Num Executive Breakfast do Capital Verde, João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, frisou que na próxima década Portugal terá 70 mil milhões para recuperar a sua economia.
Na visão de João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, há seis grandes razões para as empresas serem mais sustentáveis, que vão desde a redução de custos, otimização das cadeias de valor, redução do custo/capital, melhor gestão do risco, diferenciação dos concorrentes perante os consumidores, até à “gigante” oportunidade de investimento e de negócio. À boleia da sustentabilidade e da recuperação verde das economias europeias, até 2027 Portugal terá então um cheque de 70 mil milhões de euros gastar durante esta década.
“Desde a adesão à União Europeia, em 1986, recebemos cerca de 100 mil milhões de euros de Bruxelas. Temos agora em apenas sete anos 70% do valor total que recebemos até hoje. Este enorme pacote financeiro terá de ser investido segundo as regras ESG (ambientais, sociais e de governance). Quão exigentes e ambiciosas serão essas regras, estaremos cá para ver. As empresas têm aqui uma oportunidade de negócio gigante. Só em subsídios europeus são 70 mil milhões”, disse João Meneses na sua intervenção enquanto keynote speaker no primeiro Executive Breakfast do ECO/Capital Verde, que juntou numa manhã de debate, em Lisboa, os parceiros fundadores do projetos.
Os CTT, a EDP, a EY, o Millennium bcp, a REN, o Santander, a Super Bock Group e a Volkswagen são as empresas que integram o grupo de Agentes de Mudança da primeira plataforma de jornalismo especializado em Economia Verde e Finanças Sustentáveis em Portugal e às quais o diretor-geral do ECO, Paulo Padrão, agradeceu o “envolvimento com este projeto desde o início, a participação ativa e o acompanhamento” que foram dando ao ECO/Capital Verde.
Para o secretário-geral do BCSD, “cada empresa tem de ser um pivô da transformação para a sustentabilidade, com benefícios económicos e não económicos”. A começar pela redução da pegada hídrica, energética, dos materiais usados, o que leva a poupanças no orçamento ao fim do mês. “Estamos a assistir a empresas que tornam mais transparentes as suas cadeias de valor e a fazer do consumo um ato de cidadania. Quando vou às compras, conheço a pegada daquele produto que vou adquirir. A sustentabilidade vai ser um fator de diferenciação positiva e competitividade cada vez maior. Não só para os consumidores mas também para os colaboradores, como fator de atração de talentos. As novas gerações não querem trabalhar para mais vendas e lucros, mas um impacto positivo com valor partilhado.“, explica.
Por outro lado, além da poupança, “o capital vai ser cada vez mais barato para empresas com menos risco e as empresas sustentáveis serão as menos arriscadas no futuro. As empresas com melhor performance em bolsa foram as que seguem critérios ESG, porque são mais resilientes para o mercado. Os investidores vão começar a cobrar um prémio de risco cada vez maior às empresas que não são sustentáveis”, defende João Meneses.
Não ser sustentável envolve riscos de colapso e de aumento de preço de matéria primas, porque são um bem finito, riscos reputacionais e riscos de operação.
Também presente no evento e no debate sobre o papel das empresas na recuperação verde da economia, Sofia Santos, economista especializada em sustainable and climate finance e colaboradora regular do ECO/Capital Verde, diz que “a boa notícia é que todo o dinheiro que aí vem vai passar por um crivo ESG”. No entanto, “a maioria das empresas não tem essa ainda essa noção, sobretudo ao nível das PME”. Quanto à transição para a sustentabilidade, defende que não depende tanto das empresas, mas sim das pessoas que estão à frente delas.
“Depende se querem ser lembradas pela sua riqueza ou pelo impacto positivo no mundo. As empresas estão hoje mais alerta sobre o tema. Há empresas que percebem que podem captar mercado pela sustentabilidade, novos nichos, novos negócios; há um outro grupo mais pequeno de empresas que percebe que é o que deve ser feito; e depois há todas as outras que sabem que é para onde o dinheiro vai. Já não é relevante porque apostam na sustentabilidade, desde que o façam“, argumentou Sofia Santos, apontando o dedo aos administradores e CEO por ainda não estarem no caminho da sustentabilidade.
