O número de processos que deram entrada em Centros de Arbitragem tem vindo a aumentar. Apesar de os valores praticados variarem consoante o processo, este meio está a conquistar adeptos.
Desde 2012 que o número de processos que deram entrada em Centros de Arbitragem tem vindo a aumentar. Se em 2012 deram entrada 9.471, em 2021 este número aumentou para 13.732, segundo dados da Direção-Geral da Política de Justiça.
No que toca ao objeto dos litígios mais recorridos ao longo dos últimos anos, existem quatro tipos que se destacam: eletricidade, gás e água; transportes, armazenagem e comunicações; seguros e atividades complementares à Segurança Social; e comércio, manutenção e reparação de veículos.
A arbitragem tem vindo assim a conquistar adeptos em Portugal que cada vez mais recorrem a este meio de resolução alternativo de litígios. Mas não é só o número de processos que tem aumentado, também o número de árbitros e de centros de arbitragens têm vindo a crescer. Atualmente existem mais de 30 Centros de Arbitragem espalhados de norte a sul do país.
Mas quando o assunto são os valores praticados em processos arbitrais, esses variam devido a diversos fatores como os custos com o tribunal, correspondendo aos honorários dos árbitros, e custos com mandatários e com peritos.
Segundo explicou à Advocatus Joaquim Shearman de Macedo, sócio da PLMJ, os custos com o tribunal são usualmente determinados através de um sistema ad valorem, com recurso a uma tabela que os referencia ao valor do litígio.
“Diferentes instituições arbitrais têm diferentes tabelas ou fórmulas de cálculo, fatores a ponderar pelas partes no momento da redação do contrato onde optam por incluir uma convenção de arbitragem. Os custos com advogados e peritos dependem do litígio em concreto, da sua extensão e complexidade, factual, técnica ou jurídica”, referiu.
O advogado sublinhou que não é possível fazer uma estimativa média do custo de arbitragem em abstrato, uma vez que depende da instituição arbitral escolhida, das regras aplicáveis, do idioma, da complexidade do litígio, da necessidade de prova pericial e da sua configuração, entre outros. “A experiência do advogado neste tipo de disputas é fundamental para uma correta orçamentação dos custos prováveis, com um grau de precisão elevado, evitando dissabores às partes”, acrescentou.
Um recente artigo do Expresso, que cruzou dados do Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal e a tabela de remuneração do Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal (CAAD), revelou que, entre 2006 e 2021, um dos árbitros presidentes terá lucrado cerca de 165 mil euros por ano – considerando os acórdãos que integram a amostra estatística.
Ou seja, enquanto que, em média, um juiz de direito possui um salário base anual de 63 mil euros, os cinco árbitros mais ativos no CAAD receberam em média 140 mil euros, segundo a amostra do estudo e avançado pelo Expresso.
Os valores recebidos podem assim variar consoante diversos fatores e podem até quadruplicar o que um juiz ganha num mês.
“Os centros de arbitragem dispõem de regulamentos que preveem os custos envolvidos num processo arbitral e dispõem de tabelas que permitem calcular os honorários dos árbitros e encargos administrativos, os quais estão, em regra, dependentes do valor do litígio sujeito a arbitragem”, sublinhou Miguel Esperança Pina, sócio da CMS.
À Advocatus, o sócio da CMS explicou que se se tiver por referência a tabela do maior centro de arbitragem português, feitas as contas no final do litígio, o desvio dos custos de uma arbitragem relativamente a um processo judicial poderá não ser significativo. Ainda assim alerta que tudo dependerá sempre do valor da causa. “O que difere é que na arbitragem ambas as partes suportam antecipadamente a totalidade dos custos, sendo que a repartição das mesmas só se faz a final”, acrescenta.
“Nos tribunais estaduais, as contas, na parte mais significativa, só se faz no final e estão sujeitas a uma grande margem de imprevisibilidade, que é geradora de incerteza e insegurança. Bem feitas as contas, considerando a celeridade e eficácia da arbitragem, o seu custo faz parte do investimento. Trata-se pois de um relevantíssimo estimulador do investimento nacional e estrangeiro. Trata-se de um custo que atrai riqueza, ao contrário das custas nos tribunais estaduais que são vistas pelos agentes económicos como pura perda, devido à desesperante lentidão dos processos que podem eternizar-se e que não é compatível com a celeridade da economia e dos seus atores”, acrescentou.
Já os valores remuneratórios dos árbitros estão previstos em tabelas que podem ser consultadas junto das respetivas instituições arbitrais. Ainda assim, a remuneração dos árbitros dependerá do acordado pelas partes, em sede de negociação da cláusula compromissória e da definição das regras aplicáveis, mas sempre calculada em função do valor da causa, explicaram José Carlos Soares Machado e Pedro Pinto Melo, sócio e coordenador do departamento de contencioso da SRS Legal, respetivamente.
“A remuneração dos árbitros variará, em teoria, consoante a arbitragem seja institucionalizada, sujeita a um regulamento e tabelas de honorários pré-determinadas, ou ad-hoc, onde as partes definem as regras do processo arbitral e os honorários dos árbitros. No entanto, é prática corrente nas arbitragens ad hoc as partes adotarem regulamentos e tabelas de honorários aplicáveis a arbitragens institucionalizadas (comodismo ou facilitismo para evitar possível desacordo entre as partes)”, disseram os advogados.
