Excedente orçamental previsto para o próximo ano é de 230 milhões de euros. Governo precave-se e atira responsabilidades para a oposição se especialidade levar a aumento da despesa.

Um Orçamento sem qualquer margem para acomodar medidas da oposição sem que isso implique um regresso aos défices orçamentais, cenário que a ocorrer o ministro das Finanças já imputou responsabilidades ao Parlamento. Foi esta a proposta entregue na quinta-feira no Parlamento por Joaquim Miranda Sarmento sob a forma de um documento seco, expurgado de políticas, cuja principal novidade reside na nova roupagem que, no futuro, irá permitir uma maior monitorização da ação do Governo. Aprovação está, à primeira vista, bem encaminhada.
Com a previsão de um saldo orçamental de apenas 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, correspondente a 230 milhões de euros, Joaquim Miranda Sarmento avisou que “não há propriamente espaço” para integrar medidas da oposição na fase da especialidade — como o aumento permanente de pensões, já defendida pelo Chega e PS.
“Se o país não quer voltar a entrar em défice, a margem é próxima de zero. Os números são o que são”, afirmou o governante em conferência de imprensa no Salão Nobre do Ministério das Finanças, em Lisboa, que durou apenas uma hora.
Se o país não quer voltar a entrar em défice, a margem é próxima de zero. Os números são o que são.
A partir do palco instalado para a apresentação, o ministro da tutela deixou avisos à navegação, leia-se oposição. “O Parlamento terá de decidir. Se quer manter o equilíbrio das contas públicas não há propriamente margem para medidas adicionais. Agora é uma proposta de lei que deu entrada no Parlamento e o Parlamento fará a discussão. Os partidos políticos, grupos parlamentares e deputados únicos farão as propostas de alteração que entenderem e o parlamento votará”, disse.
O objetivo é travar medidas como o aumento permanente para as pensões até 522 euros defendida pelo PS que consumiria desde logo quase o dobro do valor que separa o excedente do défice. De acordo com a estimativa apontada pelo secretário-geral socialista, José Luís Carneiro, a subida custaria 400 milhões de euros aos cofres públicos.
Aumento permanente para as pensões até 522 euros defendida pelo PS que consumiria desde logo quase o dobro do valor que separa o excedente do défice.
“É fundamental, nesta fase do ciclo económico, em que temos crescimento, em que estamos próximos do pleno emprego, o país continuar a ter equilíbrio orçamental e continuar a reduzir a dívida pública três ou quatro pontos percentuais ao ano, por forma a chegar ao final da década com uma dívida pública abaixo dos 80% do PIB”, argumentou.
E Joaquim Miranda Sarmento não quer incorrer no risco de entrar para a história como o ministro que após três anos seguidos de saldos positivos chega ao fim de 2026 com as contas no ‘vermelho’. O que, a crer nas previsões da generalidade das instituições económicas, será desafiante, sobretudo em ano cruzeiro de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Até porque apesar de a não execução da totalidade dos empréstimos do PRR poder ser uma vantagem para ‘amortecer’ o impacto no saldo, o ministro garantiu que o Governo está absolutamente comprometido com levar a bom porto a implementação dos fundos. “O PRR está a ser executado com objetivo de execução total: subvenções e empréstimos. O Orçamento do Estado foi feito para que o PRR seja totalmente executado“, garantiu o ministro das Finanças.
“Se não tivéssemos os empréstimos PRR, não estaríamos a fazer alguns projetos e alguma despesa, não vou discutir o mérito dessa decisão que foi tomada em 2021 e depois na reprogramação de 2023, mas estaríamos a falar de um excedente de 0,8 do PIB“, destacou.
Paralelamente, volta a verificar-se um aumento da despesa pública (que expurgada do efeito do PRR deverá subir de 41,2% do PIB em 2025 para 41,4% em 2026). Para a sustentar, o ministro das Finanças prevê, baseado num bom desempenho da economia, uma receita (também sem PRR) estabilizada nos 42% do PIB. Ainda assim, garante que a carga fiscal e contributiva vai reduzir-se 0,1 pontos percentuais, passando para 34,7% em 2025. Na apresentação, Miranda Sarmento destacou ainda que a despesa corrente primária excluindo medidas “one-off” e PRR, se situaria em 36,3% em 2025 e 36,5% e 2024.

PS abre a porta à viabilização
Certo é que o Executivo deixou de fora da proposta medidas que poderiam justificar negociações mais duras com a oposição para a aprovação do Orçamento, como a redução do IRC. A estratégia deu frutos, de acordo com os primeiros sinais políticos.
Os líderes dos maiores partidos da oposição ainda não se comprometeram com um sentido de voto no orçamento, mas do Largo do Rato chegam melhores notícias do que para os lados da Calçada da Estrela. O secretário-geral do PS abriu a porta à viabilização, porque o Governo “correspondeu às exigências” do partido ao nível da legislação laboral, da Lei de Bases da Saúde e também de “segurança social pública” e “tratamento fora do orçamento das questões de natureza fiscal”.
É certo que as alterações à lei laboral não têm de estar orçamentadas neste Orçamento do Estado, mas são linhas vermelhas para o PS, assim como o SNS. Esse corte não só não aconteceu como a saúde vai ter mais de 17 mil milhões no próximo ano, o que significa um aumento de 1,5% em relação a 2025.
Apesar desta valorização, e de garantir que quer “contribuir para a estabilidade política”, José Luís Carneiro ressalvou que este não seria o Orçamento apresentado pelo PS, pois teria “outras opções” de política económica, fiscal e social. Terça-feira será o dia D para a tomada de posição do PS, após as reuniões da direção da bancada parlamentar socialista, o grupo parlamentar e ainda a Comissão Política Nacional.
Para o Chega, o sentido de voto ainda está “muito longe”. André Ventura foi menos elogioso ao OE e até deixou um “aviso” (que pode significar uma nega no parlamento): atenção à previsão de subida de receita com o ISP, contrária aos pedidos de Bruxelas. O presidente do Chega teme que seja “uma manobra encapotada de aumentar os impostos sobre os combustíveis”. “Se o Governo está a contar verdadeiramente em manter a carga fiscal elevada e em aumentar os combustíveis, aí não há grande caminho, francamente, para fazer”, afirmou André Ventura, a partir do Porto, onde esteve a acompanhar o candidato à câmara.
É um ponto “muito negativo” para o Chega, embora o partido tenha sido ouvido neste orçamento em várias matérias, nomeadamente o aumento do Complemento Solidário para Idosos (em 40 euros), a atualizações dos escalões de IRS (descida das taxas em 0,3 pontos percentuais do segundo ao quinto escalões) e reforço do orçamento para segurança interna, que cresce 11,4%.

