Programa de Governo mais reformista cria expectativas, mas faltam metas e reformas importantes

Com um objetivo claro e partilhado, será incomparavelmente mais fácil explicar e justificar o propósito das reformas estruturais. O economista Óscar Afonso avalia o Programa de Governo.

Neste Especial, saúdo o pendor mais reformista sinalizado pelo novo governo – precisamente o que faltou na curta legislatura anterior, como referi variadas vezes – e aponto, de forma construtiva, um conjunto de insuficiências e aspetos a melhorar que deteto e devem merecer a atenção do executivo, bem como o escrutínio dos cidadãos. A minha análise baseia-se, em grande medida, numa análise comparativa do programa de governo face a uma crónica anterior, neste mesmo espaço, onde abordei as reformas estruturais de que o país precisa. Nessa crónica não mencionei a orgânica de governo, mas ela é instrumental para a implementação de reformas e foi alvo de alterações relevantes, pelo que começo por aí.

O principal destaque a esse nível, já amplamente focado nos media, é a criação do Ministério da Reforma do Estado, que vejo como muito positivo, assim como a escolha de um Ministro e uma equipa com as competências necessárias para fazer um bom trabalho face aos objetivos a que se propõem. Estes são, fundamentalmente, desburocratizar, digitalizar e simplificar procedimentos e estruturas organizacionais, melhorando a responsabilização e a articulação interna dos serviços com vista a uma melhor relação do Estado com cidadãos e empresas, segundo percebi da intervenção do novo Ministro no Parlamento.

Contudo, a tarefa não será fácil, como aponto abaixo de forma mais detalhada, pois para além das resistências esperadas – é sempre difícil contrariar uma cultura e hábitos instalados –, parecem faltar dimensões e metas da reforma do Estado necessárias para alcançar de forma mais cabal esses objetivos e atingir ainda outros igualmente relevantes, com realce para a ausência da reforma administrativa territorial, que é crucial, a meu ver, para induzir uma maior coesão territorial e igualdade de oportunidades no país, e é relevante na definição de procedimentos, estruturas e articulações multinível.

Ainda relativamente às alterações na estrutura de governo face ao anterior, merece também destaque a junção num único Ministério das pastas da Economia e da Coesão Territorial, que foi insuficientemente fundamentada, a meu ver. Se servir, como tenho defendido, para dar mais relevo à Economia, focando os critérios de avaliação e resultado dos projetos do PT 2030 nas dimensões económicas fundamentais de produtividade e valor acrescentando – para concentrar de forma transversal os fundos europeus onde podem ter mais impacto na economia –, então sou a favor, mas ainda não ouvi nem li nada a esse respeito por parte do novo governo e entendo que a medida não exigiria a alteração orgânica referida.

Considero que a pasta da Economia deve ter como principais objetivos estimular a concorrência e definir políticas e incentivos inteligentes – de caráter transversal e setorial – e não discricionários (tanto quanto possível) que promovam a dinamização do investimento, da inovação e da atividade económica, o que nem sempre exigirá grandes recursos financeiros.

Considero que a pasta da Economia deve ter como principais objetivos estimular a concorrência e definir políticas e incentivos inteligentes – de caráter transversal e setorial – e não distorcionários (tanto quanto possível) que promovam a dinamização do investimento, da inovação e da atividade económica, o que nem sempre exigirá grandes recursos financeiros. A meu ver, a perda de relevância da pasta da Economia ao longo dos anos tem-se devido menos à redução da sua dimensão financeira e mais à incapacidade de desenhar políticas e incentivos inovadores com vista a soluções mais efetivas para os problemas económicos estruturais, bem como à falta de articulação com os demais Ministérios – desde logo, o das Finanças, para refletir financeiramente a dimensão estratégica da Economia, que deve ser transversal às diferentes áreas no âmbito de uma política coerente de sustentabilidade económica e do Estado social.

As reações ao novo ministério da Economia e Coesão Territorial foram diversas. As principais confederações empresariais e o Presidente da Comissão de Acompanhamento do PRR consideram que a nova orgânica facilitará a execução dos fundos europeus, incluindo o PRR, o que seria positivo, mas está por demonstrar. Em sentido contrário, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) mostrou-se pouco entusiasmada, argumentando que a coesão territorial merece um Ministério exclusivo, aparentemente temendo o receio de decisões mais centralizadas e distantes da realidade local, o que é uma posição legítima, cabendo agora ao executivo demonstrar que esse risco não se irá materializar.

