O “vaivém” do carbono está lançado mas ainda é tímido

A descarbonização deverá também passar pela recolha do carbono que seja libertado na atmosfera. Tem existido um forte impulso para estas tecnologias, mas ainda muito insuficiente para as necessidades.

A captura de carbono, para ser utilizado ou armazenado, faz parte do “mapa” para a descarbonização do setor energético que foi desenhado pela Agência Internacional de Energia. Todos os anos, esta agência faz a avaliação dos esforços para redução de emissões em várias áreas do setor, e no caso da captura e utilização de carbono “são necessários mais esforços”, aponta. Já o transporte e armazenamento de carbono está realmente desencontrado do caminho para a neutralidade carbónica, que se almeja alcançar em 2050, assinala.

Os cientistas veem a remoção de carbono como uma forma, por um lado, de reduzir as emissões históricas que se foram acumulando na atmosfera; por outro lado, pode ser a solução para atividades que não consigam eletrificar-se ou recorrer a outras energias renováveis para funcionarem. Existem duas correntes principais na remoção de carbono, segundo a Bloomberg: a primeira opção implica recolher o dióxido de carbono ao mesmo tempo que este é emitido por uma fonte de poluição, enquanto a segunda suga o carbono quando este já foi libertado na atmosfera.

EPA/GEORGI LICOVSKI

Os autores de um estudo que junta a Universidade de Oxford e o Instituto Alemão dos Negócios Estrangeiros e Segurança, citado pela Bloomberg, estão convictos de que as tecnologias de captura, ou seja, as tecnologias que complementam os métodos de captura naturais – como florestas – são “cruciais” para se alcançarem os objetivos climáticos, e é preciso implementá-las “muito rapidamente”.

Mesmo com o número de projetos de captura no terreno a atingirem um nível recorde em 2022, estes só deverão mitigar menos de 1% das emissões anuais de CO2, indica o mesmo estudo, que estima também que a remoção de emissões poluentes da atmosfera, para alcançar a neutralidade carbónica, deverá ser multiplicada pelo menos por 30 até 2030 e por 1300 até 2050.

Em oposição, os mais críticos defendem que estas tecnologias servem como distração para a verdadeira ação climática, servindo sobretudo para estender a vida do negócio dos combustíveis fósseis.

De acordo com a AIE, os benefícios climáticos associados a determinado uso de CO2 dependem da fonte desse carbono, da intensidade carbónica da energia usada nos processos e de quanto tempo o CO2 se mantém retido no produto a que dá origem. Combustíveis e químicos retêm o CO2 entre 1 a 10 anos, respetivamente.

A captura de carbono pode ter como objetivo a utilização deste elemento em processos industriais, tanto na sua forma original como transformado noutros produtos. Hoje, são usadas 230 toneladas métricas por ano, sobretudo na indústria dos fertilizantes. Uma utilização que está a captar cada vez mais interesse é a produção de combustíveis sintéticos.

Contudo, no cenário de neutralidade carbónica em 2050 projetado pela AIE, mais de 95% do CO2 capturado até 2030 deverá ser armazenado, sobrando apenas 5% para ser utilizado.

Em Portugal, o CEO da Dourogás, Nuno Moreira, explica ao Capital Verde que uma unidade de produção de metanol verde, em Mangualde, vai ter como “matéria-prima” o CO2 capturado na chaminé da central de biomassa da Sonae.

Hoje em dia, as tecnologias de captura e armazenamento são responsáveis pela recolha anual de 45 toneladas métricas de dióxido de carbono, indica a AIE, e cerca de 10 toneladas métricas são armazenadas em nove localizações com escala comercial. No entanto, desde janeiro de 2022 que o total da capacidade de armazenamento planeada mais do que duplicou. A capacidade de armazenamento, em 2030, pode atingir as 345 toneladas métricas anuais se os projetos atuais se concretizarem.

As infraestruturas de transporte e de armazenamento terão de estar prontas antes ou, pelo menos, ao mesmo tempo que os projetos de captura de CO2, ou o risco de projetos de captura serem cancelados “aumenta substancialmente”, alerta a AIE.

