que hoje se traduzem em mais de 2,6 mil milhões de euros, segundo cálculos do ECO.
Este valor inclui não só a madeira e outros produtos florestais, mas sobretudo ativos não mercantis como o sequestro de carbono, a proteção dos solos, os recursos hídricos e as atividades de lazer e recreio que, segundo cálculos dos investigadores, representam metade do valor patrimonial da floresta nacional.
Esta realidade sublinha a necessidade de criar mecanismos que permitam remunerar os proprietários dos terrenos que produzem estes serviços ambientais, que se revelam essenciais para todo o ecossistema. Só assim será possível incentivar uma gestão florestal sustentável e prevenir os incêndios que todos os anos destroem parte significativa deste património. E é aqui que reside grande parte do problema da gestão (ou falta dela) da floresta.
“Temos um problema de economia sério na gestão florestal do nosso país”, destaca Henrique Pereira dos Santos, arquiteto paisagista, numa entrevista recente na SIC, notando que “grande parte da zona área florestal, florestada ou não, não tem competitividade económica: mesmo os 800 mil hectares de eucalipto, cerca de metade é sucata florestal. Não tem interesse nenhum.”
O investimento numa gestão florestal sustentável emerge assim como uma solução económica vital para enfrentar o crescente desafio dos incêndios florestais em Portugal, que só nos últimos dois dias consumiu seis vezes mais área do que entre 1 de janeiro e 31 de agosto.
O flagelo dos incêndios na destruição da floresta
O abandono das práticas tradicionais de gestão florestal, como a pastorícia e a estrumação das terras ao longo dos anos, criou um cenário propício para incêndios de grande escala que só tende a agravar-se no futuro, se nada for feito.
Este abandono não é apenas um problema ambiental, mas também económico, exigindo uma intervenção estratégica, destacam vários especialistas na matéria. “Temos de reconhecer que enfrentamos um desafio económico relacionado com a gestão florestal e para isso temos de controlar o fogo gerindo os combustíveis finos [mato] nos outros 300 dias do ano em que não há risco elevado de incêndio pagando às pessoas”, refere Henrique Pereira dos Santos.
Para isso, o especialista sugere, por exemplo, pagar um montante aos proprietários para estes manterem os seus terrenos limpos com a vegetação abaixo dos 50 centímetros. “O objetivo é reduzir o material combustível, independentemente do uso que os proprietários dão ao terreno”, diz.
O essencial desta medida é que seja capaz de prevenir os incêndios florestais, mantendo o mato controlado. Se do ponto de vista social e até humano parece evidente a necessidade de isso ser feito, do ponto de vista económico também o é.
Não temos uma gestão da floresta na maior parte do território.
O estudo da ECOFOR alerta, por exemplo, para o impacto devastador dos grandes incêndios no valor patrimonial da floresta. Em 2017, um ano marcado por fogos de dimensão histórica, o valor económico total do ecossistema nacional baixou para -77,8 milhões de euros, de acordo com cálculos dos investigadores.
Este exercício demonstra bem que “não temos uma gestão da floresta na maior parte do território”, alerta Lívia Madureira, professora da UTAD e uma das autoras do estudo da ECOFOR. Mas também traduz a urgência de se investir na prevenção e gestão florestal.
Mecanismos de valorização florestal
Uma das formas a que se recorreu para promover uma mais eficaz gestão florestal em Portugal foi através da constituição, em 2004, do Fundo Florestal Permanente, que funciona junto do ICNF e cuja principal fonte de receita advém de parte do recolhido pelo Estado através do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP).
Entre as várias tarefas sob a responsabilidade deste fundo está o apoio financeiro do ordenamento e da gestão florestal, a prevenção de incêndios e respetivas infraestruturas, a reestruturação fundiária, o emparcelamento e a aquisição de terra.
No entanto, segundo os últimos números conhecidos (referentes a 2021), o Fundo Florestal Permanente contava com apenas 43 milhões de euros — dos quais, 64% advinham do ISP –, que se revelam insuficientes face ao quadro geral da floresta nacional.