“Como se convence a optar pela mudança? O segredo é o conhecimento, saber mais sobre o tema. Não há ainda gestores de topo nas conferências e nas formações de sustentabilidade. Quem tem o poder para a decisão não tem o conhecimento para tomar a decisão necessária para hoje e amanhã, só para decidir em função do passado. É importante chegar ao conselho de administração, há um grande gap entre as equipas técnicas e o topo das empresas. Um dos caminhos é a formação e o ensino. Ou a via fiscal, para acelerar. Não vais conseguir mudar a mentalidade de quem aprendeu gestão no século passado”, diz a economista, que esta semana dará o pontapé de arranque aos comandos do novo programa de formação Sustainable Finance: Green and Climate Finance, no ISEG.
João Meneses concorda: “Um CEO que não gere com base na sustentabilidade não está preparado para o futuro, está a gerir pelo retrovisor e não olhando para a frente”.
As empresas com melhor performance em bolsa foram as que seguem critérios ESG, porque são mais resilientes para o mercado. Os investidores vão começar a cobrar um prémio de risco cada vez maior às empresas que não são sustentáveis.
Questionado sobre se o fenómeno da pandemia veio acelerar o caminho da sustentabilidade, ou não, disse ainda que “com medidas como a obrigatoriedade de reporte a acelerar, isso faz com que muitas empresas se voltem para a sustentabilidade porque têm de se justificar perante os outros e a expor as fragilidades da sua cadeia de valor”.
Na área financeira, acredita, vai ser obrigatório fazer uma análise de risco de impactos nas alterações climáticas e na biodiversidade quando se faz análise de crédito. “Vamos ter todas estas tendências que se espelham positivamente nas políticas das empresas, com as grandes a contagiar as mais pequenas. Os atores políticos têm de ter coragem e que têm os cidadãos a bordo da sustentabilidade. Pessoas têm de dar confiança aos políticos para exigirem mais às empresas em termos de sustentabilidade, via reporte, políticas fiscais, mercados de carbono”.
Já Sofia Santos prefere deixar um alerta às empresas: “Não podemos perder nem mais um minuto numa tomada de decisão se os critérios ambientais são relevantes. Sim, é relevante e vamos trabalhar para isso. O tempo que se perde a pensar são milhares de toneladas de CO2 que não se reduzem à velocidade que queremos.”
Na sua visão, a pandemia veio trazer mais vontade de agir e mais dinheiro afeto a estes temas – fala-se mais, as pessoas vão ter mais conhecimento e vontade de mudar. “A grande dúvida é a velocidade da mudança. E nas empresas ainda mais, onde as tomadas de decisão demoram demasiado e estão ainda presas aos lucros para mostrar aos acionistas. Quanto mais para a frente estes temas da sustentabilidade forem chutados, torna-se impossível o mundo ser neutro em carbono na segunda metade do século XXI. A urgência é enorme”, diz a colunista do ECO.
Do lado das empresas presentes, foi deixada a garantia que não são só as equipas técnicas de base que trabalham o assunto da sustentabilidade, como há ainda um responsável pela área dentro da comissão executiva que tem toda a informação e sensibilidade. “O próprio CEO acredita que esse é o caminho e é por aí. É o sentir. Mas nem todos sentem nem querem sentir. Se empresa está bem e no bom caminho há mais margem de manobra para apostar na sustentabilidade. Se não há lucros, se há dificuldades, é mais complicado. A sustentabilidade é o caminho e as empresas têm de o seguir e não há volta a dar. Às vezes é um caminho difícil de traçar e temos de mudar mentalidades“.
A grande dúvida é a velocidade da mudança. E nas empresas ainda mais, onde as tomadas de decisão demoram demasiado e estão ainda presas aos lucros para mostrar aos acionistas. Quanto mais para a frente estes temas da sustentabilidade forem chutados, torna-se impossível o mundo ser neutro em carbono na segunda metade do século XXI. A urgência é enorme.