Há ainda um argumento adicional contra a junção dos dois Ministérios, que é a dispersão do Ministro Castro Almeida por mais matérias e solicitações, com o natural cansaço adstrito, por mais capacidade que tenha. O peso da tarefa do novo ‘Super-Ministro’ é minorado pelo apoio dos secretários de Estado, todos eles transitados do governo anterior nas pastas que se mantêm (a do Mar é a única que sai, passando do Ministério da Economia para o Ministério da Agricultura e Mar, com alteração do Secretário de Estado), pelo que estão a par dos dossiês, facilitando a vida ao Ministro.

Entre as matérias ‘na ordem do dia’, a pasta da Economia terá de acompanhar a volátil área das tarifas dos EUA e os apoios necessários ao tecido empresarial, enquanto a execução do PRR é a maior urgência na área dos fundos europeus, mas o PT 2030 também está atrasado e é ainda mais crucial para a elevação do potencial de crescimento – o PRR foi uma oportunidade perdida a esse nível pelo foco no Estado, como se sabe – se for corrigido como proponho. O risco de um iminente choque petrolífero adensa a necessidade de acompanhamento e tomada de decisão do novo ‘Super-Ministério’.

Acresce que, se na área dos fundos europeus é reconhecida a experiência de Castro Almeida, incluindo o conhecimento ‘no terreno’ pela sua passagem pelas funções de autarca, na área mais vasta da Economia poderá precisar de apoio acrescido dos secretários de Estado em matérias específicas que não domine. Para já, Castro Almeida começou mal a sua intervenção na área da Economia, pois o objetivo que referiu de ter a economia a crescer acima da União Europeia (UE) – o que pode ser feito com um diferencial ligeiro – e, consequentemente, convergir para o nível de vida médio europeu, não é suficientemente ambicioso, como tenho vindo a referir, e arriscamo-nos a ser ultrapassados por mais economias de leste. Precisamos de crescer significativamente acima da UE (1,4 pontos percentuais, p.p., ao ano, em média), de forma sustentada, para entrarmos na metade de países mais ricos da UE no espaço de uma década, segundo um estudo da Faculdade de Economia do Porto (FEP). Este devia ser um desígnio nacional orientador das políticas públicas e das várias reformas necessárias. Sem objetivos mobilizadores, torna-se difícil reformar.

Ainda sobre a nova orgânica, não posso deixar de assinalar, com preocupação, a desvalorização simbólica e política da Cultura, agora integrada num Ministério que junta, de forma pouco coerente, Cultura, Juventude e Desporto. Aparentemente, trata-se de um Ministério “residual”, que agrega áreas que sobraram de outros arranjos ministeriais, o que transmite uma mensagem errada sobre a centralidade da Cultura na identidade, coesão e desenvolvimento de um país. A Cultura não é acessório nem complemento — é um pilar da cidadania, da economia criativa, da diplomacia cultural e da construção democrática. Esta fusão dilui prioridades e enfraquece a capacidade de ação autónoma do setor.

De seguida, prossigo com o principal foco deste artigo, a análise das lacunas mais evidentes do programa do XXV Governo Constitucional em matéria de reformas estruturais face a posições anteriores que assumi.

1. Reforma do Estado

1.1. Reforma Administrativa

1.1.1. Ausência de metas intermédias de reforma do Estado (rácio de entradas por cada saída de funcionários públicos e ligação à redução do peso da despesa corrente primária no PIB) e ambição aparentemente insuficiente para contrariar a insuficiência de investimento público

Entendo que o programa de governo deveria assumir uma meta específica para o rácio médio de entradas por cada saída de funcionários públicos com um valor inferior a 1, sem despedimentos, entrando menos funcionários do que aqueles que se reformam em reflexo de uma maior eficiência de despesa como resultado de uma reforma efetiva do Estado. Na ausência dessa informação – que não encontro no documento –, assumo que se mantém a meta de 1 para esse rácio apontada pelo Ministro das Finanças, que se mantém no cargo, por altura do Orçamento de Estado de 2025, o que na prática significa a manutenção do número de funcionários públicos nos próximos quatro anos e que pouco mudará.