Governo conta com aceleração do investimento para pôr país a crescer mais
Na proposta entregue um dia antes do prazo limite (quebrando a antiga tradição de um documento fechado diversas vezes à 25ª hora), a tutela cortou a projeção deste ano em 0,4 pontos percentuais, para 2%, e aponta para uma taxa de 2,3% no próximo. Neste cenário, o consumo privado continuará a dar um contributo essencial, mas o investimento previsto também acelera.
Projeções que, no entanto, levaram o Conselho das Finanças Públicas (CFP) a alertar para uma possível sobrestimação do comportamento real da economia no próximo ano, alertando para riscos externos e internos desfavoráveis. Ainda assim, para a expetativa de um aumento do PIB acima de 2%, o Governo conta com um mercado de trabalho robusto e uma estabilização do contributo da procura interna. Neste caso, o consumo privado continuará a crescer, mas menos do que este ano, enquanto o investimento acelera e as exportações registam apenas uma ligeira subida face ao contexto internacional.
É do contexto internacional que podem chegar alguns riscos, como as tarifas dos Estados Unidos, o aumento das taxas de juro de curto prazo, um eventual aumento do preço do petróleo e o abrandamento da procura externa, com consequências para as exportações. Fatores que o ministro defendeu que é preciso acautelar, até porque, apontou, existe uma “vulnerabilidade que pode surgir nos mercados pelo facto de grandes países europeus estarem hoje com situações de dívida pública, não só acima de 100% do PIB, como em alguns casos com trajetórias de dívida pública ascendentes de crescimento e não de redução”.
Internamente, o Executivo identifica ainda o risco de redução no crescimento da procura, que teria consequências negativas no crescimento real da economia.
Reforma do processo orçamental
O ministro das Finanças comprometeu-se no início de mandato com uma reforma do processo orçamental e deu mais um passo nesse sentido. Joaquim Miranda Sarmento defende há anos que o documento deixe de ter os chamados “cavaleiros orçamentais” e seja focado numa gestão mais eficiente da receita e despesa e quis deixar essa marca na proposta deste ano.
Deste modo, o Governo (e em campanha para as autárquicas) optou por antecipar o anúncio das principais alterações como a atualização dos escalões do IRS em 3,51% — que podem gerar ainda celeuma, uma vez que colocam em causa o princípio de neutralidade fiscal para aumentos salariais de 4,6%, valor previsto no acordo de rendimentos –, e entregar um documento que deixa de fora do debate grandes mexidas fiscais.
“O facto de termos levado o IRS, termos levado o IRC, termos levado a Lei da Imigração e todas as outras normas que já levámos e as que iremos levar individualmente ao Parlamento, permite que o Parlamento, a Casa da Democracia, faça um debate sério, profundo, informado sobre cada uma das políticas do Governo e depois decida se as aprova ou se as rejeita ou se as aprova de forma diferente daquilo que o Governo propôs“, defendeu.
A grande novidade do documento é sobretudo técnica e passa por estender a experiência de orçamentação por programas levada a cabo no ano passado em oito ministérios a todos. O objetivo, segundo o governante, é “promover o alinhamento entre planeamento estratégico e a programação orçamental“, com objetivos e metas.
Até porque o ministro atirou para mais tarde eventuais alterações no ISP, numa solução que está a ser negociada com Bruxelas, ou a verba de utilização dos empréstimos a custos mais vantajosos para investimento em defesa no próximo ano.
Depois de mais de três minutos de agradecimentos à equipa das Finanças, outros membros do Governo e instituições públicas, Joaquim Miranda Sarmento enalteceu a data da entrega, um dia antes do prazo previsto na lei, que determina que o documento tem de ser entregue até ao dia 10 de outubro. Importa referir o Governo não tinha flexibilidade para ajustar o calendário de entrega, até porque este fim de semana há eleições autárquicas.
Segundo o ministro, foi “graças a um extraordinário trabalho” do Ministério das Finanças, bem como outros gabinetes, que o OE pode ser entregue um dia antes. “Isto é importante, dada a conjuntura em que estamos. Por se tratar de um dos documentos mais importantes da vida coletiva do país, e da vida individual das pessoas e das empresas, era urgente, inadiável e uma exigência categórica de transparência a explicação do conteúdo”, salientou.
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Orçamento tem “margem zero” para medidas da oposição, mas porta da viabilização está aberta
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