É a primeira mulher chef Estrela Michelin em Portugal em 30 anos. Marlene Vieira, a empreendedora que subiu a pulso na vida, surpreende com uma explosão de sabores que desperta os sentidos.
- Retratos é uma rubrica do ECO que, durante Agosto, traz diariamente o perfil de uma figura que se tenha destacado no último ano
Em miúda queria ser professora, mas foi entre tachos e panelas que Marlene Vieira desbravou caminho, umas vezes mais doce, outras com um trago mais amargo, temperado com garra e talento, até se tornar a mestre de alta gastronomia que é agora. É a primeira mulher a conquistar uma Estrela Michelin em Portugal em três décadas. Pelo percurso ainda serviu sardinhas assadas à cantora Norah Jones e à atriz Meryl Streep num restaurante nos Estados Unidos e, já por cá, deu a provar uma experiência sensorial ao Presidente francês, Emmanuel Macron.
Aplaudida de pé, em fevereiro deste ano na Gala do Guia Michelin 2025, Marlene Vieira, cujo prato preferido é o arroz de cabidela, levou para casa mais uma Estrela Michelin – o marido chef João Sá, seu parceiro nos negócios, também tem uma a cintilar no restaurante Sála (Lisboa).
Mulher do Norte, natural de Moreira da Maia, Marlene Vieira já fez de tudo num restaurante, desde limpar casas de banho até lavar a louça. Aos 45 anos já não mete a mão na massa; em vez disso, cria experiências sensoriais; e já nem ao mercado vai comprar peixe e legumes, “aquela [versão] romântica da vida de um chef” quase tirada da película de um filme. “Temos fornecedores que nos trazem produtos específicos, que normalmente não há à venda nos mercados.”
Mas é com alguma nostalgia que recorda a “ida aos mercados de rua” quando, no início da carreira, trabalhou no restaurante Alfama, em Manhattan, Nova Iorque. Mas já lá vamos. Para perceber melhor a história de vida de Marlene é preciso recuar no tempo. A primeira experiência no mundo da cozinha foi aos 12 anos no restaurante Costa Brava, durante as férias de Verão, onde já costumava ir com o pai entregar carne.
Foi aqui que despertou para a gastronomia e sabores. “Comecei a ter muita curiosidade pelo mundo da cozinha e, aos 16 anos, fui estudar para a Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira”, conta ao ECO. Admite que não teve vida fácil por lá, porque “o curso profissional de cozinha e pastelaria era muito exigente física e psicologicamente; um ensino estilo serviço militar”. Ainda assim, “foi um marco” na carreira de Marlene que, aos 18 anos, terminou a formação com distinção.
“Fui uma das melhores alunas e ganhei um estágio na Escola de Hotelaria do Porto como monitora estagiária”, relata, emocionada com o percurso que desenhou a pulso até se tornar a mulher empreendedora e de negócios que é hoje, e saltar para a ribalta pelas melhores razões.
Depressa percebeu que o que queria mesmo era meter as mãos na massa e criar receitas da sua autoria, “dominar a técnica na cozinha, fazer as coisas perfeitas” com assinatura de autor e criativa nos menus especiais de degustação. Nos dias de hoje, Marlene tenta “criar uma fusão de sabores portugueses com técnicas do mundo”, com um cunho pessoal misturado com a bagagem que foi acumulando ao longo dos anos pelos restaurantes, muitos deles em hotéis de cinco estrelas, por onde passou.
Foi em Nova Iorque que tive uma visão diferente da cozinha portuguesa tradicional e empratada de uma forma mais requintada.
Os dedos das duas mãos não chegam para contar as cozinhas onde Marlene Vieira já deixou marca até se tornar a reputada chef que é agora. Aos 20 anos trabalhou no restaurante de luxo no Forte de São João Baptista, em Vila do Conde, com o chef Jerónimo Ferreira, e não muito tempo depois concretizou “o sonho de infância: conhecer Nova Iorque”. Não como turista, mas como cozinheira e responsável de pastelaria no restaurante Alfama, em Manhattan, que “estava a recrutar cozinheiros portugueses”.
Foi preciso ir para fora para conhecer melhor a gastronomia lusitana. “Foi em Nova Iorque que tive uma visão diferente da cozinha portuguesa tradicional e empratada de uma forma mais requintada”, recorda a chef, que serviu sardinhas assadas na brasa a vedetas como a cantora Norah Jones e a atriz Meryl Streep.

A experiência em Nova Iorque valeu-lhe depois o regresso em grande a Portugal, mal imaginava na altura que iria abrilhantar como jurada no programa da RTP Masterchef, aventurar-se pela literatura gastronómica com três livros e vingar de tal forma até alcançar o estrelato Michelin num mundo dominado por homens. Chegada ao país, Marlene aterrou no restaurante do Hotel Sheraton no Porto, mas foi num restaurante fine dining, num resort de luxo em Torres Vedras que foi chef pela primeira vez.
Começou a recriar pratos portugueses com novas texturas e foi traçando o seu caminho até chegar a Lisboa, onde atualmente gere uma empresa com o marido com cinco restaurantes, três delas sob a sua alçada: Marlene Vieira Food Corner (no Time Out Market, no Mercado da Ribeira), Zumzum Gastrobar (junto ao Terminal Internacional de Cruzeiros) que abriu em 2000, sob o sobressalto da pandemia da Covid-19, e dois anos depois o Marlene que este ano conquistou uma estrela Michelin.
“Todos os três restaurantes têm como base a cozinha portuguesa, sendo o Marlene uma cozinha de autor onde os pratos são de autor, exclusivos, como se fossem uma pintura”, descreve a chef que já criou mais de 300 pratos, admitindo que nunca foi pera doce vingar na restauração, um mundo onde teve de dar provas para entrar. “Era cada um por si, não havia esta união de hoje entre os chefs”, conta, lembrando o tempo em que concorreu a anúncios de emprego: “Tinha de fazer provas, desde apresentar menus até fazer um jantar”. Foi assim que lhe abriram a porta da cozinha do então restaurante de luxo Avenue, na Avenida da Liberdade, onde numa primeira fase cozinhava petiscos portugueses com alguma sofisticação.
“Foi o Avenue que me deu a conhecer ao país.” Começava aqui uma nova fase da sua vida num restaurante de fine dining com uma cozinha de base portuguesa mas requintada, onde pratos como o carabineiro com brulé de amêndoa ganharam fama e lançaram Marlene para a ribalta.
Mas afinal quem é Marlene Vieira chef? “É uma pessoa exigente com objetivos que valoriza o esforço e, acima de tudo, uma pessoa justa e amiga”, responde a empresária que, desde cedo, teve olho para o negócio e soube arriscar juntamente com o marido no mundo da restauração. Alcançou um patamar de exigência pessoal que serve de inspiração para muitas outras mulheres não desistirem dos seus sonhos.
Consciente de que fez história na gastronomia nacional, Marlene não é mulher de cruzar os braços. Agora, é continuar a calcorrear caminho na criação de mais pratos e surpreender com uma explosão de sabores.
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Marlene Vieira, a primeira mulher chef Estrela Michelin em Portugal em 30 anos
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