Conforme evidenciei numa crónica anterior sobre o programa eleitoral da AD, a reduzida ambição dessa meta é ainda demonstrada por outra via, por estar associada a uma redução insuficiente do peso da despesa corrente primária no PIB, de 37,3% em 2024 para 36,5% em 2029 (menos 0,8 p.p.) no cenário orçamental apresentado. Tal permite uma redução com algum significado da carga fiscal (1 p.p., de 37,4% para 36,4% do PIB nesse período), mas não a subida do investimento público face ao PIB (que passa de 3,5% em 2024 para 4,1% em 2025 e 5,0% em 2026, devido ao PRR, mas depois baixa até 3,4% em 2029), que é crucial para recuperar a qualidade dos serviços públicos – após anos de desinvestimento, mal ‘disfarçado’ pelos fundos da UE – e também releva para o crescimento económico, nomeadamente por alavancar o investimento privado, reforçando o estímulo proporcionado pelo desagravamento fiscal.

Se finalmente alguma coisa for feita em matéria de reforma do Estado, como é preciso, haverá sempre algum tipo de contestação. Se ela não existir, o mais provável é que nada de fundamental tenha mudado, pelo que devemos também acompanhar as resistências e considera-las naturais. O mais importante é bom senso dos vários interlocutores, incluindo governo e oposição, para fazer o país progredir.

Apesar de tudo, aguardo mais informação a respeito da reforma do Estado por parte do ministro desta nova pasta, Gonçalo Saraiva Matias, que anunciou para breve “um programa claro de monitorização, avaliação e impacto das políticas públicas”, com “medidas absolutamente definidas e calendarizadas”, no debate do programa de governo na Assembleia da República.

A sua intervenção foi ponderada e prudente, como deveria, criando boas expectativas. O governante referiu ainda que “esta não pode ser apenas uma reforma técnica”, mas “um desígnio nacional” e admitiu que “não se trata de tarefa fácil”. Não podia estar mais de acordo, pois a reforma do Estado encontrará muitas resistências, mas é instrumental para a baixa da carga fiscal e a elevação do investimento público, onde espero que o governo ‘emende a mão’. É possível que a revisão em alta das metas de investimento em defesa nacional eleve a meta global de investimento público, mas alerto que outras áreas que têm ficado ‘para trás’, com forte impacto na vida diária dos cidadãos e empresas, devem ser contempladas.

Retenho ainda algumas afirmações importantes do novo ministro e que vão de encontro ao que tenho proposto: “Não queremos reduzir funcionários, queremos reduzir a burocracia”; “nenhum plano de modernização do Estado estará completo sem valorizar os seus trabalhadores”, pelo que se pretende “uma Função Pública exigente, mas justa”, que “reconheça o mérito” e atraia jovens qualificados; “esta reforma exige (…) fundir entidades sobrepostas e eliminar redundâncias, extinguindo organismos cuja existência não se encontre devidamente fundamentada e libertando a máquina do Estado para responder de forma célere, prática e produtiva aos problemas reais das pessoas”, em que a digitalização vai ser “a principal ferramenta desta mudança”. Em matéria de política de recursos humanos, saliento ainda um ponto específico relacionado do programa de governo que é importante e vai dar que falar: “elaborar uma avaliação global dos trabalhadores por áreas setoriais e funções, antecipando necessidades e identificando redundâncias, a fim de promover uma política ativa de redistribuição de trabalha­dores no âmbito da administração direta e indireta do Estado”.

Como referi, devemos aguardar por mais informação para uma análise mais cabal, mas uma coisa garanto. Se finalmente alguma coisa for feita em matéria de reforma do Estado, como é preciso, haverá sempre algum tipo de contestação. Se ela não existir, o mais provável é que nada de fundamental tenha mudado, pelo que devemos também acompanhar as resistências e considera-las naturais. O mais importante é bom senso dos vários interlocutores, incluindo governo e oposição, para fazer o país progredir.

No que se refere à despartidarização da Administração Pública, com a qual o Primeiro-Ministro e o candidato único à liderança do PS (deputado José Luís Carneiro) se comprometeram no debate do programa do governo – já para não falar da IL e do Chega, que têm feito desta matéria uma bandeira programática e lançaram o tema no debate –, estou bastante expectante, mas também cético.

