Não restam dúvidas de que as alterações climáticas constituem um risco para o setor financeiro. Assim, uma boa gestão do risco é um dever das entidades reguladoras e de supervisão bancária.
De acordo com os cientistas, existe uma elevada probabilidade de as alterações climáticas serem uma consequência da aceleração da atividade económica. Na realidade, o PIB mundial aumentou exponencialmente desde 1950, o que originou também um crescimento exponencial das emissões de CO2, das emissões de metano, da acidificação dos oceanos, da captura de peixe, do nitrogénio na costa marítima, da perda de floresta tropical, da terra plantada e das perdas de biodiversidade. Com estes desequilíbrios no planeta Terra, os desastres ambientais começaram a ser cada vez mais presentes em todo o globo, em particular nos últimos 40 anos.
PIB Mundial
Tendências dos Sistemas da Terra
Na realidade, e citando o ex governador do banco de Inglaterra Mark Carney num discurso que proferiu em 2015: “Desde 1980, o número registado de perdas relacionadas com eventos climáticos triplicou; as perdas das seguradoras (ajustadas pela inflação) por estes eventos aumentou de uma média anual de 10 mil milhões para 50 mil milhões de dólares na última década”.
Dados mais recentes divulgados pela Comissão Europeia confirmam também que “entre 2000 e 2016, as catástrofes relacionadas com o clima verificadas anualmente a nível mundial aumentaram 46%, enquanto as perdas económicas resultantes de fenómenos meteorológicos extremos a nível mundial aumentaram 86% entre 2007 e 2016, atingindo um dano estimado de 117 mil milhões de euros em 2016” (Comissão Europeia – 2018 – Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável, página 3).
Assim, em 2015 o G20 pediu ao Financial Stability Board para analisar de que forma os riscos climáticos poderiam impactar o setor financeiro, tendo este criado a Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD). Esta task force tinha como objetivo desenvolver recomendações sobre a divulgação de informação climática que deveria ser realizada pelas empresas financeiras e não financeiras, para informar os investidores sobre as suas ações para combater os impactes futuros das alterações climáticas.
As recomendações finais foram publicadas em junho de 2017, tendo a TCFD conseguido sistematizar um conjunto de riscos ambientais que todas as organizações (grandes, pequenas, financeiras e não financeiras, cotadas e não cotadas) enfrentam.
Assim a TCFD dividiu os riscos relacionados ao clima em duas categorias principais:
- Riscos relacionados com a transição para uma economia de baixo carbono;
- Riscos relacionados aos impactos físicos das alterações climáticas;
Riscos de transição
A transição para uma economia de baixo carbono pode acarretar mudanças de políticas, leis, tecnologia e de mercado, de forma a se conseguir alcançar os requisitos de mitigação e adaptação relacionados às mudanças climáticas. Dependendo da natureza, velocidade e foco dessas alterações, os riscos de transição podem representar variações níveis de risco financeiro e de reputação para as organizações.
Assim os riscos de transição identificados foram:
- Riscos Políticos e Legais: mudança de políticas e potenciais litigações relacionadas com o ambiente;
- Riscos Tecnológicos: melhorias tecnológicas ou inovações que apoiam a transição para um sistema económico com baixo consumo de energia e carbono podem ter um impacto significativo nas organizações. Por exemplo, o desenvolvimento e uso de tecnologias emergentes, como energia renovável, armazenamento de baterias, eficiência energética e captura e armazenamento de carbono afetarão a competitividade de certas organizações, os seus custos de produção e distribuição e, finalmente, a procura dos seus produtos e serviços pelos consumidores finais;
- Riscos de Mercado: mudanças na oferta e procura de bens e serviços;
- Riscos Reputacionais: mudança de perceção do cliente e comunidade sobre a contribuição de uma organização, ou sua transição, para uma economia de baixo carbono.
Riscos Físicos
Os riscos físicos resultantes das mudanças climáticas podem ser relativos a eventos (agudos) ou mudanças de longo prazo (crónica) nos padrões climáticos. Os riscos físicos podem ter implicações financeiras para as organizações, como como danos diretos nos ativos e impactes indiretos na interrupção da cadeia de abastecimento. O desempenho financeiro também pode ser afetado por mudanças na disponibilidade, abastecimento e qualidade da água; segurança alimentar. E e mudanças extremas de temperatura que afetam as instalações, operações, cadeia de abastecimento, necessidades de transporte e segurança dos funcionários.
Os riscos físicos pode ser agudos ou crónicos:
- Riscos agudos: são riscos associados a eventos de maior gravidade como ciclones, furacões ou inundações.
- Riscos Crónicos: Riscos físicos crónicos referem-se a mudanças de longo prazo nos padrões climáticos (por exemplo, sustentadas temperaturas) que podem causar aumento do nível do mar ou ondas de calor crónicas.
A TCFD conseguiu assim fazer uma ligação entre os impactes das alterações climáticas e os riscos financeiros que as organizações poderão enfrentar (ver link para exemplos desta ligação), passando a ser importante para os investidores de médio e longo prazo saberem como é que as empresas estão a antecipar e minimizar esses riscos.
Em 2019, a ligação entre as alterações climáticas e o risco financeiro ficou finalmente assumida quando a Network for Greening the Financial System, uma rede que reúne vários bancos centrais de todo o mundo, publicou o seu primeiro relatório intitulado “A call for action Climate change as a source of financial risk”.
Neste relatório assume-se que os riscos relacionados ao clima são uma fonte de risco financeiro, passando assim a boa gestão destes riscos climáticos a estar dentro dos mandatos dos bancos centrais e supervisores, de forma a garantir que sistema é resiliente a estes novos riscos. Esta rede reconheceu que, atualmente, existe um forte risco de que os riscos financeiros relacionados com o clima não estejam a ser totalmente refletidos nas avaliações dos ativos, sendo por isso necessário acelerar esta interação. Esta aceleração está a ser incentivada por esta rede de bancos centrais, que divulgaram seis recomendações:
- Integrar os riscos climáticos na monitorização da estabilidade financeira e na micro-supervisão
- Integrar os fatores de sustentabilidade na gestão do próprio portfólio de investimentos do banco
- Colmatar as lacunas de dados
- Criar consciencialização, capacidade intelectual e incentivar a assistência técnica e a partilha de conhecimento
- Alcançar uma divulgação de informação climática e ambiental robusta a nível internacional
- Apoiar o desenvolvimento de uma taxonomia de atividades económicas.
Não restam assim muitas dúvidas de que as alterações climáticas constituem um risco financeiro das organizações e, consequentemente, do setor financeiro. Assim, garantir a boa gestão do risco das alterações climáticas passará também a ser parte do dever das entidades reguladoras e de supervisão bancária.
O Banco de Inglaterra será dos primeiros bancos centrais a promover uma análise de testes de stress climáticos a bancos e seguradoras já em 2021, estando atualmente a trabalhar no desenvolvimento do framework que será a base de referencia das análises. Aguarda-se também por desenvolvimento dos trabalhos da Comissão Europeia nesta matéria.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Quanto mais a economia acelera, mais o ambiente sofre. As alterações climáticas como riscos financeiros
{{ noCommentsLabel }}