Estados Unidos na linha da frente

A grande fatia da capacidade de captura – 65% – está concentrada nos Estados Unidos e no Canadá, estima a AIE. Recentemente, o Inflation Reduction Act, lançado pela administração de Joe Biden, veio reforçar os incentivos fiscais de tal forma que a tecnologia poderá “estar finalmente pronta para descolar”, escreve a Bloomberg. Os Estados Unidos avançaram com créditos fiscais de 60 dólares por tonelada de CO2 usada.

Além disso, no início de agosto, o Departamento de Energia do governo anunciou que vai atribuir 1,2 mil milhões de dólares a dois projetos de remoção de carbono, o “maior investimento na remoção de carbono por engenharia” de sempre, indicou o organismo governamental, citado pela Associated Press.

Os dois projetos, um no estado do Texas e outro no Louisiana, prometem capturar um milhão de toneladas métricas por ano até 2030. Por detrás do projeto texano está uma subsidiária da Occidental Petroleum Corp, enquanto no Louisiana se juntaram as startups Climeworks e Heirloom Carbon Technologies e o Batelle Memorial Institute, uma organização sem fins lucrativos fundada por um empresário da indústria do aço, Gordon Batelle.

Atualmente, os custos de construção dos equipamentos de captura de carbono e as grandes quantidades de energia que estes necessitam para operar são dois grandes desafios. A administração de Joe Biden pretende ultrapassá-los criando hubs de desenvolvimento desta tecnologia, onde as empresas possam trabalhar em conjunto.

O banco norte-americano JP Morgan Chasecomprometeu-se a investir 200 milhões de dólares em várias tecnologias de remoção de carbono.

Na União Europeia, em julho de 2023, 41 projetos foram selecionados para serem financiados pelo Fundo de Inovação. Os de captura de carbono espalham-se pela Grécia, França, Países Baixos e Alemanha, com o objetivo de usar o carbono capturado na produção de cimento ou hidrogénio e metanol.

No passado mês de maio, o banco norte-americano JP Morgan Chase também deu que falar, depois de se ter comprometido a investir 200 milhões de dólares em várias tecnologias de remoção de carbono, um dos mais elevados investimentos de que há registo no mundo corporativo. O responsável da instituição que está por detrás desta decisão, o diretor de sustentabilidade do banco Brian DiMarino, explicou em declarações à Bloomberg que acredita que a remoção de carbono é “uma parte importante do puzzle” e que portanto este investimento devia “ser uma oportunidade para todos”.

Portugal também terá captura

Os projetos seguem a despontar um pouco por todo o mundo. Em Portugal, o CEO da Dourogás, Nuno Moreira, explica ao Capital Verde que uma unidade de produção de metanol verde, em Mangualde, vai ter como “matéria-prima” o CO2 capturado na chaminé da central de biomassa da Sonae.

No Reino Unido, no setor da geração de energia, estão a decorrer, numa central da Drax Power, dois projetos piloto de captura de carbono e respetivo armazenamento, com o objetivo de, em 2027, ser possível a captura a uma escala comercial, tornando este complexo energético no primeiro, a nível mundial, com emissões de carbono negativas.

Em 2023, registou-se outro progresso assinalável: transportou-se, pela primeira vez, carbono em navio, desde a Bélgica até um local de armazenamento na Dinamarca.

Na também inglesa Durham, está a ser testado um circuito circular que utiliza – e reutiliza – o CO2 para gerar energia. A fatia que não é usada para a produção de energia, acaba purificada e pronta para ser vendida à indústria, o que reduz os custos de captura, explica a AIE.

O transporte é outra história. Se não for usado onde é capturado, o CO2 é comprimido e transportado por gasoduto, navio, comboio ou camião. Pode depois ser usado ou armazenado. Antigas reservas de gás e petróleo são alguns dos “cofres” possíveis. Em 2023, registou-se outro progresso assinalável: transportou-se, pela primeira vez, carbono em navio, desde a Bélgica até um local de armazenamento na Dinamarca.

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