De forma relacionada, precisamos de uma avaliação de mérito também em cargos de topo, algo que não encontro no programa do governo e julgo que estará de fora da avaliação geral prevista para a Administração pública referida por Gonçalo Matias.

1.1.2. Ausência de uma reforma administrativa territorial

Tenho defendido a eliminação do nível administrativo das freguesias (absorvido pelo municipal, incluindo a fusão de municípios mais pequenos) e a criação do regional, uma solução mais europeia e eficiente, como evidenciado num estudo da FEP. Tal permitirá, a par com outras políticas necessárias – com realce para a dinamização do mercado de arrendamento e a diminuição da rigidez laboral – uma melhor distribuição das oportunidades económicas pelo território, incluindo a redução das pressões sobre a habitação que atualmente se verificam nos grandes centros urbanos.

Os sinais mais recentes a este respeito são negativos, com a reposição de freguesias fundidas há cerca de uma década e a exclusão do tema da regionalização da agenda política por iniciativa da AD, mas mantendo-se no recente programa eleitoral do PS. Espero que a nova direção do PS insista de forma mais veemente neste tema tão importante para a reforma do Estado e a vida dos portugueses, podendo conseguir um novo ímpeto político se a colocar na agenda política e convencer o governo (pelo menos) a enveredar por esse caminho, após negociação – o apoio à redução de IRS e IRC (não reversibilidade) seria uma boa ‘moeda de troca’, a meu ver. Os portugueses precisam de ser consultados de novo sobre a regionalização com um referendo que gere consenso e já no contexto da reforma do Estado.

A absorção do nível das freguesias pelos municípios, como proponho, permitiria mitigar os receios quanto aos custos de criação do novo nível de administração regional, que foi um dos principais motivos para a rejeição do referendo de 1998, a par com uma insuficiente explicação das vantagens em termos de eficiência. Acresce que a criação das regiões deverá ser acompanhada de mecanismos claros de disciplina orçamental, impondo o equilíbrio orçamental estrutural e vedando o recurso ao endividamento para financiamento de despesa corrente, assegurando assim a sustentabilidade financeira e evitando a replicação de desequilíbrios que tanto fragilizam a confiança dos cidadãos nas reformas institucionais.

A reforma do Estado seria mais ampla e consequente com a reforma territorial proposta, que forneceria ganhos adicionais em matéria de eficiência de despesa e uma maior margem para acomodar menos impostos e mais investimento público, como precisamos.

1.1.3. Falta detalhe nas medidas de desregulação e promoção da concorrência

As propostas colocadas no programa de governo a este respeito são positivas, de uma forma geral, mas bastante genéricas, faltando detalhe e saber se virá do novo Ministro da Reforma do Estado. A notícia mais positiva e concreta nesta área diz respeito à abertura da ferrovia à concorrência, mas não está prevista a privatização da CP, como defendo (volto a este assunto mais abaixo). Portugal tem muito a melhorar nesta área do ambiente de negócios, como mostrou um polícy paper recente da FEP.

1.2. Reforma do sistema fiscal a precisar de aperfeiçoamentos

Saúdo a indicação no programa do governo da intenção de “eliminar, de forma gradual, a progressividade da derrama estadual”, o que é uma evolução positiva, mas entendo que a medida deveria ser priorizada face à redução das taxas gerais de IRC ou, pelo menos, ser feita em paralelo, pois a progressividade não tem precedente no resto da Europa e penaliza a atração de investimento estruturante. A respeito do IRC, assinalo ainda a dúvida sobre o que se pretende para a derrama municipal, ao referir-se que “a derrama municipal e a sua distribuição por município têm escassa eficácia e produzem efeitos perniciosos na eficiência e transparência”. Se a ideia é eliminar essa derrama, os municípios terão de ser compensados.

Vejo como positiva a aparente maior prioridade à revisão e eliminação de benefícios fiscais injustificados, mas falta saber se tal incluirá, como defendo, a concentração do generoso regime de incentivos à I&D (SIFIDE) nas empresas de menor dimensão, com menos recursos e incentivo de mercado face à grandes empresas, que aproveitam muito mais o regime e seriam compensadas pela redução das taxas de IRC. A revisão do SIFIDE é mencionada como tendo enquadramento na reforma dos benefícios fiscais, mas teremos de aguardar por mais detalhes para saber as alterações pretendidas.