Sobre a transparência dos valores, Miguel Esperança Pina acredita que os progressos têm sido “enormes”, sendo que ainda podem melhorar. “O que importa reter é que nada é opaco. Tudo é transparente. Contudo, o caminho da transparência, valor basilar do Estado de Direito Democrático, não tem fim. É um caminho constante que implica uma incessante e esforçada busca de mais e mais transparência! E, sem dúvida, que muito há que melhorar”, acrescentou.
O sócio da CMS sublinhou como pontos desse progresso os “exigentes códigos de condutas” e a “galopante discussão pública” em fóruns cada vez mais alargados e cada vez mais rigorosos do ponto de vista científico e deontológico, “sob o olhar crítico e exigente da comunidade arbitral, mas também do mercado em geral, incluindo os third party funders, quer nacional quer internacional”.
O third party funding ganhou mais espaço no panorama nacional através do Regulamento de Arbitragem de 2021. Esta lei veio estabelecer o dever das partes informarem o secretariado do Centro de Arbitragem Comercial, os árbitros e as demais partes do processo sempre que a arbitragem seja financiada por terceiros que possam ter um interesse económico no resultado final do processo arbitral, segundo o artigo 5.º do Regulamento. O objetivo é garantir a independência e imparcialidade dos árbitros.
Também o tempo de duração de um processo arbitral pode variar consoante o nível de complexidade da disputa em causa, do número de sujeitos processuais envolvidos, entre outros fatores.
“No entanto é sempre um processo substancialmente mais célere do que um processo judicial. A nossa experiência aponta para que a duração média de uma arbitragem se situe entre os 18 e os 20 meses, valendo a pena lembrar que, via de regra, inexiste recurso da decisão final do tribunal”, garantiu Joaquim Shearman de Macedo.
Os advogados da SRS, José Carlos Soares Machado e Pedro Pinto Melo, explicaram que, segundo a Lei da Arbitragem Voluntária (artigo 43.º, n.º1), a sentença deve ser notificada às partes no prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro. “No entanto, face à nossa experiência, a exceção prevalece sobre a regra e raras são as vezes em que, pelo menos nos processos mais complexos, as partes não são notificadas pelo Tribunal Arbitral com um pedido de dilatação do prazo para ser proferida a decisão arbitral e para o próprio termo do processo, normalmente por mais 6 ou 12 meses”, referiram.
Da celeridade processual à falta de imparcialidade dos árbitros
Com o número de processos arbitrais a crescer em Portugal, vários são os benefícios apontados pelos advogados contactados pela Advocatus. Ainda assim, a celeridade é uma das maiores mais-valias deste meio alternativo de resolução de litígios face ao sistema judicial português.
“Uma das maiores críticas que merece o nosso sistema judicial é sem dúvida a demora na tomada da decisão, sobretudo em processos mais complexos, onde não é raro aguardar-se mais de uma década por uma sentença, por vezes ainda suscetível de recurso. Justice delayed is justice denied”, salientou Joaquim Shearman de Macedo.
Para o sócio da PLMJ, a confidencialidade é também um fator positivo, uma vez que as empresas encontram valor em poder ver as suas disputas dirimidas de forma reservada, protegendo segredos industriais e comerciais eficazmente.
José Carlos Soares Machado e Pedro Pinto Melo apontaram a “flexibilidade no agendamento das audiências”, como o local e horários, a “autonomia das partes na escolha das regras de direito material e processual a serem aplicadas ao processo” e “a possibilidade de escolha dos árbitros em função da sua aptidão para o tipo de litígio (especialização)” como aspetos positivos.
Já o sócio da CMS, apontou também como fatores positivos o “ambiente de cortesia entre os intervenientes, evitando níveis de agressividade que prejudicam o julgamento da causa” e “mais informalidade no trato, o que facilita que o trabalho seja mais profícuo e que prevaleça a discussão do mérito em vez da discussão estéril da forma”.
Sobre os riscos associados, Miguel Esperança Pina acredita que se prendem com a “errada perceção de que se trata de uma justiça de interesses, feita à porta fechada para esconder propósitos obscuros e censuráveis”. O advogado acredita que existe atualmente um “excelente” corpo de árbitros imparciais e independentes que asseguram uma “justiça arbitral cega”.
Mas para José Carlos Soares Machado e Pedro Pinto Melo, a falta de imparcialidade e independência são um risco, uma vez que por vezes “os árbitros indicados pelas partes em litígio olvidam que não são mandatários da parte”. Os advogados da SRS apontaram ainda os custos e a existência de uma eventual ação de anulação ou recurso como possíveis desvantagens.
“Outra das críticas passa pela eficácia limitada das sentenças arbitrais – no ordenamento jurídico português uma sentença arbitral tem a mesma força que uma sentença judicial, no entanto o seu efeito será apenas vinculativo relativamente às partes da disputa e que celebraram a convenção arbitral, sendo consideravelmente limitadas as oportunidades de fazer intervir terceiros no litígio”, concluiu Joaquim Shearman de Macedo.
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Sigilo e rapidez provam que arbitragens vieram para ficar
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