Ambientalistas e entidades ligadas ao oceano apontam que a Declaração de Lisboa carece de medidas concretas e objetivos claros. Há quem critique, mas também quem considere, ainda assim, um sucesso.
A degradação dos oceanos e a urgência em assumir medidas que promovam a conservação deste recurso marítimo foi o que levou a 193 representantes dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas a reunirem-se esta semana, em Lisboa. A Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC) que acontece sob o mote “Salvar o Oceano, Proteger o Futuro”, serviu de palco para abrir o debate e reforçar os apelos de mais ação e esta sexta-feira, 1 de julho, é esperada que a Declaração de Lisboa seja aprovada. Ainda que, assinalam as associações ambientalistas e especialistas do setor, o tratado não apresente metas concretas e objetivas.
Olhando para o documento de seis páginas, é possível perceber as linhas gerais das ambições que promove. “Estamos determinados a atuar decisivamente e urgentemente para melhorar a saúde, produtividade, uso sustentável e resiliência do oceano e dos seus ecossistemas”, lê-se no texto, onde os líderes renovam o compromisso de cooperar a vários níveis – do global ao regional – “para atingir todos os objetivos tão rapidamente quanto possível e sem atrasos indevidos”. Há ainda a declaração de apoio a acordos vinculativos como é o caso do Acordo de Paris e de outro, por concluir, acerca da poluição nos oceanos.
Contudo, não inclui metas quantificadas, nem prazos específicos para os Estados-membros cumprirem. Um aspeto que levanta algumas questões, uma vez que a UNOC acontece apenas pela segunda vez depois de ter sido forçada a um adiamento por dois anos por causa da pandemia. “A ausência de caráter vinculativo da Declaração de Lisboa poderá pôr em causa a sua eficácia em grande medida”, explica a associação ambientalista Zero ao ECO/Capital Verde, uma posição também partilhada pela Quercus, que considera o tratado “muito vago, sem medidas e objetivos concretos e bem estruturados”. Ao ECO/Capital Verde, a organização sem fins lucrativos considera ainda que devia haver “um maior compromisso, com prazos estipulados e estratégias bem delineadas, senão é apenas mais um documento, e o que precisamos é que Portugal e os outros países se comprometam de forma ativa com medidas para a proteção do oceano”.
“Estamos profundamente alarmados pela emergência global em relação ao oceano. Os níveis do mar estão a subir, a erosão costeira a piorar e o oceano está mais quente e mais acídico. Embora tenham sido feitos progressos no sentido de alcançar algumas metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14), a ação não está a avançar à velocidade ou escala necessária para atingir os objetivos”.
No entanto, para Álvaro Sardinha, fundador e CEO do Centro de Competência Economia Azul, é importante frisar que a conferência é um “evento claramente político e um instrumento de diplomacia” e que, por isso, o documento é, também ele, político. “É assim normal o seu conteúdo resumido, identificando os problemas atuais que ameaçam diretamente a saúde do oceano e a sua biodiversidade, e as consequências indiretas para o planeta, tendo em conta que o oceano e o clima estão associados”, explica ao ECO/Capital Verde. “Este tipo de convenção não tem uma natureza vinculativa nem integra uma conferência das partes baseada num acordo internacional” tal como Acordo de Paris, assinado em 2015, ou a Declaração de Glasgow, assinada em 2021 durante e COP26, frisa, por sua vez, administrador e coordenador científico da fundação da Fundação Oceano Azul, Emanuel Gonçalves.
O secretário-geral do Fórum Oceano, Ruben Eiras, relembra que estes documentos requerem negociações multilaterais que “são sempre processos muito complexos”. “É muito fácil criticar e dizer que este tipo de processos é ineficaz, uma mão cheia de nada, etc. Temos de ter em conta que estamos a tratar de um processo de negociação diplomática que impacta a soberania dos países. Se na União Europeia estamos «habituados» ao conceito de soberania partilhada, isso é algo muito distante para muitas regiões e países do mundo. Portanto, já existir um acordo dos princípios-base poderá considerar-se um sucesso assinalável. Roma não se fez num dia, a governação dos oceanos também não“, aponta Ruben Eiras.
As negociações multilaterais são sempre processos muito complexos – é muito fácil criticar e dizer que este tipo de processos é ineficaz, uma mão cheia de nada.
Portugal tem muito caminho a percorrer
Os especialistas e ambientalistas ouvidos pelo ECO/Capital Verde não deixam margens para dúvidas: Portugal tem uma responsabilidade aumentada quando se fala de conservação dos oceanos.
Considerando todas as parcelas do território, Portugal conta com cerca de 4.100.000 quilómetros quadrados de área abrangida pelos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, e isso exige planeamento e gestão. “[Esta área] aumenta significativamente a nossa responsabilidade na sua proteção e conservação, e não apenas a visão dos benefícios económicos que poderá trazer”, refere a Quercus. Os encargos agravam-se ainda mais quando o Governo se compromete em concretizar a meta prevista na Agenda par 2030 de garantir 30% das áreas marítimas protegidas (AMP) até à próxima década. Segundo o Fórum Oceano, Portugal conta apenas com cerca de 10% de AMP e para se atingir a meta até 2030 é necessário mais “vigilância e proteção”.
“Portugal não está muito avançado no caminho para alcançar algumas das metas do ODS 14, tal como muitos outros países europeus e de outros continentes”, considera Emanuel Gonçalves da Fundação Oceano Azul, apontando que o principal problema é a falta de uma estratégia e de um plano de implementação, com meios financeiros, humanos e organizacionais associados que permita avaliar o progresso a alcançar e “garantir que estamos a caminhar no sentido certo”.
Declaração de Lisboa deverá ser aprovada por unanimidade
Embora as negociações, em Nova Iorque, tenham corrido de forma favorável levando à embaixadora de Portugal nas Nações Unidas a crer que será aprovada de forma unânime, a verdade só se saberá na sexta-feira, dia 1 de julho, o último dia da conferência. Embora não se antecipem surpresas, tudo indica que os líderes dos 183 Estados-membros da ONU vão regressar a casa com uma nova estratégia que visa proteger os oceanos.
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Oceanos. ONU pronta para aprovar declaração “vaga” em Lisboa
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