Infelizmente, como esperado, não está prevista a revisão e uniformização dos mecanismos de atração e retenção de talento que defendo: substituição dos programas ‘IRS Jovem’ (caro e de eficácia muito duvidosa na retenção de talento jovem, além do incentivo ao abandono escolar precoce na nova formulação), ‘Regressar’ e ‘IFICI+’ pelo ‘IRS Novo Talento’ que defendo (deduções em IRS sobre rendimento de trabalho nos anos após novas qualificações superiores, tanto maiores quanto maior o grau, com limite global de anos), acessível a todos no ativo (ao contrário dos regimes que substitui) – jovens, menos jovens, emigrantes regressados e imigrantes –, tornando o regime fiscal mais simples e justo.

1.3. Não se vislumbram no documento alterações no sistema de pensões que respondam aos alertas da Comissão Europeia, mas espero pelas conclusões do estudo encomendado pelo governo.

2. Reforma na habitação

Não encontro no programa medidas decisivas e com impacto a curto e médio prazo para dinamizar o mercado de arrendamento, que é crucial para uma maior acessibilidade à habitação.

O pouco que é dito a respeito da revisão do regime e programas de arrendamento existentes parece ‘mais do mesmo’, não alterando de forma fundamental a atual crise na habitação.

Faltam ainda medidas para atuar sobre a modulação da procura, pois não basta agir do lado da oferta, cujo impacto é bastante desfasado no tempo.

3. Prioridades aparentemente trocadas no que toca à necessária elevação do perfil de especialização económico: turismo continua a merecer mais atenção que a indústria

Tal como aconteceu no Pacote Económico do anterior governo (“Acelerar a economia”, de julho de 2024), o programa do novo governo AD dedica mais espaço e atenção ao turismo (16 pontos e um pouco mais de duas páginas) do que à indústria (9 pontos e cerca de uma página), o que é um sinal negativo e contrário ao que Portugal precisa em matéria de elevação do perfil económico, como venho a defender.

4. Insuficiente promoção da poupança e sua canalização para investimento produtivo

No programa do governo há promessas de desagravamento fiscal em contas-poupança, mas de forma limitada. Considero faltar uma aposta decisiva na criação de instrumentos inovadores para estimular de forma significativa a poupança das famílias e a sua canalização para investimento produtivo, tendo em conta os perfis de aforradores e empresas, como defendo. Portugal precisa de poupar e investir mais.

5. Falta de detalhe na medida de ganhos de escala e outras para melhorar a alocação de capital

A referência genérica no programa de “remover todos os desincentivos fiscais e regulamentares ao ganho de escala das empresas”, além da baixa de IRC, diz pouco sobre o que está prevista nesta área relevante para a competitividade da economia, sendo crucial incentivar a fusão de empresas. Realço ainda a ausência de outras medidas que defendo para melhorar a alocação de capital, como acabar com as empresas ‘zombie’ (com prejuízos persistentes) e rever os mecanismos de recuperação e insolvência.

6. Ausência de mecanismos de ligação entre salários e produtividade

As metas do salário mínimo e do salário médio no programa do governo não são apresentadas de forma condicional à evolução da produtividade, como deveriam. Defendo que a subida do salário mínimo nacional seja definida na concertação social tendo como base a evolução da produtividade e o contexto externo, influenciando ainda a evolução do salário médio. Considero que seria ainda importante estudar formas mais inovadoras de ligar salários e produtividade nas organizações, com apoio da Academia.

A subida do salário mínimo e médio acima da produtividade nos últimos anos tem contribuído para o aumento do peso das contribuições socais no PIB e do indicador de carga fiscal (e parafiscal) em percentagem do PIB, como demonstrei noutro artigo, penalizando a competitividade da economia.

7. Infraestruturas (conectividade): falta privatizar a CP e analisar a opção do atual aeroporto de Lisboa sem ‘hub’, que dispensaria a construção de um novo aeroporto e reforçaria o investimento em ferrovia.