No debate ficou também claro que a sustentabilidade é algo que está na agenda das empresas. Menos consumo de água, de energia, desigualdades, pegada carbónica e economia circular são ainda problemas a resolver. Mas também as empresas deixam os seus alertas: “Não há sustentabilidade sem investimento de tempo e dinheiro. E esse investimento às vezes choca com objetivos de empresas em anos de crise. As empresas têm de acelerar, quer seja por incentivos, quer seja com metas impostas”.
Sobre os consumidores e o seu papel em toda esta transformação em curso, as empresas garantem que o interesse é crescente: preocupam-se mais com a origem da energia, querem saber o peso das renováveis, principalmente as empresas e as PME, que são a grande maioria do tecido empresarial. “Muitas empresas querem assumir posicionamento sustentável e concretizar isso mudando o abastecimento de energia, a forma como consomem, para reduzir a sua carga negativa sobre o ambiente e pedem ajuda. Há preocupação, há interesse. O investimento inicial até pode ser elevado, mas tem rentabilidade no futuro e impacto positivo no ambiente”.
Apesar da vontade do tecido empresarial, a sustentabilidade “custa dinheiro, dá trabalho e as soluções têm de ser bem analisadas em função da atividade da empresa. Temos sentido cada vez mais pressão de stakeholders para serviços mais verdes. Temos vindo expandir portfólio neutro em carbono”.
Para outros, a sustentabilidade não é tema novo, mas sim algo que acompanham com alguma profundidade. “Estamos num momento de viragem, de disrupção, alteram-se os padrões de consumo, aumenta a pressão social e das políticas públicas. Temos de nos adaptar, sermos nós a liderar e sermos referência no processo. O caminho está traçado: é ver o que está em discussão no BCE, na Comissão Europeia, tudo está em profunda mutação e a pandemia veio acelerar. É uma questão de sobrevivência para as empresas. Um CEO atento e envolvido é uma mais-valia”.
Na sua intervenção inicial João Meneses traçou o contexto que justifica a urgência da ação das empresas em prol da sustentabilidade. “A natureza está em colapso. No ano passado consumimos 100 mil milhões de toneladas de recursos naturais, a maioria dos quais não renováveis ou com ciclos de renovação muito longos. Estamos a viver a crédito das gerações futuras desde 22 de agosto. Isto acontece antes do final de cada ano, e cada vez mais cedo, desde a década de 70. Estamos há 50 anos a viver à conta das gerações futuras. Temos de reduzir 55% as emissões em 10 anos, e isso será uma revolução”.
A sua análise mostra que a pandemia vai trazer consigo três outras vagas: a da recessão económica (a pior dos últimos 100 anos), a das alterações climáticas e a da perda de biodiversidade e capital natural. “Num mundo sem vida não há economia nem emprego. Metade do PIB mundial depende do capital natural, os telemóveis, a roupa, os carros, as casas. No limite podemos levar a economia a zero. Esta é a década derradeira para podermos cumprir os mínimos para travar as alterações climáticas e a perda de biodiversidade e capital natural. Ou transitamos rapidamente para novo modelo de desenvolvimento sustentável ou tudo se vai agravar”, refere o responsável do BCSD Portugal.
Numa nota mais otimista, garantiu que o capitalismo conseguiu adaptar-se ao choque da transformação digital e está a dar sinais de ser capaz de se adaptar ao choque da sustentabilidade, o segundo maior vetor de transformação das economias, das sociedades, dos modelos de negócio e dos estilos de vida ao longo do século XXI. Aqui, as empresas voltar a ser chamadas a agir e vão ter um papel chave na reforma do capitalismo.
“O próprio mundo empresarial defende que o capitalismo faz mais mal que bem e está verdadeiramente preocupado com indicadores de caráter ambiental, social e de governance. Temos de passar de um capitalismo de shareholders para um capitalismo de stakeholders, gerar riqueza não só para os acionistas, mas sim riqueza não tangível nem apropriável, que crie valor para comunidades impactadas e outros stakeholders”, rematou.
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Recuperação verde da economia é uma “oportunidade de negócio gigante” para as empresas portuguesas.
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