καλωσόρισμα Grécia, Portugal saúda-vos
Afrodite aceita posar para a Playboy e Hércules teve de suspender os seus 12 trabalhos por falta de pagamento. O que nós e os gregos aprendemos com a crise grega, oito anos após o resgate?
3.000 dias, três resgates e 300 mil milhões depois a Grécia sai do resgate. Uma recessão que, lembrava a revista The Economist, durou mais do que a Grande Depressão nos EUA.
Tudo começou com uma farsa. Durante anos o Governo grego, ajudado pelo Goldman Sachs, martelou e falsificou as as contas públicas. Foi em 2010 que se percebeu que o défice público era de 12,5%, mais do dobro do valor anunciado. Espevitado pelas taxas de juros baixas oferecidas pelo euro, o modelo económico sobre o qual assentava a economia grega era baseado no endividamento público e privado, em gastos públicos excessivos, em salários que ultrapassavam em muito a produtividade, numa máquina do Estado burocrática e numa justiça corrupta. A evasão fiscal era um ponto de honra e considerada pelos gregos como “defesa legítima contra os impostos elevados”, necessários para alimentar um Estado pesado e ineficiente. Até as piscinas eram taxadas.
Em 2010, um estudo realizado pelo fisco grego concluiu que apenas 327 casas em Atenas declararam ter piscina. Usando imagens do Google Earth, o Governo constatou que, apenas nos subúrbios ricos da capital, o número total de piscinas chegava às 17 mil.
Da farsa passámos ao drama. A crise financeira apanhou a economia grega desprevenida e atirou Atenas para uma brutal recessão, tendo o país perdido 25% da sua riqueza. Um quinto da população e metade dos jovens foram atirados para o desemprego. Os pensionistas (com seis cortes nas pensões e mais um esperado para 2019) e os funcionários públicos também foram chamados a pagar por uma crise que foi tão intensa que abalou os alicerces do projeto europeu.
A Europa ameaçou desmoronar e, tal como um castelo de cartas, caiu a Grécia, afundou a Irlanda, ruiu Portugal, tremeu a Espanha, colapsou o Chipre e tremelicou a Itália. A Europa foi confrontada com a ausência de Europa. A união monetária era um projeto contabilístico, não existia fundo de resgate (apenas empréstimos bilaterais) e a união bancária era somente um conceito teórico. O que nos valeu foi que, no dia 26 de julho de 2012, Mário Draghi acordou bem disposto e disse uma frase que mudaria para sempre o destino do Velho Continente: “Dentro do nosso mandato, o BCE está pronto a fazer tudo o que for preciso para preservar o euro. E, acreditem em mim, será suficiente”. E foi suficiente.
Do drama chegámos à comédia. Três anos depois, a crise varreu os socialistas do mapa político grego e a Nova Democracia, partido de centro-direita que sofreu a sua pior derrota nas eleições de 2012, após defender o programa da troika, curiosamente, volta hoje a liderar as sondagens. Chegou ao poder o Syriza, uma espécie de Bloco de Esquerda grego, e emergiu Yanis Varoufakis com o seu discurso marxista e o seu cachecol de luxo da Burberrys. Uma mistura de pop star, ministro das Finanças, professor universitário, intelectual, motoqueiro e trolha grego que quis desafiar o status quo e, por muito pouco, não levou o país à bancarrota (para além da bancarrota em que já se encontrava).
Chegados aqui, depois de três resgates, o que aprendemos com a crise grega?
Aprendemos que os gregos têm algum sentido de humor e que tiveram de mudar de vida: Afrodite aceitou posar para a Playboy, Aquiles teve de ir a um hospital público tratar do seu calcanhar, Hércules suspendeu os 12 trabalhos por falta de pagamento e a caverna de Platão passou a abrigar os milhares de sem-abrigo sem uma casa para morar.
Mais importante, aprendemos que a Europa não estava preparada para uma crise com aquelas dimensões e que agora, felizmente, está mais bem apetrechada (faltando ainda completar a União Bancária e institucionalizar o Fundo Monetário Europeu). Também aprendemos que a bravata política e a fanfarronice ideológica esbarram sempre na realidade e que o populismo e a promessas fáceis nem sempre são proporcionais ao número de zeros da nossa conta bancária.
Aprendemos que a dívida cria valor quando o capital é mais caro (como dizia Modigliani), mas em excesso é letal. Um país que tem uma dívida pública de 180% é simplesmente obsceno. A Grécia comprometeu-se com Mário Centeno e com os outros ministros do Eurogrupo a gerar, até 2022, excedentes primários de 3,5% do PIB e de 2,2% até 2060, altura em que termina a vigilância reforçada de Bruxelas. É uma tarefa hercúlea, dificilmente atingível, mas que coloca os gregos no caminho certo no sentido de tentar pagar o que devem aos credores oficiais.
Aprendemos que sem solidariedade a Europa não existe. Além dos haircut de 100 mil milhões de euros que impôs aos privados em 2012, a Grécia conseguiu uma reestruturação da dívida à troika que atira a maturidade para as calendas gregas e corta juros para níveis decentes. Por causa desta solidariedade é que a Grécia conseguiu uma almofada de 20 mil milhões de euros e que lhe permite estar fora do mercado até meados de 2020.
Agora, cabe à Grécia tentar caminhar com os próprios pés, pôr-se a salvo de qualquer contágio turco, tentar regressar aos mercados em 2019 (arriscando emissões não sindicadas) e mostrar que o moral hazard é um receio infundado dos credores. καλωσόρισμα [bem-vindos] Grécia, Portugal saúda-vos.
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