8. Insuficiente reforço da indústria nacional no esforço de investimento em defesa

No âmbito do esforço adicional em defesa nacional exigido no âmbito da UE e NATO, embora haja sinais positivos no programa de governo quanto à aposta na indústria de defesa nacional e na indústria em geral, como a indicação específica de desenvolvimento de capacidade industrial nacional nessa área e a promoção de investimentos de duplo uso (civil e militar), considero que faltam medidas relevantes. Estou a falar do aproveitamento das oportunidades, mecanismos e financiamento no quadro europeu, bem como, em particular, o envolvimento da indústria em contrapartidas das aquisições do Estado ao exterior, preferencialmente a fazer no âmbito do mercado europeu de defesa que irá ser desenvolvido.

Se quisermos que o aumento do esforço em defesa não implique, a prazo, menos recursos à disposição para outras áreas da governação, temos de assegurar o máximo impacto dos investimentos na nossa economia. Por outro lado, se o aumento do esforço de despesa for apenas ‘cosmético’ (via ‘contabilidade criativa’), sem real esfoço adicional, arriscamo-nos a ficar mal vistos perante os parceiros da UE e da NATO, bem como mais expostos a potenciais ataques no futuro.

Conclusão

Neste artigo abordei as alterações de orgânica do governo e a sua relevância para a implementação do programa de governo, o principal foco da análise, procurando identificar lacunas e aspetos a melhorar de forma construtiva. Deixei de fora, propositadamente, várias áreas, como Saúde, Educação, Justiça, Cultura e Imigração, onde dou o benefício da dúvida, bem como o Ensino Superior, relativamente ao qual tenho sido bastante crítico, mas escrevi recentemente a esse respeito de forma contundente e não vou repetir.

Várias reformas que considero cruciais estão fora do programa do governo – mesmo tendo ido buscar 80 medidas aos programas de outros partidos, num esforço de aproximação –, como aqui evidenciei, com realce para a reforma administrativa territorial, que exige um novo referendo à regionalização, bem como o reforço dos critérios de produtividade e valor acrescentado nos fundos europeus (PT 2030).

Faltam ainda medidas na habitação; indústria; poupança e investimento; ligação entre salários e produtividade; impacto económico do investimento em defesa; revisão da estratégia nas infraestruturas de conectividade; e uniformização dos mecanismos fiscais de retenção e atração de talento.

O progresso do país depende de muitas das reformas aqui identificadas – porventura umas mais do que outras, mas todas elas são importantes –, bem como outras que aqui não analisei para não tornar o texto ainda mais longo, com realce para a Saúde, Educação e Justiça.

Mais do que nunca, é fundamental que o Governo assuma a meta mais decisiva de todas: colocar Portugal, num horizonte razoável — como uma década —, entre a metade de países mais ricos da UE. Essa ambição, que segundo um estudo da FEP exige crescer cerca de 1,4 p.p. acima da UE por ano (em média), deve tornar-se o principal referencial mobilizador das políticas públicas.

O equilíbrio entre o necessário aumento da despesa em defesa, a sustentabilidade das contas públicas, a melhoria do nível de vida e a preservação do Estado Social não é um jogo de soma zero. Exige-se, pelo contrário, a construção de um modelo de crescimento inteligente, assente em melhor despesa pública (e não necessariamente maior), maior inovação e produtividade e uma justiça intergeracional e territorial mais efetiva. O futuro do país dependerá da capacidade de conciliar segurança, prosperidade e coesão social — e isso reclama liderança política, visão estratégica e coragem reformista.

Aos decisores políticos, deixo uma recomendação tão simples quanto exigente: definam metas claras, tanto globais como intermédias, acompanhadas de calendários concretos, objetivos mensuráveis e relatórios periódicos de progresso, com ajustamentos sempre que necessário. A sociedade civil agradecerá — e estará atenta.

Mais do que nunca, é fundamental que o Governo assuma a meta mais decisiva de todas: colocar Portugal, num horizonte razoável — como uma década —, entre a metade de países mais ricos da UE. Essa ambição, que segundo um estudo da FEP exige crescer cerca de 1,4 p.p. acima da UE por ano (em média), deve tornar-se o principal referencial mobilizador das políticas públicas.

Com um objetivo claro e partilhado — ambicioso, mas exequível —, será incomparavelmente mais fácil explicar e justificar o propósito das reformas estruturais, inclusive as menos populares, desde que estejam sempre articuladas com essa visão de futuro. Portugal não pode continuar a adiar um futuro melhor — é tempo de o construir com determinação.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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