“Comparem-se os 1,062 mil milhões de euros do valor da produção de bens e serviços não mercantis produzidos pelos espaços florestais com os cerca de 25 milhões de euros do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos consignados para o Fundo Florestal Permanente que poderia se um instrumento importante de internalização daquele valor em benefício dos produtores florestais. A distância é enormíssima”, destaca Lívia Madureira e os seus colegas no relatório do Ecofor.
A resolução dos problemas da floresta é muitas vezes reduzida a uma questão de ordenamento territorial. No entanto, essa abordagem tem tido poucos resultados, desde logo porque “nestas discussões a questão socioeconómica é desvalorizada”, salienta Lívia Madureira, lembrando que “o ordenamento é feito quando a floresta é pública e em Portugal a floresta é privada.”
Para a professora da UTAD, a resposta para uma gestão florestal sustentável e eficiente passa “obrigatoriamente pelos agentes privados, que mesmo que não façam muitas contas, tomam as posições com base nos custos e nos riscos e chegam a um paradoxo de que é caro ter floresta.” Mas não tem de ser assim.
Seguir os bons exemplos que já se fazem em Portugal
A gestão florestal sustentável tem-se tornado num tema cada vez mais relevante no cenário económico e ambiental português. Com a crescente preocupação sobre as mudanças climáticas e a necessidade de preservar os recursos naturais, o setor florestal enfrenta o desafio de equilibrar a produtividade económica com a conservação ambiental.
E apesar da fotografia geral dar uma imagem pouco animadora, a verdade é que Portugal tem sido palco de iniciativas inovadoras que demonstram como essa harmonia pode ser alcançada.
Em 2018, a Navigator estabeleceu uma parceria por cinco anos com a Câmara de Torres Vedras para a gestão de 150 hectares de paisagem protegida local das serras do Socorro e da Archeira, promovendo áreas de recreio e lazer, mas também através de práticas que promovem a sustentabilidade e a rentabilidade económica desta área.
“Temos pequenos proprietários que fazem a sua atividade deste espaço”, fazendo com que “a sua economia familiar também é baseada neste espaço”, refere Laura Rodrigues, presidente da Câmara de Torres Vedras.
A combinação de inovação, a colaboração entre proprietários e indústria, e um foco na sustentabilidade a longo prazo pode ser o caminho para uma gestão florestal mais eficiente e ambientalmente responsável em Portugal.
As Áreas Florestais Agrupadas (AFA), promovidas pela Associação Florestal do Baixo Vouga desde 2018 sob um plano de gestão florestal e um plano de investimento comuns a áreas florestais superiores a 10 hectares, são outro bom exemplo de uma gestão florestal sustentável e eficaz promovida em Portugal.
O sucesso deste projeto levou inclusive à sua expansão com a criação em 2022 dos Núcleos de Gestão Florestal, que abrangem áreas mais extensas (400 hectares ou mais) e fornecem apoio à gestão individual das propriedades dos aderentes. Esta iniciativa tem-se mostrado eficaz na promoção da sustentabilidade do setor, permitindo ganhos de escala, redução de riscos e custos, e aumento da produtividade.
Na região do Algarve há também um projeto inovador que visa recriar cinturões de sobreiros nativos e resistentes ao fogo entre plantações comerciais mais inflamáveis de eucalipto e pinheiro. Esta iniciativa, reconhecida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) como um exemplo de conservação, demonstra como a restauração florestal pode contribuir para a mitigação de incêndios e para a preservação da biodiversidade.
Estes três projetos exemplificam abordagens diversas e complementares para uma gestão florestal mais eficaz e sustentável em Portugal. Estas iniciativas oferecem lições valiosas para o futuro da floresta portuguesa. O seu sucesso sugere que a combinação de inovação, a colaboração entre proprietários e indústria, e um foco na sustentabilidade a longo prazo pode ser o caminho para uma gestão florestal mais eficiente e ambientalmente responsável em Portugal.
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Floresta nacional é um tesouro de 2,6 mil milhões ameaçado pela falta de gestão
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